Ana Sá Lopes – jornal i,
opinião
O
PSD quer que o programa macroeconómico do PS seja “visado” por instituições
económicas. A ideia de democracia está em desvalorização acentuada
A
campanha eleitoral vai ser cansativa, já sabemos. Mas isso faz parte. O
problema mais profundo é o recuo assustador na democracia que várias atitudes
revelam.
Não
é novidade que a introdução do euro amarrou Portugal a um colete de forças que
impõe severos limites às políticas que podem ser decididas pelos eleitos. A
austeridade, em si, não é obra exclusiva de Passos Coelho (embora ele sempre a
tenha defendido com proclamações do género “ir além da troika”). A austeridade
está inscrita na política comungada pelos partidos socialistas e populares
europeus (o PS e o PSD e CDS daqui), embora quando estejam na oposição os
partidos socialistas se esforcem por mostrar que têm uma alternativa.
O
boicote europeu à democracia tal como a conhecíamos tem sido bastante debatido.
Os eleitores de um país do euro votam num partido e depois os respectivos
dirigentes vão a Bruxelas e dizem-lhe que os seus programas não são possíveis.
Esta
semana, o défice democrático em que vivemos foi assumido como arma de arremesso
de campanha pelo PSD, ao desafiar o PS a enviar o seu programa macroeconómico
para “avaliação prévia” do Conselho Superior de Finanças Públicas e da Unidade
Técnica de Apoio Orçamental. Nunca tal se tinha visto: um programa de um
partido a submeter-se a um visto prévio. O que está inscrita nesta ideia é
muito mais grave do que uma mera acção de agit-prop de campanha: é a ideia de
que a democracia vale pouco ou nada. O voto de cada cidadão português tem um
valor residual – os eleitos não são aqueles que vencerem as eleições, são
programas previamente avaliados por “unidades técnicas” e conselhos de finanças
públicas.
Já
agora, por que é o PSD não optou por pedir ao PS que envie o seu programa
macro-económico para visto prévio de Bruxelas? Ou para avaliação prévia da
senhora Merkel? E do BCE? E do senhor Schäuble, mais do senhor Sigmar Gabriel
que é socialista mas não pensa de maneira muito diferente?
Há
uns anos, quando se falava em federalismo europeu saltava logo um coro de
personagens a insurgirem-se contra o fim da soberania, etc. Entretanto, o
federalismo não democrático foi imposto com o consentimento alegre dos maiores
partidos.
Se
o PS deixou cair batalhas como a da reestruturação da dívida (há um ano
defendida por quase toda a gente da actual direcção e também na versão
renegociação pela direcção Seguro) para se conformar com as ordens de Bruxelas,
o PSD vai mais longe e quer um visto prévio ao programa socialistas dos órgãos
de apoio económico. A democracia que o 25 de Abril celebra já não é exactamente
a mesma: infelizmente, os portugueses votam, o Conselho Europeu decide, os
governos nacionais conformam-se. Estamos a viver o fim de uma época e aquele
absurdo projecto de visto prévio das campanhas eleitorais, embora não pareça,
tem a ver com isto: a democracia é hoje um valor em queda acentuada.
Redactora-principal
- Escreve à quarta-feira
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