Ana
Gomes – Público, opinião
A
Guiné Equatorial torna-se hoje membro de pleno direito da Comunidade de Países
de Língua Portuguesa (CPLP) por aceitação unânime de todos os Estados-membros.
Apesar das denúncias de detenções arbitrárias e execuções, apesar das torturas
e desaparecimentos, apesar da corrupção desenfreada e desmascarada. Pergunto,
hoje, no que se tornará a CPLP?
Os
actuais líderes da CPLP regozijam-se com a entrada da Guiné Equatorial na CPLP,
pelos benefícios, o investimento, a "dimensão económica estratégica"
trazidos por este país de riquíssimos recursos naturais, que abre oportunidades
sem par para as empresas dos restantes países. Todos ganhamos, juram eles. Mas
a entrada da Guiné Equatorial presta-se, desde já, a ensombrar a imagem da
CPLP. Pois confere um carimbo de respeitabilidade internacional a um regime
ditatorial que procura lavar mais, e mais facilmente, no exterior, os proveitos
da tirania e da corrupção.
Depois,
as declarações dos principais instigadores desta evolução sugerem que o
objectivo é tornar a CPLP, a partir daqui, numa verdadeira central de negócios
e negociatas. Uma evolução que servirá, certamente, políticos sem escrúpulos
nem vergonha, que pela "porta giratória" saíram de governos para se
converterem em administradores de empresas e "banqueiros". Uma
evolução, advogam, deitando às urtigas não apenas a reputação e o potencial da
CPLP, mas também a segurança, o progresso e os interesses estratégicos dos seus
povos, que obviamente têm de assentar no respeito pelo Estado de Direito, a democracia
e os direitos humanos.
A
sociedade civil lusófona, nos diversos países da CPLP, empenhou-se nos últimos
anos numa campanha, à qual eu desde o início me associei, para tentar fazer ver
aos governos dos Estados-membros da CPLP a aberração e o perigo de cooptarem o
regime ditatorial de Malabo. Tinha-se esperança num pouco de bom senso, nalguma
réstia de decência, num mínimo de responsabilidade política que desse sentido
aos princípios fundadores consagrados nos Estatutos da CPLP. Hoje,
oficialmente, tornados letra morta, assassinados pelo dinheiro sujo da
cleptocracia Obiang, à qual os governos dos países lusófonos despudoradamente
se vergam.
Em
Portugal, a moeda de troca foram meia dúzia de contratos de construção, sem
quaisquer garantias, assumidos por algumas empresas sob duvidosíssimo
patrocínio político. E foi a prometida injecção de capital no BANIF, banco
resgatado com dinheiro dos contribuintes. E ainda um possível investimento no
BCP, já controlado pela petrolífera estatal angolana. Pergunto-me se ficarão
descansados os accionistas, investidores e depositantes destes bancos e
empresas, quando passam a depender e a ser identificados como parceiros de um
regime notoriamente criminoso e sem escrúpulos, que enfrenta processos
judiciais em França e nos Estados Unidos por criminalidade económica e
financeira? E as entidades reguladoras, poderão considerar que estes são
investimentos saudáveis e isentos de riscos para as instituições bancárias e
para a economia portuguesas?
Há
alarmantes riscos decorrentes da promiscuidade empresarial com o regime de
Obiang: veja-se o caso do empresário italiano Roberto Berardi, que criou uma
empresa com o vice-presidente Teodorin Obiang: após detectar e questionar o
esquema de desvio de fundos utilizado por Obiang através dessa empresa, foi
preso na Guiné Equatorial e tem sido torturado, encontrando-se neste momento em
risco de vida.
Resta
sublinhar que não baixaremos os braços. A campanha de escrutínio internacional
pela democratização da Guiné Equatorial está, de facto, a começar. É para mim
também uma forma de vencer a tristeza de ver a adesão da ditadura de Obiang à
CPLP ter lugar na cimeira em Díli, Timor-Leste, com o apoio de governantes que
outrora tão corajosamente encabeçaram a luta do seu povo contra outro regime
opressivo e ladrão. A memória deles pode ser curta, a minha não.
Eurodeputada
(PS)
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