Miguel Guedes | Jornal de Notícias
| opinião
Negar a realidade é uma das
profissões de fé mais antigas do Mundo. Tudo somadinho, ideias claras e
organizadas, dados na mão mas que - como que por milagre - não permitem deixar
de soletrar um infame a/in/da/sim. A saber que 2+2 são quatro mas a velar a honestidade
intelectual com a clemência da santa inquisição dos costumes, a queimar o livro
de "matemática para totós" pela soma dos seus interesses. Somar
opções, para muitos, é sempre a dividir. O produto, para alguns, é sempre
fraco. Ainda que seja terapêutico ou medicinal.
A posição do PSD e do CDS sobre o
projecto de lei apresentado pelo BE e PAN sobre a canábis medicinal não resulta
de um desconhecimento atroz. Não é causada pela incompreensão ou eivada por
dúvidas legítimas. A posição do PSD e do CDS sobre matéria científica mais do
que estudada é um acto de negação criminosa do direito à saúde a milhares de
pessoas. É um panfleto de irracionalidade e má-fé em nome da sua pretensa
superioridade moral e costumes. É um tratado de trejeitos histéricos acerca da
moral social dos outros, cómico se não fosse triste, preconceituoso, tão
clássico como parolo e ultrajante. Hipócrita e ofensivo porque mente. E mente
sobre a sua própria casa, ao seu próprio espelho e pela negação dos seus
próprios hábitos, apontando aos outros como estereotipias muito do que no
conforto da sua privacidade se encara como pequeno desvio recreativo de elite.
Já a posição do PCP sobre o projecto de lei sobre a canábis medicinal é tudo
isto e muito mais: é uma vergonha.
É muito evidente a razão pela
qual estas três forças partidárias têm sido, historicamente, as forças de
bloqueio sobre esta matéria na Assembleia da República. Tão preocupados com a
saúde pública e com o inferno paliativo dos doentes como alguns órgãos de comunicação
da capital, a titular Lisboa, se mostraram preocupados com as pessoas no
epicentro do sismo em Arraiolos. Zero na escala. Foi assim em 2018, contra toda
a investigação científica produzida, à revelia da Organização Mundial de Saúde,
doentes, oncologistas, neurologistas, psicólogos, enfermeiros e demais
profissionais da saúde. Foi assim em 2013 e em 2015 quando impediram alterações
legislativas propostas pelo BE nesta matéria.
O seguidismo tem v de volta. O
caciquismo de última hora contribuiu para eleger um agora candidato a
primeiro-ministro mas não chegou para eleger um outro candidato a líder no
partido. Rui Rio declarou durante a campanha que não está contra a utilização
da canábis para fins medicinais. Pelo contrário, Santana Lopes, em nome dos
"valores e princípios da sua organização da sociedade", preferiu a
morfina. E antidepressivos, julgo. Agora em sede de especialidade, o PSD pode
ter outra substância.
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
* Músico e jurista
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