quinta-feira, 29 de agosto de 2019

ARDE ANGOLA II – Martinho Júnior


“O camaleão vai atrás da borboleta, permanece camuflado por muito tempo, para depois avançar lenta e gentilmente: primeiro coloca uma perna, depois outra. Por fim, quando menos se espera, ele lança o dardo de sua língua e a borboleta desaparece – a Inglaterra é o camaleão e eu sou a borboleta” – Rei Lobengula – http://pagina--um.blogspot.com/2010/10/globalizacao-o-camaleao-voraz-que.html

Martinho Júnior, Luanda 

… Seguir os passos de Nelson Mandela ao comprometer-se com elites que em relação à natureza tapam por via de suas próprias implicações o seu papel no Grupo Bilderberg e no “apartheid”, (https://www.greatlimpopo.org/2015/07/remembering-nelson-mandela-founding-patron-of-peace-parks-foundation/) é uma forma ingénua e avulsa de “meter a raposa no galinheiro” e engordá-la com as suas próprias opções de caça em “jogos africanos”…( https://paginaglobal.blogspot.com/2013/12/que-eternidade-para-mandela-i.htmlhttps://paginaglobal.blogspot.com/2013/12/que-eternidade-para-mandela-ii.html).

Por que razão na celebração do 100º aniversário natalício de Nelson Mandela se foi buscar Obama, que tanto tem a ver com a disseminação do caos em África ao destroçar a Líbia e não se foi buscar o Comandante Raul de Castro, que tanto tem a ver com a libertação do continente do colonialismo e do “apartheid”?… (https://tudoparaminhacuba.wordpress.com/2018/07/29/que-eternidade-para-nelson-mandela/).

De facto esse é um dos poderosos artifícios elitistas conseguidos por via da globalização capitalista neoliberal (https://gara.naiz.eus/paperezkoa/20130706/411802/es/Sudafrica-pacto-faustico-ANC-fue-costa-mas-pobres), pois assim se inibe a vocação de Angola para, numa lógica com sentido de vida, se despertar para uma geoestratégia de desenvolvimento sustentável tendo como força o conhecimento e o estudo da fulcral região central das grandes nascentes e, com isso alcançar-se o patamar de gestação duma cultura de inteligência patriótica imprescindível em relação ao futuro da própria identidade nacional! (http://paginaglobal.blogspot.pt/2014/08/desbravando-logica-com-sentido-de-vida-i.html).

África merece um longo processo de educação dos seus povos e isso não se resolve com e apenas a cumplicidade de elites cujas opções foram sempre de exclusão e nunca de integração! (https://paginaglobal.blogspot.com/2018/08/pequena-reflexao-sobre-guerra-e-paz.html).

Tenho vindo a levantar sempre com sentido de oportunidade a ténue fronteira do que é civilização e do que é barbárie, particularmente quando os fenómenos em observação se tornam abrangentes, a ponto de só se poder compreendê-los quando é dado relevo a essa abrangência e aos seus inerentes contraditórios.



De facto não basta haver esforço de investigação e de busca de conhecimento científico pois há, com a globalização capitalista neoliberal que se destaca no âmbito do império da hegemonia unipolar, uma vocação “genética”, inerente ao domínio: o conhecimento é reservado a elites com enorme capacidade financeira (e estimulado por elas), excluindo todos os outros (a não ser os que respondem aos seus próprios interesses e conveniências)!... (http://paginaglobal.blogspot.pt/2018/02/a-persistencia-da-barbarie.html).

Essa exclusão arbitrária e não democrática tem além do mais excluído da cultura de inteligência e das práticas inteligentes os actores no terreno, por que o elitismo tem sistematicamente colocado fora de sua presunção e raio-de-acção a educação de massas que deve desde logo ser uma prioritária preocupação mobilizadora e participativa de todos, em benefício de todos! (https://www.survivalinternational.org/news/11537).

O elitismo privatiza o ecoturismo a ponto neste caso de vir a poder gerir 90.000 km2 de território nacional angolano que interessa às suas conveniências de paz e remete para o depauperado estado angolano a responsabilidade de socialização dos processos massivos educacionais em relação à premente necessidade de enfrentar os correntes fenómenos climático-ambientais e hidrográficos, com a agravante de procurar a todo o transe afastar a atenção da região central das grandes nascentes, fulcro que pode vir a permitir o ponto de partida para uma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável a muito longo prazo! (http://paginaglobal.blogspot.pt/2018/01/acordar-o-homem-angolano.html).

Constata-se em Angola nos nossos dias a falta de educação das comunidades rurais para os prementes assuntos inerentes às alterações climático-ambientais e para os cuidados que há a ter com a preservação, controlo e gestão de fontes de água, tornando-se impossível discernir o que são fogos florestais propriamente ditos, do que são as queimadas de final de cacimbo, ou fornos de fabrico de carvão conforme aos hábitos e costumes da antropologia cultural gerada nos termos duma economia de autossubsistência, (https://twitter.com/joaomelo_ao/status/1166028571724394497) numa altura em que se abatem indiscriminadamente florestas, desaparecem fontes, avançam para norte os desertos do Kalahári e do Namibe e a seca alastra provocando miséria, fome, deslocamento de comunidades e gado numa transumância jamais experimentada em direcção à sobrevivência, ou à morte!... (http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/sociedade/2019/4/20/beira-crise-Cunene-luta-pela-sobrevivencia,73177dd9-69cc-4529-a478-8b784f1c108d.html).

Os números são alarmantes se considerada a similitude antropológica, económica e social na RDC, com o dobro do tamanho de Angola e com mais do dobro da população angolana: “de acordo com a agência de notícias Bloomberg, que cita dados do satélite MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer) lançado pela NASA - agência espacial norte-americana - em 1999, Angola registou 6.902 fogos nas últimas 48 horas, mais do dobro dos 3.395 na República Democrática do Congo e mais do triplo dos 2.127 fogos registados no Brasil”… (https://paginaglobal.blogspot.com/2019/08/incendios-florestais-angola-ultrapassa.html).

…Tudo isso acontece quando o cartel perde a possibilidade de explorar as minas de diamantes, do ouro, da platina e dos diamantes na África do Sul, explora agora as jazidas kimberlíticas do Botswana (https://www.ofitexto.com.br/comunitexto/economia-de-botsuana-brilha-apos-acordo-com-diamantes/) e pretende ascender às kimberlites de Angola, a começar pelas kimberlites que andou a estudar na área dilecta do Cuando Cubango, onde se desenrolou o flanco leste da batalha do Cuito Cuanavale e onde foram criados os Parques Nacionais angolanos do sudeste, que passaram a fazer parte do KAZA-TFCA (https://www.halotrust.org/)… que se pretende entregar ao nível de 90.000 km2 a gestores estado-unidenses, britânicos e sul-africanos de acordo com os processos elitistas que se sucederam ao “apartheid”, que incluíram os olhos e a vocação de Nelson Mandela nas suas opções! (https://compareguru.co.za/news/who-is-the-richest-person-in-south-africa).


Para que o rebuçado da terapia neoliberal fosse ainda mais doce (http://www.swans.com/library/art14/barker07.html), grande parte da desminagem foi feita por esse tipo de interesses que, enquanto durou o “apartheid”, foi em muitos sectores e em muitas linhas de conexão, sua cúmplice (https://observador.pt/2019/01/15/angola-desmina-polo-turistico-no-cuando-cubango-com-doacao-britanica-de-13-milhoes-de-dolares/), conforme se pôde antes comprovar por exemplo com os conceitos elitistas e a acção do “Le Cercle”!... (https://wikispooks.com/wiki/Charles_Alan_%27Pop%27_Fraser).

Pasto de tantos “jogos africanos”, propositadamente evocando a exposição do homem do “Le Cercle”, Jaime Nogueira Pinto (http://www.publico.pt/sociedade/noticia/as-vidas-de-altissimo-risco-dos-nogueira-pinto-1460418), em última análise o facto de até Nelson Mandela ter sido “engolido” (https://www.dailymail.co.uk/news/article-1256425/Nelson-Mandelas-ex-wife-accuses-President-betraying-blacks-South-Africa.html) concorre para que hoje, com toda a inocência dos formatados incautos, arda Angola!

Ao arder Angola, há uma imensidão de fenómenos a explicar, para um longo e saudável caminho iniciar a trilhar!

Martinho Júnior - Luanda, 25 de Agosto de 2019


Imagens:
01- The Rupert family are a well-known family from Stellenbosch and comprise of Anton (father), Huberte (mother), Hanneli (daughter), Johann, and Antonij (sons). Anton (seen in the picture above with Nelson Mandela), Huberte and Antonij Rupert are deceased and survived by Johann and Hanneli; Johann Peter Rupert (seen above) is the eldest son and the chairman of the Swiss-based luxury-goods company Richemont (best known for brands Cartier and Montblanc) as well as of the South Africa-based tobacco manufacturer, Remgro. From its early origins as a tobacco manufacturer in the late 40s, The Rembrandt Group, more commonly known as Remgro, has evolved into an investment holding company with a market capitalisation now in excess of R120 billion. The group's interests include food, liquor, home care, banking, insurance, healthcare, industrial, infrastructure, media, and sport. The range of holdings within the Remgro portfolio provides investors with a diversified offering of market-leading public and privately-owned businesses. Anton and Huberte were considered philanthropists, supporting a number of projects for the preservation of the arts and the environment. Anton was a founding member of the WWF (World Wildlife Fund). – https://compareguru.co.za/news/who-is-the-richest-person-in-south-africa
02- Que eternidade para Mandela?, primeiropublicado no nº 371 do semanário Actual, em Luanda, a 15 de Novembro de 2003, voltou a ser levantada a questão a 8 e 9 de Dezembro de 2013, no Página Global Blogspot – https://paginaglobal.blogspot.com/2013/12/que-eternidade-para-mandela-i.html;  https://paginaglobal.blogspot.com/2013/12/que-eternidade-para-mandela-ii.html;
03- A princesa Diana esteve no lançamento da “The Halo Trust” em Angola – desminar para preparar as condições do ecoturismo elitista integrado no KAZA-TFCA catapultado a partir do mais rico produtor mundial de diamantes da actualidade, o Botswana – https://www.tsf.pt/internacional/interior/angola-pede-ajuda-para-destruir-todas-as-minas-5605247.htmlhttps://www.halotrust.org/;        
04- Comunicado do Ministério do Ambiente da República de Angola, que demonstra que falha na apreciação à abrangência dos fenómenos em que se vai enredando Angola, à mercê  da terapia neoliberal – Página frontal – https://twitter.com/joaomelo_ao/status/1166028571724394497;
05- Comunicado do Ministério do Ambiente da República de Angola, que demonstra que falha na apreciação à abrangência dos fenómenos em que se vai enredando Angola, à mercê  da terapia neoliberal – Conclusão – https://twitter.com/joaomelo_ao/status/1166028571724394497.


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CUITO CUANAVALE – A PAZ DA GRANDE SOLIDÃO

Abordar Cuito Cuanavale, é também fazer o levantamento físico-geográfico e ambiental duma das regiões envolta numa das evocações mais remotamente românticas de Angola: “as terras do fim do mundo”. (1)

Essa imensa região de ainda hoje baixíssima densidade demográfica (um pouco mais de 3 habitantes por quilómetro quadrado), que se circunscreve à Província angolana do Cuando Cubango, já foi maior durante a implantação do sistema político-administrativo pelas autoridades coloniais portuguesas, quando integrava o distrito do Bié e Cuando Cubango, com uma extensão que se aproximava de um quinto da área total do país.

Tinha razão de ser, sob o ponto de vista de conceito físico-geográfico, o distrito do Bié e Cuando Cubango, muito embora fosse impraticável em função de sua enorme extensão com uma muito rara ocupação humana:

Quer o rio Cuando, como o rio Cubango, assim como alguns dos seus afluentes e subafluentes, nascem na região central das grandes nascentes de Angola, um nó de nascentes de onde partem para todos os pontos cardeais e colaterais rios que compõem ou integram várias bacias hidrográficas importantes de toda a imensa região onde se inscreve Angola.

Dirigida a partir do Bié, as administrações que compunham o Cuando Cubango faziam por isso e com razão, parte das “terras do fim do mundo”, até por que muito poucas pistas de penetração haviam sido edificadas aí, tornando-se ainda mais raras à medida da aproximação do canto sudeste em Luiana.

As estradas e o caminho de ferro chegavam praticamente até a então Serpa Pinto (Menongue) e as derivativas eram pistas muitas vezes de ocasião, perdidas nos horizontes sem limites e despovoados do sudeste angolano.

Se o Cuando (com um curso intermédio conhecido como Linyanti e um curso final conhecido por Chobe) é um afluente do grande Zambeze, o Cubango, que na Namíbia e no Botswana é conhecido por Okavango, é um rio único: ele acaba num imenso delta, esvaindo as suas águas misteriosamente no tórrido deserto do Kalahári em pleno Botswana, impondo contrastes únicos entre paisagens de água e de “fogo”. (2)

O Cuando, que possui 735 km de comprimento e uma bacia com a área de 96.780 km2, no seu curso tem peripécias únicas: há 10.000 anos teria tido o mesmo destino do Okavango (com ele “desaguava” no lago de Makgadikgadi), mas na região pantanosa onde hoje começa o Linyanti  deixou de haver fluxo na direcção do Okavango. (3)

Da região pantanosa, o Linyanti segue até ao lago seco de Liambezi, onde ele desaparece, dando a leste sequência ao Chobe, a água que desde o Liambezi escoa na direcção do grande Zambeze.

Desse modo, o planalto do Bié também é a matriz da água desses dois invulgarmente pitorescos e emblemáticos rios, uma situação geoestratégica privilegiada em relação aos outros componentes do que se pode considerar de “Okavango and Upper Zambezi International Tourism Initiative”, envolvendo espaços na Zâmbia, no Zimbabwe, na Namíbia (faixa do Caprivi) e na plataforma que constitui para as elites dos “Peace Parks Foundation” o Botswana.

No centro da actual Província angolana do Cuando Cubango, o imenso sudeste de Angola, está Cuito Cuanavale, cuja área municipal é de 35.610 km2, com uma população estimada em 65.000 habitantes.

Cuito Cuanavale é assim, em relação ao manancial de água que se evade de Angola, uma localidade reitora do sistema angolano que antes, no tempo colonial, era constituído por duas “reservas parciais”, quatro “coutadas públicas” e um parque natural regional assim distribuídos: (4)

- Reserva parcial do Luiana estabelecido como reserva parcial em 17 de Setembro de 1966 com a extensão de 8.400 km2;
- Reserva parcial de Mavinga estabelecida como reserva parcial em 17 de Setembro de 1966 com uma extensão de 5.950 km2;
- Coutada pública do Mukusso criada em 15 de Julho de 1959 com uma
extensão de 25.000 km2;
- Coutada pública de Luiana criada em 15 de Julho de 1959 com uma extensão de 13.950 km2;
- Coutada pública do Luengue criada em 15 de Julho de 1959 com uma extensão de 16.700 km2;
- Coutada pública de Mavinga criada em 06 de Julho de 1960 com uma extensão de 28.750 km2;
- Parque natural regional do Cuelei com uma extensão de 4.500 km2.

Essas iniciativas ambientais todas somadas possuíam a extensão soberba de 103.250 km2 com uma fauna riquíssima formadas por rinocerontes, elefantes, palancas reais, gungas, guelengues, pacaças, hipopótamos, leões, onças, mabecos, javalis, cágados, uma enorme variedade de aves e de répteis!...

Os grandes antílopes e os elefantes acompanham ciclicamente o regime das águas: durante a estação das chuvas, quando há fartura de água, dirigem-se para sul, penetrando na Namíbia e no Botswana, para durante a estação do cacimbo, quando há diminuição dos caudais, procurarem lugares mais a norte, inteiramente dentro do Cuando Cubango.

A guerra prolongada que ocorreu no Cuando Cubango e os campos de minas que foram semeados, além de aniquilar uma parte dos animais, levou a que os sul-africanos retivessem a maior parte das espécies no Botswana durante a estação do cacimbo.

A criação dos Parques Nacionais no norte da Namíbia e no Norte do Botswana, por parte dos interesses ligados às elites, tirou partido dessa contingência que tem resultado até aos nossos dias, o que quer dizer que os prejuízos ambientais de Angola, subsistem para lá do final da guerra.

Na última fase do colonialismo, incursões do MPLA e da SWAPO, cada qual seguindo os seus próprios planos de penetração em função dos objectivos a que se propunha o movimento de libertação, fizeram do Cuando Cubango um campo de guerra “de baixa intensidade”.

A PIDE-DGS, a polícia política colonial-fascista portuguesa havia de para o efeito se esmerar: angariou os khoisan, integrou-os e deu-lhes formação militar, organizando as unidades especiais que deram pelo nome de “Flechas”, comandados pelo Inspector Óscar Cardoso, uma componente formidável do seu sistema militar na região. (5)

A independência tornou inviável o Cuando Cubango sob os pontos de vista de desenvolvimento económico (ainda que sob um eventual projecto de “intervenção”):

Savimbi instalou ali o santuário da UNITA, o seu 2º santuário, que se abrigava enquadrado nos dispositivos das “South Africa Defence Forces”do regime racista sul-africano, que lhe serviam de “guarda chuva” perante eventuais “intempéries” vindas do norte.

Isso tornou-o subsidiário e vulnerável à influência operativa das componentes ocidentais, com relevância para os sistemas dos racistas sul africanos e o dos norte americanos.

Nas disputas pela independência, foi do extremo sudeste que os instrumentos militares do “apartheid” procuraram atingir Luanda a fim de“instalar” a UNITA no poder em Angola, mediante a “Operação Savannah”, a primeira duma longa lista que iria ser desfiada de 1975 ao início da década de 90.

Os khoisan deixaram, a partir da “Operação Savannah”, de serem “Flechas”, passando a formar o Batalhão 31, de invulgar capacidade operacional no âmbito das “SADF”, seguindo sempre o lema que emoldurava a entrada do acampamento original do Missombo – “Que a vossa rapidez seja a do vento, que sejam impenetráveis como a floresta. Que as vossas operações sejam tão tenebrosas e misteriosas como a noite e, quando atacardes, fazei-o com a rapidez do raio e a violência do trovão”. (6)

Desde então os “khoisan” foram-se instalando mais a sul durante a guerra e entre os seus campos de guerra, o mais famoso é o “Ómega”, criado pelas SADF na faixa do Caprivi e tirando partido Da proximidade das fronteiras com Angola e com o Botswana.

Com os “khoisan” aconteceu o mesmo que com a riquíssima fauna, ficaram retidos a sul pelo poder racista que os utilizaram na medida do possível na “guerra de fronteiras” desde logo quando ocorreu contra Angola a “guerra de Kissinger” em disputa pela independência do país.

A base “Ómega” passou a ser uma das principais bases que, ligando-se à Jamba de Savimbi no Sudeste angolano, formavam um formidável dispositivo que funcionou em pleno durante a longa batalha do Cuito Cuanavale.

Foi a partir do eixo Cuito Cuanavale – Mavinga que há pouco mais de vinte anos se desenrolaram as batalhas mais decisivas no âmbito da história contemporânea da África Austral, sem as quais não se teria alcançado a libertação do jugo colonial e do sufoco imposto pelo regime do “apartheid” em relação a Angola, Namíbia e Zimbabwe, assim como a possibilidade de democratização da África do Sul.

O fim da Guerra Fria e a expansão do capitalismo de pendor neoliberal promoveu no espaço SADC a “democracia representativa” e, com ela, começaram a proliferar “novas elites” acondicionadas aos interesses da aristocracia financeira mundial, que na África Austral, desde os tempos de Cecil John Rhodes, têm expressão fundamentalmente no eixo do “lobby” dos minerais e no cartel dos diamantes.

Os governos sucessivos de Nelson Mandela e Thabo M’Beki não valorizaram as relações com Angola, por um lado, por outro pouca importância conferiram ao papel do sudeste angolano na região central do imenso espaço do SADC e ao valor histórico do Cuito Cuanavale para toda a África Austral, apesar de terem iniciado a impulsão das iniciativas do “lobby” dos minerais e do cartel dos diamantes na direcção da “plataforma” que constitui o Botswana, contribuindo para expandir os seus interesses para norte, incluindo os interesses sincronizados consubstanciados na “Peace Parks Foundation”. (7)

Eles mantiveram uma visão elitista, não abdicando dela até à saída de Thabo M’Beki do governo do ANC durante as últimas eleições na África do Sul.

Perante a ausência de tiros em Angola, os governos da SADC pretendem agora alargar o “Kavango-Kuando-Zambezi Transfrontier Park”, explorando os conceitos que têm sido esboçados com a “Okavango and Upper Zambezi International Tourism Initiative”, espaço que constituirá o maior conglomerado de parques transfronteiriços à escala global, o “Éden de África”, que integrará as famosas Victoria Falls, no curso internacional do grande Zambeze entre a Zâmbia e o Zimbabwe. (8)

A reunião dos Ministros de Turismo dos cinco países intervenientes no projecto, que se realizou nos dias 22 e 23 de Julho de 2009 em Cabinda, avaliou em 24 milhões de dólares a primeira fase de investimentos envolvendo o Cuando Cubango, integrando-o numa superfície total de 278.000 km2, com 14 áreas de importância ecológica para a protecção ambiental.

Por isso o Cuito Cuanavale, tendo em consideração a sua possível valorização histórica e antropológica, pode (e deve) obrigar a integrar novos elementos nos conceitos de base da “Peace Parks Foundation”:

- Por um lado em Angola, a presença de entidades especializadas russas e cubanas podem vir a ser “suportáveis” nesse quadro, podendo também vir a contribuir para o início de alternativas às evidências eminentemente anglo-saxónicas.

- Por outro, torna-se necessário valorizar o estudo antropológico das comunidades locais, entre elas as dos khoisan, de forma a que se “diluam”os critérios seguidos pela corrente anglo-saxónica a sul, socorrendo-se de correntes que, por exemplo, na América Latina, muito têm contribuído para uma maior dignidade das culturas indígenas índias, quinhentos anos depois da chegada de Cristóvão Colombo e duzentos anos depois das “independências”.

- Portugal, que possui um acervo importante de conhecimentos, pode também contribuir a fim de contrabalançar o relativo “vácuo” por parte da componente científica angolana.

- Por outro ainda, necessário se torna integrar os interesses dessas comunidades nos projectos, de modo a que os locais não sejam apenas recurso para mão-de-obra barata, ou de “animação por via de culturas exóticas”, antes sejam elementos participativos, nos pactos sociais dos empreendimentos e detenham uma quota parte das iniciativas que se levarem por diante.

Os elementos históricos inerentes à vitória do Cuito Cuanavale impõem-se e as elites que impulsionam os “Peace Parks”, uma parte delas com as características que tenho referido, terão de começar a “abrir-se a novos conceitos e opções”, até por que em paz, é necessário fazer a avaliação entre as guerras que foram justas, em nome da libertação de África e as guerras injustas, que conduziram ao saqueio das riquezas naturais.

Indícios disso são as alternativas que vão eclodindo por dentro do ANC e do governo sul -fricano, redundantes da evolução da conjuntura, que resultaram nas últimas eleições naquele país.

Sublinhando o início de “mais abertura”, Jacob Zuma visitou o Cuito Cuanavale antes das eleições e inaugurou as suas saídas ao exterior enquanto Presidente da África do Sul, com a visita de estado que fez a Angola, à frente duma numerosa delegação que envolveu membros do seu governo e empresários.

O discurso dos Presidentes Jacob Zuma e de José Eduardo dos Santos foram coincidentes no sentido de se iniciar em moldes acelerados a integração do espaço SADC.

O Presidente angolano sublinhou: (9)

…“O Governo angolano está disponível para intensificar essas relações com a África do Sul.

Considera que devem ser criadas condições políticas, jurídicas e financeiras para que os operadores dos dois países possam desenvolver formas e modalidades de relacionamento profícuo, capaz de corresponder às expectativas dos dois povos.

Para tal há vontade política, há potencialidades e oportunidades e tudo depende da capacidade empreendedora de as materializar.

Uma parceria estratégica entre os nossos dois países pode contar com a solidez e a capacidade técnico-científica da economia sul-africana e com o aproveitamento de várias oportunidades de negócios que Angola pode oferecer nesta fase de reconstrução nacional.

Apesar de se encontrarem ainda em estágios diferentes de desenvolvimento, as economias dos nossos dois países já são hoje as de maior peso na África Austral e Central.

Nós estamos igualmente abertos à criação de uma renovada dinâmica entre Angola e a África do Sul, que conduza à progressiva integração regional e que permita que a SADC se torne um motor de desenvolvimento da nossa sub-região e mesmo do resto de África, em prol do bem-estar e felicidade dos povos africanos.

É importante também a conjugação de esforços entre nós e outros países da sub-região para a redução dos efeitos da crise económica e financeira mundial nos países da SADC, em geral, e nos nossos dois países, em particular”…

O Presidente sul africano por seu turno realçou precisamente “a relação histórica que não pode ser esquecida”, tendo em conta “os laços” que“foram criados durante a guerra de libertação”, pelo que “gostaríamos de aproveitar a oportunidade para agradecer ao Presidente José Eduardo dos Santos e ao povo angolano pela solidariedade e amizade durante a nossa guerra de libertação”. (10)

Quanto à questão dos “khoisan”, a parte angolana está pouco ou nada preparada para lidar com os aspectos socioculturais de sua presença, tendo em conta o “uso” que deles foi feito tanto pelas autoridades coloniais portuguesas, como pelo regime do “apartheid”, como ainda pela África do Sul (que os foi também “acantonando” no “Kgalagadi Transfrontier Park”) e pelo Botswana.

De acordo com os sucessivos relatórios da “Survival”, o governo do Botswana têm-nos retirado do Kalahári, “obedecendo” aos ditames da De Beers via Debswana, desejosas de estudar e “ocupar” praticamente toda a quadrícula desse deserto riquíssimo de quimberlites (o Botswana, com as poucas explorações em curso, é o maior produtor mundial de “diamantes-jóia”).

A integração prevista para a SADC possui no âmbito dos “Peace Parks Foundation” no fecho da segunda fornada de iniciativas, muita coisa a definir.

Um dos riscos é que o processo eminentemente elitista inaugurado por Nelson Mandela e seus pares na origem da “Peace Parks Foundation”prevaleça, ávidas que estão as novas elites angolanas de “alinharem” com este tipo de expedientes.

No Cuando Cubango elas beneficiam dum território quase desértico em termos de povoamento humano, o que é óptimo para os encargos e a paz, é de facto a paz da grande solidão.

É que do lado de Angola praticamente nada foi feito em termos científicos, enquanto que do lado das elites que surgem a partir da África do Sul, em função das características do “lobby” dos minerais e do cartel dos diamantes, tem sido desenvolvido o conhecimento científico multifacético e de forma muito abrangente, desde o domínio da geologia, ao domínio da geografia, dos estudos sobre a fauna e a flora, até aos conhecimentos antropológicos (condicionados às políticas elitistas), numa região riquíssima em todos os sentidos.

As tendências para o neocolonialismo agrário que marcam um dos aspectos da crise alimentar entrosada com as outras crises do capitalismo e com a degradação do clima, é outras das grandes tentações que afectam as elites e também as novas elites angolanas.

Perante a imensidão do sudeste angolano, as novas elites tenderão marcar, com seus “emparceiramentos internacionais”, uma posição forte e exclusivista. (11)

Sob o ponto de vista humano, o “Okavango and Upper Zambezi International Tourism Initiative” poderá ser mais um elemento centrífugo a Angola: distante dos pólos económicos do país, o sudeste angolano poderá ser atraído aos interesses que se implantaram a sul, na Namíbia e particularmente no Botswana, num quadro que estrategicamente é de todo interesse da De Beers, da Anglo American, enfim, do “lobby” dos minerais.

Se assim for em Angola, será um dia também na RDC e nos Grandes Lagos, a terceira fornada de iniciativas que se desenham no horizonte…

Que paz vai então vai prevalecer a partir do tão historicamente decisivo Cuito Cuanavale?

Martinho Júnior - 20 de Setembro de 2009

Notas:
- (1) – Cuito Cuanavale revisitado – Piero Gleijeses – Resistir Info – http://resistir.info/cuba/cuito_cuanavale.html ; Discurso do Presidente José Eduardo ds Santos sobre a batalha do Kuito Kuanavale – Angola na Internet – http://www.angolanainternet.ao/boletiminformativo/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=412 ; Wikipedia –http://pt.wikipedia.org/wiki/Cuito_Cuanavale
- (2) – Zambezi – Wikipedia – http://en.wikipedia.org/wiki/Zambezi ; Linyanti - Wikipedia – http://en.wikipedia.org/wiki/Linyanti_River ; Chobe National Park –http://www.chobe-national-park.com/
- (3) – Okavango basin – Wikipedia – http://en.wikipedia.org/wiki/Okavango_Basin ; The Okavango basin – FAO – http://www.fao.org/docrep/w4347e/w4347e0p.htm ; OKACOM - http://www.okacom.org/okacom.htm ; An oasis in the desert – Wilson Center – http://www.wilsoncenter.org/index.cfm?topic_id=1413&fuseaction=topics.item&news_id=75281
- (5) – Depoimento do inspector da PIDE/DGS Óscar Cardoso – http://www.oliveirasalazar.org/download/documentos/C%C3%B3pia%20de%20%C3%93scar%20Cardoso2-depoimento___F1E00CEF-AC60-48AA-A624-2DAFF7BAE2EB.pdf  ; Flechas – Wikipedia – http://en.wikipedia.org/wiki/Flechas ; Os flechas em Angola – Fórum da Defesa – http://forumdefesa.com/forum/viewtopic.php?f=4&t=3286 ; Óscar Cardoso: inspector da PIDE/DGS criador dos Flechas – História e Ciência –
- (6) – Operation Savannah – Wikipedia – http://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Savannah_(Angola) ; Omega base bushmen battalion – http://www.samagte.co.za/phpbbs/viewtopic.php?f=171&p=220 ; The bushman battalion – Time – http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,952896,00.html
- (7) – Peace Parks Foundation – http://www.peaceparks.org/Home.htm ; Pro Natura - http://www.pronatura.org.br/home/index.asp ; South Africa it’s possible – Peace Parks Foundation – http://www.southafrica.net/sat/content/en/us/full-article?oid=9462&sn=Detail&pid=1 ; The global solution – http://www.ppf.org.za/
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