domingo, 15 de julho de 2018

Angola | 27 DE JUNHO EM CALUEQUE – III

Martinho Júnior | Luanda  (continuação)

A batalha do Cuito Cuanavale estendeu-se durante 11 meses (entre Julho de 1987 e Junho de 1988) em toda a Frente Sul das FAPLA, abrangendo sobretudo as províncias do Cuando Cubango, Huila e Cunene… todavia, o soco da mão direita a que se referiu o Comandante Fidel de Castro (como o boxeur que com a mão esquerda o mantém e com a direita o golpeia” –https://resistir.info/cuba/cuito_cuanavale.html), no lado africano do Atlântico Sul está aparentemente meio-apagado da corrente da memória, pelo que não se comemorou em Angola, conforme a dignidade assim o determina, o histórico 27 de Junho de 1988 em Calueque, 30 anos depois do acontecimento!...

7- Em Setembro de 2017 e a propósito das reinterpretações com fundo ideológico sobre os combates na Frente Sul das FAPLA, ocorridos no âmbito da batalha do Cuito Cuanavale, o camarada general Paulo Lara teceu, no Novo Jornal, um conjunto de pertinentes observações (texto publicado na edição n.º 501 do Novo Jornal, de 22 de Setembro de 2017).

Logo em relação às presenças na cerimónia de inauguração do monumento que honrava os heróis da batalha de Cuito Cuanavale (http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2017/8/38/Cuando-Cubango-Inaugurado-memorial-vitoria-batalha-Cuito-Cuanavale,f021f180-c94b-4db1-af9a-429fcc9e859f.html), o camarada general Paulo Lara escreveu:

…”Praticamente despercebidos estavam os representantes das embaixadas da Rússia e de Cuba, aliados de Angola naqueles difíceis momentos.

Não nos podemos esquecer que, ao contrário do que foi sendo insinuado nos últimos anos, a presença das forças cubanas teve um papel importante nos três últimos meses dos combates em redor do Cuito Cuanavale.

Passados 30 anos da Batalha do Cuito Cuanavale e 42 anos da nossa Independência, estamos convencidos que sem a atitude assumida por Angola com a solidariedade activa de Cuba, a história das independências efectivas no continente africano seria totalmente diferente”…

Perante o injustificável, o camarada general Paulo Lara foi mais longe e apontou um conjunto de observações que se deveriam passar a levar em conta nas abordagens relativas à batalha do Cuito Cuanavale, que, não me canso de repetir, abarcou toda a Frente Sul das FAPLA; transcrevo:

“ - que o Memorial esclareça a confusão criada entre os conceitos de Batalha, Operação e Combate e principalmente entre a Batalha do Cuito Cuanavale e o Combate do Tumbo;

- que esteja esclarecida a extensão e profundidade da BCC; as Regiões, Agrupações e Unidades que nela participaram; as datas em que ela iniciou e terminou; as principais operações e combates que a integraram; identificados os principais comandantes aos diferentes níveis; o sistema de direcção criado desde o estratégico ao táctico. [É nosso entender que se se considera a Batalha do Cuito Cuanavale como símbolo da derrota contra as SADF e consequentemente da libertação da Namíbia e término do regime do apartheid, a Frente do Cunene onde se realizou o golpe final contra as SADF constitui parte integrante da BCC];

- que esteja explicado o funcionamento e papel desempenhado pelo Centro de Direcção das Operações (CDO) dirigido pelo Comandante em Chefe das FAPLA e que integrava o Ministro da Defesa e o Chefe do Estado Maior General das FAPLA assim como os Chefes da Missão Militar Cubana [MMCA] e a da Missão Militar Soviética em Angola [MMSA];

- que estejam integrados neste Memorial e explicados os principais combates realizados como os de Setembro de 1987 no rio Lomba, os de Outubro no Lungue-Bungo (Moxico), os de Novembro em Chambinga com a 16.ª Brigada, os de Fevereiro de 1988, no famoso duelo de tanques em Chambinga no dia 14 de de Fevereiro, entre forças das 21.ª e 59.ª Brigadas, Grupo Táctico Cubano e as SADF entre outros;

- que no Memorial esteja referenciado, para além do das SADF, o papel exercido pelas forças das FALA (Forças Armadas da UNITA) e a sua Direcção ao longo do período da BCC nas diferentes frentes;

- que no Memorial esteja clarificado o papel das forças cubanas e soviéticas ao longo da BCC, na sua real dimensão;

- que seja rigorosamente verificada a linguagem utilizada na terminologia militar ou identificação de objectos ou localidades, para não corrermos o risco de que termos como Triângulo do Tumpo ou Caixa de Chambinga, de origem das SADF sul-africanas, passando a fazer parte do nosso vocabulário;

- que não se deixe de referenciar a importância da BCC no surgimento da primeira doutrina militar elaborada unicamente por oficiais angolanos - O Novo Pensamento Militar - que viria a alterar profundamente a organização político-militar e operacional no teatro de operações militares nos anos seguintes.”

É evidente que o camarada general Paulo Lara fundamentou a sua explanação em função dos conceitos geoestratégicos e técnicos da batalha do Cuito Cuanavale em toda a sua extensão e temporalidade, todavia, parece-me a esta distância e com base no silêncio que se registou a propósito dos 30 anos do golpe da aviação em Calueque, que as razões dos últimos artigos publicados no Jornal de Angola sobre a batalha do Cuito Cuanavale, só podem ser explicadas dada a natureza ideológica das intervenções e conforme estou a ter o cuidado de evidenciar.

Ao citar fontes, como por exemplo em “Acordos de Nova Iorque e a Paz na África Austral”, com a assinatura de José ribeiro (http://jornaldeangola.sapo.ao/reportagem/acordos_de_nova_iorque_e_a_paz_na_africa_austral), só existem para fundamentar a argumentação, ou fontes angolanas, ou fontes sul-africanas, como Peter Stiff (https://www.amazon.com/default/e/B001HMU230?redirectedFromKindleDbs=true)…

É o capitalismo que cria o artifício de dividir, de excluir, ou de marginalizar, como aconteceu por exemplo com a comunidade da Segurança do Estado até à chegada do camarada general Miala e por isso os seus “profetas” estão tão afoitos ao que chega de fora, em múltiplos processos de assimilação, inibindo como mercenários, por completo ou em partes, o pensamento integrador e articulado, ou o pensamento dialético, em prejuízo da independência, da soberania, da identidade nacional e da própria história!


8- Ao não se lembrarem os 30 anos sobre o golpe da aviação da Linha da Frente progressista do Movimento de Libertação em Calueque, a África Austral perdeu a oportunidade de conferir relevo aos resgates que empenhadamente África deveria ter vindo a realizar!

De facto, a barragem de Calueque foi construída em 1972, nos alvores do Exercício Alcora que integrou o esforço económico e financeiro da criação e do arranque do Plano Cunene (http://paginaglobal.blogspot.com/2017/05/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda_18.html), algo que tem a ver enquanto “nutriente”, com a persistência da internacional fascista da época.

A presença na barragem de Calueque do “apartheid” até ao 27 de Junho de 1988, reproduz a teimosa expressão da continuidade da internacional fascista na África Austral, ou seja a continuidade física em solo angolano do próprio Exercício Alcora depois do 25 de Abril em Portugal, pelo que a derrota das SADF em Calueque e a expulsão das SADF do território nacional, têm um outro significado que, com as “filtragens” ideológicas social-democratas e cristã-democratas foi inibido, ou excluído, em benefício de reinterpretações que interessam a círculos conservadores e elitistas que actuam a coberto do capitalismo neoliberal em África, também oficiosamente (conforme os artigos publicados no Jornal de Angola sobre a batalha do Cuito Cuanavale) estabelecidos em Angola.

O Movimento de Libertação em África, na sequência da lógica com sentido de vida, ao expulsar o “apartheid”, com a vitória na batalha do Cuito Cuanavale, definitivamente de Angola, propiciava não só a independência da Namíbia e do Zimbabwe, não só a possibilidade da implantação da democracia na base de 1 homem, 1 voto, na África do Sul, mas também, assumindo o controlo de planos (como o Plano do Cunene) e infra estruturas (como a barragem de Calueque, entre outras barragens que polvilham o rio Cunene), passar a ter bases e recursos para dar início à imensa luta contra o subdesenvolvimento que há que realizar, em benefício de todos os povos da África Austral, algo que seria imprescindível comemorar e ainda mais imprescindível poder reflectir!

O golpe em Calueque, marcando o colapso das SADF, afundadas nos seus projectos de “border war”, deveria ser comemorado e reflectido por todos os componentes da Linha da Frente, da Namíbia, do Zimbabwe e da África do Sul, bem como pelos aliados de então, em especial Cuba e, 30 anos depois dos acontecimentos, ao se perder essa oportunidade em função de ideologias que nada tiveram e nem têm a ver com o sentido histórico do Movimento de Libertação em África, nem com a legitimidade dos resgates imensos que há a realizar, conclui-se que o carácter dos estados na África Austral e particularmente o estado angolano, está longe de poder corresponder aos termos inequívocos de independência, de soberania e de identidade nacional, ou seja àquilo que essencialmente lhes compete face aos povos que os elegem!

Acima de tudo, a lavagem da história pretende inibir qualquer veleidade anti-imperialista, numa altura em que a globalização nos termos da hegemonia unipolar, pretende avassalar África num revigoramento neocolonial e para que não seja dada hipótese a qualquer veleidade na direcção dum renascimento africano!...

9- Esta reflexão tem que ver também com a necessidade duma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável (https://paginaglobal.blogspot.com/2016/01/geoestrategia-para-um-desenvolvimento.html), pois o rio Cunene, tem os seus três fluxos de nascença inseridos na Região Central das Grandes Nascentes, tal como a bacia subterrânea do Cuvelai e as bacias do Cubango e do tributário do Zambeze, o Cuando.

A memória da batalha do Cuito Cuanavale em toda a Frente Sul das FAPLA, 30 anos depois suscita também essa larga abordagem sobre o espaço nacional voltado a sul e sobretudo sobre o espaço vital.

A inteligência e a segurança nos termos do resgate que há a realizar e de acordo com uma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável e em luta contra o subdesenvolvimento (http://paginaglobal.blogspot.com/2017/11/para-uma-cultura-de-inteligencia-em.html), dão continuidade ao sentido do Movimento de Libertação em África, que no meu entender não se pode, em razão da independência, da soberania e da identidade nacional, desprezar.

As ideologias indexadas aos interesses do capitalismo neoliberal, não só dividem, não só excluem, não só subvertem, como também“obrigam” (por que são formuladas a partir das linhas de força dominantes), a que os angolanos e os africanos, se esqueçam do essencial sobre a dialética entre os imensos desertos quentes do continente (também sobre o Kalahári e o deserto do Namibe) e o espaço interior vital rico em água (https://paginaglobal.blogspot.com/2018/06/a-guerra-psicologica-do-imperio-da.html), que deverá ser o nó górdio das geoestratégias de desenvolvimento sustentável, inequívocos garantes de futuro para todo o continente!

Não basta pois uma reflexão apenas debruçada sobre a bacia do Congo e Grandes Lagos (http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2018/3/18/Estadistas-lancam-comissao-para-sustentabilidade-bacia-Congo,e442f60b-80b1-4d82-a006-a9b4c6745194.html), no caso angolano sobre a Região Central das Grandes Nascentes, pois é no pensamento dialético, tirano partido do conhecimento antropológico e histórico, que uma inteligência de vanguarda se pode tornar garante de paz e segurança!

O ataque da aviação de 27 de Junho de 1988 a Calueque (http://www.urrib2000.narod.ru/EqMiG23a-e.html), tem múltiplas lições para nos dar, mas 30 anos depois, prevalece a assimilação no pior sentido do termo!

FIM

Martinho Júnior - Luanda, 6 de Julho de 2018

Ilustrações:
- Mapa da Frente Sul das FAPLA, de acordo com “Cuito Cuanavale revisitado” – https://resistir.info/cuba/cuito_cuanavale.html;
- Derrota das SADF em Calueque, a 27 de Junho de 1988, uma imagem da impotência do “apartheid”;
- “Visions of freedom”, um livro deliberadamente desconhecido dos “historiadores” angolanos e do Jornal de Angola;
- Dois MIG-23 com as cores da FAPA-DAA de Angola;
- Memorial do Cuito Cuanavale.

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