Lázaro Mabunda – O País (mz)
A companhia de
bandeira pode afundar
A LAM terá de
desembolsar cerca de 5 milhões de dólares pelas indemnizações às 33 vítimas do
acidente aéreo, mas esse valor será superior caso prevaleça a tese de suicídio.
A queda do avião
das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM), a 29 de Novembro, em Namíbia, pode levar
a companhia a pagar facturas elevadas de indemnizações, que irá desembolsar
para as famílias das vítimas da queda do avião Embraer 190 – voo TM 470. É que,
ao abrigo da Convenção de Montreal de 1999 – Moçambique é signatário –
independentemente de ser culpada ou não, a LAM terá de desembolsar o
equivalente a 140 mil dólares americanos de indemnização por cada um dos 33
passageiros por “responsabilidade objectiva.
Esta convenção
estabelece o “regime de responsabilidade ilimitada” das culpas das companhias
aéreas, abandonando, desta forma, o “regime de responsabilidade limitada”
fixado pela convenção de Varsóvia em 1929. Na base desta convenção, a
transportadora aérea “não poderá excluir ou limitar a sua responsabilidade
pelos danos que não excedam 100.000 DSE (equivalente a 140 mil dólares)”, mas
não será responsável pelos “danos que excedam 100.000 DSE (equivalente a 140
mil dólares) por passageiro”, se provar que a) “tais danos não foram causados
por negligência ou outro acto doloso ou omissão sua ou dos seus trabalhadores
ou agentes” e b) “tais danos foram causados exclusivamente por negligência ou
outro acto doloso ou omissão de terceiro”.
Quer dizer, caso se
confirme a tese de suicídio do piloto, o pacote de indemnizações por cada
passageiro será superior a 140 mil dólares, na medida em que a LAM será
responsável pelos danos causados pelo “acto do seu trabalhador”. A convenção
estipula que nesta “responsabilidade subjectiva” baseia-se no princípio da
“culpa presumida da transportadora”, o que faz com que não haja “limite de
indemnização”, ou seja, a “indemnização é iliminada”, não havendo tecto máximo.
Porém, caso a tese de suicídio não vinque e caso se chegue a conclusão de que a
queda não resulta de negligência ou de erro de piloto ou do seu trabalhador, os
prejuízos da LAM serão minimizados, na medida em que apenas irá indemnizar as
vítimas, em colaboração com as seguradoras, em valores equivalentes a 4.620 mil
dólares (quatro milhões e seiscentos e vinte mil dólares).
A convenção de
Montreal faz a questão de esclarecer que a transportadora só é responsável pelo
dano causado em caso de morte ou lesão corporal de um passageiro se o acidente
que causou a morte ou a lesão “tiver ocorrido a bordo da aeronave ou durante
uma operação de embarque ou desembarque.”
José Duarte André,
jurista português especializado em direito aéreo e espacial, conclui, no seu
trabalho intitulado “A responsabilidade civil das transportadoras áreas no
transporte de passageiros, bagagens e mercadorias, publicado no livro “Textos
do Direito Aéreo”, que as inovações da convenção de Montreal permitem
indemnizações “mais elevadas e mais rápidas e, possivelmente, mais justas, o
que é óptimo para os utilizadores do transporte aéreo”.
Moçambique
ratificou por decreto
A Convenção de
Montreal para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte
Internacional foi ratificada por Resolução 43/2008, de 13 de Novembro, do
Conselho de Ministros. Ora, os juristas são de opinião que a ratificação
“deveria ter sido feita pela Assembleia da República”, ao abrigo do disposto na
alínea t) do artigo 179 da Constituição da República.
“O mais preocupante
é que há indicações que apontam que Moçambique não tinha procedido até há pouco
ao depósito do instrumento de ratificação junto da ICAO (Organização da Aviação
Civil Internacional), como é requerido pelo nº 5 do artigo 53 da Convenção. Isto
significa que Moçambique só pode ser considerado parte da Convenção (com os
respectivos direitos e deveres) após depositar o referido instrumento”, lamenta
um dos juristas moçambicano.
De qualquer forma,
acrescenta, o país é parte da convenção de Varsóvia de 1929, pelo que, logo, os
passageiros das aeronaves têm protecção com base nesse instrumento.
Três versões, uma
tese
Quando a LAM
confirmou a queda do seu avião a 29 de Novembro passado, na Namíbia, matando 33
pessoas, duas hipóteses foram imediatamente avançadas. A primeira era de que a
queda teria sido provocada por mau tempo que se fazia sentir no local do
acidente. A segunda foi de que o avião teria caído por problemas mecânicos. A
primeira hipótese viria a ser desmentida, no dia seguinte, pelas autoridades
aeronáuticas da Namíbia, que informaram que na altura da queda do avião não
fazia mau tempo no Bwabwata, parque onde se despenhou.
De facto, o
“Despacho Operacional”, a que “O País” teve acesso, emitido pela equipa da
preparação de voo da LAM, duas horas antes da partida, não deu nenhuma
indicação de mau tempo na rota que o avião iria seguir. Estavam criadas as
condições para que o piloto iniciasse a viagem.
No segundo dia, 1
de Novembro, uma outra hipótese, a terceira, é lançada no ar: o piloto pode
ter-se suicidado. As duas hipóteses (a 2ª e a 3ª) viriam a prevalecer até às
vésperas do relatório preliminar. É que no dia 15 de Dezembro, seis dias antes
da divulgação do relatório preliminar, o comandante João de Abreu veio afastar,
em entrevista à agência Lusa, a hipótese de “problemas mecânicos”. Segundo ele,
os elementos retirados das caixas negras e do local onde se deu o acidente, na
Namíbia, demonstravam que o aparelho não tinha quaisquer falhas técnicas e
assegurou que “As investigações continuam e deverão ficar concluídas ainda
antes dos 30 dias de prazo recomendado pela Organização Internacional de
Aviação Civil”.
As declarações de
João Abreu, no dia 14, davam indicações de que ele ainda não tinha recebido o
relatório do inquérito. Porém, no dia 21, sábado, o comandante João Abreu,
depois de ter afastado a 2ª hipótese (problemas mecânicos), confirmou a
terceira (suicídio do piloto), a única que prevalecia, como tendo sido a causa
do acidente que vitimou 33 pessoas.
A reacção a este
resultado preliminar não demorou. No dia seguinte, domingo, a LAM emitiu um
comunicado no qual manifestava a sua “profunda preocupação e choque” quanto ao
“conteúdo da declaração divulgada pelas Autoridades de Investigação em relação
ao inquérito em curso alusivo à perda do voo TM470”. No mesmo comunicado, a LAM
garantiu que irá solicitar o “relatório detalhado que evidencia e prova os
factos conducentes às conclusões preliminares da referida declaração”.
De facto, o texto
oficial do relatório preliminar enviado pelo Governo da Namíbia ao ministro dos
Transportes e Comunicações, Gabriel Muthisse, deixa transparecer que o piloto,
Hermínio Santos Fernandes, poderá ter-se suicidado, conduzindo,
propositadamente, o avião à queda final ao “denotar clara intenção”.
O presidente do
Instituto de Aviação Civil, o comandante João Abreu, está a ser alvo de
críticas no seio da sua classe, por ter aparecido a divulgar os resultados
preliminares do inquérito que indicam que o piloto Hermínio Santos Fernandes
denotou clara intenção de provocar o acidente. Este voluntarismo do IACM também
“irritou” as autoridades namibianas, o que fez com que viessem publicamente
condenar o facto de Moçambique ter divulgado os resultados preliminares de um
inquérito que eles ainda não concluíram.
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