domingo, 27 de outubro de 2013

ATÉ ONDE A EUROPA IRÁ NA CONDENAÇÃO DA ESPIONAGEM?

 


Nada garante que os líderes políticos do Velho Continente unifiquem suas posições. Até agora, a única coisa que mostraram foi divisão.
 
Eduardo Febbro – Carta Maior
 
Paris - Se quiserem conservar seus segredos, os líderes europeus reunidos em Bruxelas terão que se comunicar por sinais de fumaça. A reunião do Conselho Europeu que iniciou nesta quinta-feira (24) era pra ser de rotina. A cúpula estava dedicada a um tema premonitório: a economia digital. Mas a espionagem massiva e indiscriminada dos Estados Unidos mudou o perfil do evento, sobretudo depois das últimas revelações: a espionagem cometida contra a França que teve mais de 70 milhões de comunicações interceptadas em apenas um mês e a provável interceptação do celular da chanceler alemã Angela Merkel.

Os ecos da Guerra Fria colocaram um apimentado tempero nesta reunião de cúpula na qual se verá se, depois de se mostrarem apáticos quando saíram as primeiras revelações do ex-agente da CIA e da NSA norte-americana, Edward Snowden, os europeus decidirão mostrar uma postura mais digna. “Espionar entre amigos não é aceitável”, disse a chanceler alemã Angela Merkel. Parece que para os norte-americanos não só é aceitável como também pertinente.

Desde já, a Casa Branca conseguiu algo que parecia impossível: que França e Alemanha se colocassem de acordo. Paris e Berlim concordaram em trabalhar para que, no final da cúpula, haja um acordo destinado a condenar as práticas de Washington. Segundo fontes francesas e alemãs, no curso de conversas telefônicas, tanto Merkel como o presidente francês, François Hollande, pediram a Barack Obama que “colocasse fim aos tempos da guerra fria”. Até o muito liberal presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, saiu de sua neutralidade. Empregou palavras duras como “totalitarismo” e disse que “sabemos muito bem o que ocorre quando o Estado usa seus poderes para se meter na vida das pessoas”.

Essas palavras remetiam aos tempos da ex-República Democrática alemã e as espionagens massivas praticadas pela polícia secreta, a Stasi.

De todos, Merkel é a que melhor conhece esse período porque passou sua juventude na RDA (as alemanhas se reunificaram em 1989, após a queda do Muro de Berlim). Mas as horas passam e as revelações sobre a nova versão da Guerra Fria norte-americana se aceleram. O jornal britânico The Guardian adiantou que um funcionário do governo dos EUA passou para a NSA os telefones de 35 líderes políticos do planeta. Ver para crer: o documento publicado pelo Guardian data de 2006 e mostra como a NSA “estimula os altos líderes do Executivo, da Casa Branca, Departamento de Estado e Pentágono a compartilhar suas agendas”. Um desses dirigentes entregou a NSA “200 números, 35 dos quais eram de dirigentes do planeta”.

Nada garante que os líderes políticos do Velho Continente unifiquem suas posições. Até agora, a única coisa que mostraram foi divisão. Há várias razões: a primeira, os temas ligados à inteligência envolvem rivalidades nacionais; a segunda, a espionagem também é uma prática comum entre os membros da UE. O fundamental é que o tema da espionagem “interceptou” (a palavra está na moda) os temas gerais da cúpula sem que este grande escândalo consiga colocar os 28 membros da União Europeia em um clima de consenso. Há, concretamente, um tema subjacente essencial: os dirigentes deveriam acelerar as negociações destinadas a reforçar a legislação sobre a vida privada ante a ameaça dos gigantes da rede e das agências de inteligência. A Grã-Bretanha, a Irlanda e a Holanda bloquearam este acordo porque não querem prejudicar os mastodontes da internet.

Por outro lado, Viviane Reding, a comissária europeia da Justiça, é uma ardente adversária dessas empresas e aposta que o escândalo reoriente as posições. Essas empresas, em sua maioria, são norte-americanas. “A proteção dos dados não é só um conceito, é um direito fundamental que deve ser garantido por uma lei fundamental”, defende Reding. Não é o caso de sonhar muito: diante de Washington, os europeus raramente se mostram em bloco. Prova disso é que até agora se limitaram a pedir “explicações” da Casa Branca. Fracos, assustados, sem força nem firmeza, talvez se contentem com um formoso texto literário, cheio de evocações humanistas, mas vazio de medidas.

Até agora, quem foi mais longe foi o Parlamento europeu. A euro câmara aprovou uma resolução na qual pede que se suspenda o acordo de intercâmbio de dados bancários com os Estados Unidos. Mediante esse acordo, a UE facilita o acesso ao governo estadunidense à informação sobre milhões de transferências bancárias sob o amparo da luta contra o terrorismo. O texto da euro câmara não é vinculante, mas obriga a Comissão a levar o caso em conta. É pouco provável que os governantes levem essa iniciativa adiante. Quando, há um mês, se descobriu que os serviços de inteligência espionavam as transações bancárias e os consumos de cartões de crédito do mundo ninguém disse nada. A NSA tem um programa chamado “Follow the Money” (siga o dinheiro), com o qual monitora as operações bancárias internacionais da empresa belga Swift.

Até onde irão os europeus em sua condenação da espionagem? Considerando os antecedentes, provavelmente não muito longe. Neste momento, os textos finais da cúpula já estão escritos. Além dos dirigentes da União Europeia há outro ator que conhece seu conteúdo antes do tempo: a NSA. Seus ouvidos imperiais estão sempre atentos às pulsações do planeta.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
 

1 comentário:

urantiapt disse...

"Nada garante que os líderes políticos do Velho Continente unifiquem suas posições",repete-se a questão no artigo.

Sim nada garante. Porque para o mundo têm que se mostrar indignados, mas não podem exceder muito as suas indignações, porque já diz o velho ditado, zangam-se as comadres descobrem-se a verdades.


Neste quadro-(http://www.lemonde.fr/technologies/visuel_interactif/2013/08/27/plongee-dans-la-pieuvre-de-la-cybersurveillance-de-la-nsa_3467057_651865.html), podemos ver algumas das comadres.

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