Dezenas
de mulheres moçambicanas trabalham como operárias nas minas da África do Sul,
um mundo que durante muitos anos foi marcado pela presença exclusiva dos
homens.
Hoje,
destemidas, estas pegam na pá, picareta e outros instrumentos de especialidade
para descerrem à mina, lado-a-lado com o homem, dando corpo a uma das mais
arriscadas profissões que o Homem já inventou. Perderam o medo!
Segelina
Gonçalves Chelengo, 22 anos de idade, e Julieta Macamo, 35, são duas das várias
mulheres que ilustram esta realidade.
A
nossa Reportagem encontrou-as em Randfontein, a cerca de 50 quilómetros do
centro da cidade de Joanesburgo, na África do Sul, onde participavam de uma
cerimónia de homenagem a um colega moçambicano que perdera a vida semana
anterior, vítima de acidente de trabalho.
Bernardo
Jorge Sitoe, de seu nome, foi atingido na cabeça por um pedregulho no interior
da mina, em plena jornada de trabalho.
Mas
nada disto assusta Segelina e Julieta que, segundo nos contaram, todos dias
morrem colegas mineiros, não necessariamente moçambicanos. Assumem que se trata
de uma actividade de risco mas, porque há falta de emprego, é preciso aceitar o
desafio de descer milhares de metros de profundidade para trabalhar e garantir
a sobrevivência para si e para os seus dependentes.
Cada
uma delas tem uma história que a levou para as minas. Segelina, por exemplo,
foi admitida em substituição do pai que reformou, enquanto Julieta entrou
também para substituir o pai que perdeu a vida em 1995, num trágico acidente de
trabalho em que morreram cerca de 300 mineiros. O pai foi um dos seis
moçambicanos perecidos no acidente.
SEGELINA
CHELENGO - FACE DO DESAFIO AO PRECONCEITO
Segelina Chelengo nasceu em 1992, no distrito de Zavala, província de Inhambane. Chegou
à África do Sul em 2001, na companhia de uma tia. Conta que o objectivo inicial
era continuar com os estudos.
Concluído
o nível secundário, em 2013, numa altura em que o pai estava a reformar na
companhia Sibanye Gold, quis o destino que fosse ela a escolhida pelo
progenitor para o substituir.
Recebeu
de forma tensa o convite para trabalhar nas minas, pois nunca lhe passara pela
cabeça.
Fora
do medo de descer à mina, temia ainda o facto de ter de enfrentar o preconceito
dos homens, com agravante de ser uma jovem de apenas 22 anos.
Conta
que desde 2005, quando a admissão de mulheres na mina onde trabalha passou a
ser em grande escala, os homens já não a viam como “mais uma” ou com desprezo
com que inicialmente era tratada.
“Mas
tudo isso não foi por acaso. Todos os dias manejo as carrinhas usadas no
interior das minas para transportar ouro ou outro produto explorado. Uso,
igualmente, pá e picareta para tirar o minério. Todos nós trabalhamos de
maneira igual. Os homens ganharam consciência disso e nos respeitam pelo que
fazemos e muito bem. O preconceito acabou. É verdade que, como mulher, tenho
tido algumas dificuldades mas, de forma profissional, os meus colegas, homens,
prontamente, têm me ajudado”, conta Segelina.
Confessa
que tem medo de trabalhar nas minas mas, enquanto não tiver um trabalho melhor,
vai continuar a “descer” para ganhar o pão de cada dia.
“Se
um dia conseguir outro emprego tanto na RSA como em Moçambique, estou disposta
a largar tudo e abraçar o novo desafio. Trabalhar nas minas é um perigo
permanente. Não há um lugar ou posição segura para se estar ou trabalhar dentro
da mina. Basta estar lá em baixo a pessoa sabe que está exposta ao risco de
vida. Por essa razão, apelo às minhas compatriotas para não apostarem na RSA
como terra para trabalhar ou fazer o futuro. A vida está dura. Fiquem em casa –
Moçambique – que estão bem. Procurem trabalhar aí e procurar ajudar as vossas
famílias perto delas”, apelou.
Segelina
sonha em ter filhos e constituir uma família.
JULIETA
MACAMO - HERDEIRA QUE ACABOU ELECTRICISTA NAS MINAS
Julieta Macamo, de 35 anos de idade, trabalha nas minas da Anglo Gold Asshante como
electricista. Uma das suas principais tarefas é reparar ou cuidar dos
elevadores das minas da empresa e garantir a sua manutenção em caso de avaria.
Quer dizer, a ida e o regresso dos mineiros ao trabalho depende do seu
profissionalismo. É ela que tem a missão de assegurar que as máquinas estejam
sempre em condições.
Diferentemente
da sua colega Segelina, ela conta que entrou para a mina em substituição do pai
que perdeu a vida num acidente de trabalho, em 1995.
“Na
altura eu era muito nova e pediram alguém da família que fosse substituir o meu
pai. O eleito foi um primo que, devido à dureza do trabalho, acabou desistindo.
Já em 2003, quando estava a estudar na ADPP, em Maputo, acabei sendo proposta
para fechar o lugar do meu pai. Quando cá cheguei primeiro fui submetida a uma
formação intensa de electricidade e, quando os patrões viram que eu já estava
madura, colocaram-me como electricista nas minas. Reparo todas as máquinas da
mina. Confesso que não é fácil visto que o meu sonho foi sempre o de ser contabilista,
tanto mais que já estava a frequentar um curso de contabilidade em Moçambique”,
explicou.
Atingido
o nível profissional desejado, em 2008, Julieta Macamo começou a exercer a sua
profissão, lado-a-lado com os seus colegas do sexo masculino.
Primeiro
esteve destacada na companhia Great Nolingue Mine, isto em 2008, para dois anos
mais tarde passar para a Mponeng. Algum tempo depois foi destacada para a Anglo
Gold Asshante, na região de Carlton Ville, onde se encontra actualmente a
trabalhar.
“As
vezes os donos das minas só compram maquinaria em peças e quem monta sou eu com
os meus colegas. Não é fácil, mas consigo. Do mesmo modo, não é fácil trabalhar
a milhares de metros de profundidade. Tenho plena consciência de que a minha
vida está em perigo. É verdade que o medo e o risco de vida existem para todas
as profissões, mesmo para os automobilistas que têm causado acidentes de
viação, mas nunca deixamos de entrar nas minas para trabalhar. Sabemos que
estamos expostos, visto que as minas não são e nunca foram um lugar de
relaxamento. Sinto o orgulho de saber que milhares de mineiros dependem do meu
profissionalismo para descer e subir do interior das minas”, disse.
Julieta
Macamo lembra com tristeza que teve de entrar na companhia mineira porque o seu
pai perdeu a vida. Lamenta ainda que recentemente perdeu um colega mas, mesmo
assim, isso não a faz desanimar.
“São
situações muito tristes, mas temos de enfrentar os desafios para viver. Quero
aqui apelar aos moçambicanos que não olhem para RSA como lugar para trabalhar,
pois não existem boas condições para tal. As pessoas vivem mal, recebem pouco e
torna-se mais difícil ainda para os estrangeiros. Mesmo eu, que posso dizer que
ganho razoavelmente bem, se por acaso encontrar outro trabalho ou tiver
oportunidade de emprego em casa, não vou hesitar em largar este emprego e
voltar para casa. Sou mãe de um filho e tenho família em Moçambique. Todos
dependem de mim, porém, o que ganho não é suficiente ”, lamentou.
Hélio
Filimone – Notícias (mz)
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