sábado, 21 de maio de 2011

BIN LADEN, STRAUSS-KAHN E A ACELERAÇÃO DA HISTÓRIA




Marco Aurélio Weissheimer – Carta Maior

Para o embaixador Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil, a morte de Osama Bin Laden não tem praticamente nenhum significado político. “A Revolução Árabe matou-o antes dos EUA”. Mas essa revolução, sim, é prenhe de significados: derrubou ditadores, as facções palestinas rivais se uniram e os EUA enviaram um recado a Israel. Se Bin Laden não significa mais nada, numa incrível ironia história, o ex-diretor do FMI, Dominique Strauss-Kahn, parece estar seguindo o mesmo caminho. Ambos parecem pertencer a “uma época totalmente superada na nossa história”.

- Você quer saber em uma palavra? Nada!

Foi assim que Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil, começou a responder a uma pergunta sobre o que significa a morte do líder da Al-Qaeda, Osama Bin Laden, no atual cenário político internacional. Mas, logo em seguida, ele qualifica um pouco a sua resposta. “Tem, é claro, um lado simbólico. Mas Bin Laden já não era um ator importante. A Revolução Árabe matou-o antes dos Estados Unidos. Sempre haverá um grupo de pessoas mais fanático, mas elas seguirão existindo, com ou sem Bin Laden”. Uma consequência política possível deste fato, mas pouco provável, assinala o ex-chanceler brasileiro, é a retirada dos Estados Unidos do Afeganistão. “Não é um cenário impossível, mas também não é muito provável”.

Uma das coisas que a morte de Bin Laden pode facilitar, observou ainda Amorim, é a busca de algum tipo de negociação com o Talibã por parte dos EUA, posição que já é defendida há algum tempo por setores do governo norteamericano. Ampliou-se um pouco a margem política para uma negociação, o que é algo quase inevitável caso se queira atingir algum nível de estabilidade política no Afeganistão.

Moral da história, ou da resposta, melhor dizendo: não se deve perder muito tempo com a morte do líder da Al Qaeda se o objetivo for entender o processo de mudanças políticas atualmente em curso no Oriente Médio. Em conversa telefônica com a Carta Maior, Celso Amorim fala sobre isso e aponta algumas mudanças que já estão ocorrendo como resultado especialmente da rebelião popular no Egito. O pronunciamento feito ontem (19) pelo presidente dos EUA, Barack Obama, indica, senão novidades extraordinárias, algumas inflexões que a Casa Branca está sendo obrigada a fazer diante dos acontecimentos no Oriente Médio e no norte da África.

Na quinta-feira, o presidente Barack Obama defendeu que Israel deve reconhecer um Estado palestino nas fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias, de 1967. A morte de Bin Laden pode ter dado ao presidente Obama algum tipo de autoridade moral para cobrar, por exemplo, mudanças na política de Israel na região? Talvez um pouco, pode ter ganho uma margem um pouco maior para atuar, é a resposta cautelosa de Celso Amorim. “A relação entre essas duas coisas é menos óbvia. Os EUA têm que fazer algo sobre o Oriente Médio. Ninguém pode achar que vai haver, por exemplo, um governo pró-EUA na Síria”, observa.

Há mudanças políticas importantes ocorrendo que já são resultado da chamada Revolta Árabe. O acordo entre o Hamas e o Fatah é um exemplo disso, aponta Celso Amorim. A ONU pode votar em setembro, na sua Assembleia Geral ou no âmbito do Conselho de Segurança, o reconhecimento do Estado palestino. A posição expressa no discurso de Obama, avalia Celso Amorim, não é exatamente uma novidade. “Ela não é diferente da posição de Clinton, por exemplo. A novidade é o fato de ele ter falado unilateralmente sobre a criação do Estado palestino e sobre as fronteiras de 67. Isso tem um significado, é um recado para Israel”.

Mas é uma espécie de recado pela metade, ressalta o embaixador. “A expressão concreta desse recado consiste em dizer que Israel precisa parar com os assentamentos. Se os EUA não fizerem isso, não resolve nada. Na comunidade internacional, ninguém tem dúvida quanto à necessidade de reconhecer as fronteiras pré-1967. Por isso, a declaração de Obama não é uma novidade extraordinária, embora seja importante sem dúvida. “Para retomar as negociações de paz na região, o recado claro para Israel consiste em dizer que é preciso parar com os assentamentos”, diz Amorim.

Mudança no FMI

Celso Amorim também falou sobre a mudança no comando do Fundo Monetário Internacional (FMI), com o escândalo sexual envolvendo seu ex-diretor geral Dominique Strauss-Kahn, preso em Nova York acusado de agressão sexual contra uma camareira do hotel onde estava hospedado. “É uma coisa impressionante, de causar estupefação”, resumiu. Amorim. No plano político, ele acredita que é uma oportunidade para o FMI ser chefiado por uma liderança de um país emergente. Na opinião do ex-chanceler brasileiro, o Fundo precisa de ideias novas, precisa olhar para as questões sociais no momento em que o mundo atravessa uma grave crise econômica, responsável, entre outras coisas, pelas recentes revoltas no mundo árabe e que, agora, começam a atingir a Europa também.

Em entrevista à agência alemã Deutsche Welle, Celso Amorim criticou a posição dos europeus e, em especial, da chanceler Angela Merkel, que querem manter a tradição de controle europeu no FMI:

Acho que isso é o reflexo de uma época totalmente superada na nossa história. Isso aí poderia fazer algum sentido quando a governança global era assegurada pelo G7, quando o único país de fora da Europa – além dos Estados Unidos – era o Japão, e que, por sua vez, aceitava mais ou menos essa divisão. (...) O FMI tem que se transformar num instrumento de ajuda aos países em desenvolvimento para enfrentar a crise, e que saiba também policiar os países desenvolvidos, coisa que o FMI nunca fez, e a maior crise que tivemos recentemente veio, justamente, dos países desenvolvidos. Acho que é mais que natural que venha alguém de um país em desenvolvimento.

Há algumas semanas o mundo parou para discutir Bin Laden. Hoje, o inimigo número um do Ocidente saiu da agenda política internacional. Na verdade, já havia saído há algum tempo, como disse Celso Amorim. Poderia se dizer que o líder da Al Qaeda morreu politicamente na praça Tahrir, no Cairo. De lá para cá, os acontecimentos se precipitaram, numa incrível aceleração histórica.

Na noite do domingo em que Obama anunciou, com pompa e circunstância, o assassinato de Bin Laden, ninguém diria que, algumas semanas depois o diretor geral do FMI estaria preso em Nova York e as ruas de Madri tomadas por milhares de manifestantes que protestam contra o modelo político-econômico instalado no país. As surpresas têm se repetido, sempre carregadas por uma boa dose de ironia histórica, como ocorreu agora com Dominique Strauss-Kahn. Bin Laden não significa mais nada, resumiu o embaixador Celso Amorim. Strauss-Kahn parece estar seguindo o mesmo caminho. Ambos parecem pertencer a “uma época totalmente superada na nossa história”.

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