terça-feira, 6 de junho de 2023

Angola | Crónica de um Jornal Centenário – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Porque hoje é domingo deixei a bebida aos amadores e pus-me a pensar. Nós, os cultores de estar à bebida e à conversa, praticamos o desporto todos os dias. Depois de grande esforço alinhei os pensamentos que se seguem. No dia 1 de Janeiro entrámos no ano do primeiro centenário do Jornal de Angola. Poucos no mundo têm essa idade. Poucos países podem exibir jornais centenários. 

O jornal mais antigo em Língua Portuguesa que ainda circula é brasileiro, o “Diário de Pernambuco”. Uma preciosidade que merece uma grande vénia. Em Portugal, o mais antigo é também regional, o “Açoriano Oriental”, foi fundado em 1835. Até ao momento em que escrevo, há 18 títulos brasileiros centenários e 34 portugueses. No dia 16 de Agosto próximo Angola entra na lista com o Jornal de Angola. Fui jornalista do Diário de Notícias, do Jornal de Notícias e do Jornal de Angola, os três centenários que são marcos da imprensa industrial. 

No jornal de Angola fui colaborador do suplemento de Artes e Letras, dirigido por Carlos Ervedosa, nos anos 60. Integrei a Redacção em 1976 (direcção de Fernando Costa Andrade Ndunduma) e mais tarde em 2006 (direcção de José Ribeiro). Erro gravíssimo, nunca se volta ao local do crime. 

No primeiro centenário do Jornal de Notícias fiz equipa com Rui Osório (chefe de redacção) na produção de conteúdos para a edição comemorativa. Seleccionámos reportagens que foram manchete ao longo de 100 anos. E reportei esses acontecimentos, um século passado. O que mais me impressionou foi reconstituir o “Crime da Aldeia Velha” (Soalheira) peça teatral de Bernardo Santareno nascida de factos verídicos. Numa aldeia perto de Marco de Canaveses (Soalheira) uma jovem mulher foi queimada viva para libertá-la do Diabo que a tinha possuído. Ainda encontrei um filho e outros familiares da vítima.

O Jornal de Angola está a alguns dias de fazer 100 anos. Angola é um país com Imprensa Centenária desde 13 de Setembro de 1845, data em que nasceu o “Boletim do Governo Geral da Província de Angola”. Ainda vive. Está a caminho dos 200 anos. Sempre impresso no mesmo sítio, ali na Cidade Alta. A fábrica foi construída no amplo terreno da feira onde os luandenses se divertiam nas horas vagas. Lá existiam carrosséis, teatro de fantoches, cartomantes, quimbandas vendendo suas ervas milagrosas e barracas de comes e bebes, mais bebes do que comes.

A Imprensa Nacional deu um impulso decisivo ao Jornalismo e à Literatura Angolana. E os jornais do Século XIX mais a arte literária geraram o Nacionalismo Angolano. Jornalistas e escritores foram arautos da Independência Nacional. José Pinto da Silva Rocha, Alfredo Troni, Arantes Braga, José de Fontes Pereira, Pedro da Paixão Franco, Sant’Anna Palma, Júlio Lobato ou Augusto Bastos jornalistas independentistas. Os escritores são tantos que invoco todos na figura de Agostinho Neto, proclamador da Independência Nacional no dia 11 de Novembro de 1975 e primeiro Presidente da República Popular de Angola.

A China é berço da imprensa e do jornalismo. Foi o primeiro país do mundo a fabricar papel, no ano de 105. O seu Boletim de Kai Yuan nasceu no ano de 618. Todos os números incluíam notícias com o sujeito (quem) conteúdo (o quê) e a hora do acontecimento (quando). Tinha uma secção “notícias do dia” com marca de actualidade. O primeiro jornal do mundo, King-Pao (Gazeta de Pequim), nasceu na China e foi publicado durante mais de mil anos! Que assim seja com o nosso Jornal de Angola.

A Imprensa Angolana teve grandes cronistas. Um deles, Ernesto Lara Filho, está entre os melhores de Língua Portuguesa. Como fiel leitor das crónicas do Siripipi de Benguela, Bobela Mota (o cronista da moda) e Acácio Barradas (o cronista elegante) apaixonei-me pelo género e comecei também a escrever. Hoje as crónicas desapareceram das páginas da imprensa. E assim desapareceram os cronistas. Hoje temos colunistas, comentadores, alinhadores de palavras poer alturas pu por sons, mas cronistas não.

Já estava conformado com a morte da fabulosa Crónica Angolana quando li um texto publicado no Novo Jornal, assinado por Rossana Miranda. Não sei quem é. Nem sei se é nome ou pseudónimo. Mas sei que é uma grande cronista. E a publicar! Já li três crónicas de sua autoria. Cada uma melhor que a outra.

O Jornal de Angola tem um grande cronista, Jaime Azulay. Mas é egoísta e só escreve para ele. Não leio nada de sua autoria há alguns anos. Tenho no arquivo três crónicas do Jaime que me encheram as medidas. Um dia destes, vou procurá-las e mando para os meus leitores.

Na minha recaída (segunda passagem pelo Jornal de Angola) descobri um miúdo com uma escrita ágil e imaginativa. Convenci-o a escrever crónicas. Um dia ele sucumbiu aos meus pedidos e publicou uma. Fabulosa! Criámos um título genérico (O Meu Cazenga) e o primeiro texto tinha o título “O Comboio da Minha Infância”. Descobri um cronista.

O artista tinha mais que fazer e que eu saiba, não publica crónicas. Chama-se Cândido Bessa. Nado e criado no Jornal de Angola subiu a corda a pulso até à direcção do jornal e administração da empresa. Mas crónicas, nada. Só me dão desgostos.

Feitas as contas, temos três cronistas referenciados. Rossana Miranda, Jaime Azulay e Cândido Bessa. Mas praticam pouco. Deixo-lhes aqui um desafio: Escrevam crónicas todos os dias, para recuperarmos do tempo morto que varreu a crónica das páginas da nossa Imprensa.

À Direcção do Jornal de Angola sugiro que dê uma prenda ao nosso diário centenário e comece a publicar crónicas de pelo menos os dois da casa e da cronista Rossanda. Não deixem morrer a Crónica Angolana. Se puderem leiam as crónicas fabulosas de Ernesto Lara Filho, Bobela Mota, Acácio Barradas, Rola da Silva, João Eugénio, Joca Luandense ou José ZAN Andrade, o que criou crónicas à volta da Grande Música Negra e sua marca distintiva, o Jazz. Lá onde estiveres, volta meu irmão. Vem na armada como capitão a rasgar os novos mares.

Eu e a miudagem do Bairro Operário vamos gritar em coro: Rei capitão soldado ladrão! Rei capitão soldado ladrão!

Não deixem morrer a Crónica Angolana. Escrevam que escrever é melhor do que beber e undumbu ou umbondu como se diz lá para os meus lados. 

*Jornalista

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