quinta-feira, 31 de maio de 2012

O INCONSEQUENTE TRIBUNAL DE CONTAS



Helena Garrido – Jornal de Negócios, editorial

Há décadas que o Tribunal de Contas denuncia, arrasa, critica, acusa. Em causa está sempre o interesse dos contribuintes, lesado pelos mais variados protagonistas políticos ou entidades públicas. Qual é a consequência? Nenhuma. Ou antes, uma, bastante grave. A do encolher de ombros.

No tempo em que o Estado ainda não se tinha parcialmente mascarado de empresa ou parceria público-privada, as denuncias do Tribunal de Contas limitavam-se às contas públicas. O seu parecer sobre a Conta Geral do Estado era um dos mais importantes documentos, pelos abalos que gerava na altura ao regime de Aníbal Cavaco Silva. Mas depressa foi perdendo fulgor.

Todos os anos se liam as mesmas acusações e nada acontecia. Pacientemente, o Tribunal explicava que nada podia acontecer porque era essa a natureza desta avaliação, enquanto os protagonistas aproveitavam para dizer que a fiscalização das contas se prendia com pormenores formais que em nada lesavam os contribuintes. E aquilo que se lia nos relatórios, como acusações de graves crimes contra o interesse dos contribuintes e o bem público, foi-se transformando numa conversa jurídica inconsequente.

Chegaram então as empresas públicas e municipais e, mais importante ainda, as parcerias público-privadas. Com elas, a expectativa de que as mais diversas instituições, a começar obviamente pelo Tribunal de Contas, impedissem que se lesasse o interesse do contribuinte. Os avisos existiram. Muitos e de muitos lados e com recomendações que pouco variavam. Num relatório de 2002, por exemplo, o Tribunal de Contas recomenda que o Estado avalie, previamente a cada investimento, se o modelo da parceria público-privada é o que minimiza os custos para o contribuinte e que, decidida a concessão, a obra seja pormenorizadamente acompanhada. Fez-se? Claro que não.

A facilidade de acesso ao crédito e o modelo de pagamento a prestações a perder de vista, viabilizado pelas PPP, cavou ainda mais fundo os buracos já permitidos por quadros institucionais de fiscalização da despesa pública deficientes e inconsequentes. Rapidamente se transformou o País numa espécie de circuito de Fórmula 1 - não se desrespeitou apenas as recomendações específicas, esqueceram-se também as regras gerais que levam a reduzir ao mínimo necessário o número de auto-estradas.

No meio deste facilitismo, todos se esqueceram que era preciso pagar a conta que prometia ser bastante pesada se a economia não gerasse - como não gerou - o crescimento que aquele investimento em estradas exigia e pressupunha. A factura chegou e com ela as queixas das concessionárias e dos bancos

Hoje, pelas contas à posteriori feitas pelo Tribunal de Contas, conclui-se que a introdução de portagens agravou ainda mais o problema. Supúnhamos nós que iríamos entrar no modelo do "utilizador-pagador" - deixava de ser o contribuinte a pagar para passar a ser quem usa a estrada. Mas eis que passamos isso sim para o utilizador-pagador com ainda mais custos para o contribuinte.

O Tribunal de Contas diz, em Maio de 2012, mais de um ano depois de terem sido introduzidas as primeiras portagens, que a renegociação das PPP para a introdução das portagens nas SCUT aumentou ainda mais o custo anual dessas estradas, beneficiando as concessionárias e os bancos. Levou mais de um ano a revelar essa avaliação, tornando-a completamente inconsequente. Para que serve? Para fundamentar a comissão de inquérito parlamentar. E para que serve a comissão de inquérito parlamentar?

Pagámos e pagaremos os erros do passado e a falta de coragem no presente de reduzir almoços grátis para uns, muito caros para a maioria dos portugueses. Um país nunca se desenvolve assim.

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