Certos
jornais e alguns de seus analistas políticos estão, de maneira dissimulada e
com as artimanhas conhecidas, insinuando e apoiando a saída do geólogo
Guilherme Estrella da mais importante das diretorias da Petrobras, a que cuida,
exatamente, da pesquisa e produção. Do ponto de vista técnico, parece
improvável que o Brasil disponha de outro quadro como Estrella. Ele entrou para
a empresa mediante concurso público, há 48 anos, logo depois de formado – e se
destacou, em seguida, como um dos mais competentes profissionais da
instituição.
Sua trajetória, a
partir de então, se insere na construção da história da empresa. Participou das
primeiras pesquisas e exploração do óleo no mar brasileiro. A partir de suas
investigações teóricas sobre a geologia marítima, conduziu os estudos pioneiros
que levaram à descoberta das jazidas do pré-sal. Como geólogo de campo, e
trabalhando para a Petrobrás no Iraque, descobriu, em 1976, o gigantesco campo
de Majnoon, com reservas superiores a 10 bilhões de barris. Como se sabe, o
Brasil renunciou à exploração desse campo, por iniciativa do então Ministro de
Minas e Energia, Shigeaki Ueki.
Estrella foi o
coordenador da instigante investigação científica, que atribui a origem do
petróleo brasileiro a depósitos lacustres, anteriores à separação dos
continentes africano e sul-americano. Assim se formou o pré-sal, com o
Atlântico ocupando o espaço lentamente aberto, durante séculos geológicos. O
diretor de Pesquisa e Produção da Petrobrás é, assim, um dos mais importantes
geólogos do mundo. Sem dúvida, é o mais competente profissional da área em
nosso país, ao associar o saber teórico à prática, como pesquisador de campo –
que foi durante décadas – e ao êxito no cumprimento da responsabilidade pela
descoberta e produção de nossas jazidas.
Mas o geólogo
Guilherme Estrella tem dois defeitos gravíssimos, e, por isso, todos os
interesses antinacionais – internos e externos – se unem para derrubá-lo, neste
momento de mudanças na empresa. O primeiro deles é o seu confessado
nacionalismo. O diretor de pesquisas e exploração foi nomeado pelo governo
Lula, em sua política de recuperar a empresa, minada pela administração
entreguista e irresponsável do governo Fernando Henrique Cardoso.
Seu antecessor no
cargo, José Coutinho Barbosa, protelava as perfurações exploratórias, a fim de
que, ao vencer o prazo para as prospecções, em agosto de 2003, as áreas novas
fossem devolvidas à ANP. Com isso, seriam outra vez levadas a leilão, a fim de
serem arrematadas pelas empresas estrangeiras. Em poucos meses – de janeiro a
agosto – Guilherme acionou a equipe de geólogos, conduziu-a com seu entusiasmo
e capacidade de trabalho, e conseguiu descobrir mais seis bilhões de barris,
dos 14 bilhões das reservas brasileiras antes do pré-sal. Assim, impediu a
grande trapaça que estava em andamento.
A outra razão é a
transparente visão humanística de Guilherme Estrela. O geólogo não separa a ciência
de sua responsabilidade pela busca da justiça e da igualdade social para todos
os homens. Em dezembro último, ao falar em Doha, no Qatar, durante o 20º
Congresso Mundial do Petróleo, ele, depois de seu excurso técnico sobre o óleo
no mundo, suas reservas e perspectivas, aproveitou sua palestra para denunciar
o sofrimento de grande parte da humanidade, sobretudo da parcela africana, em
conseqUência da desigualdade e da injustiça. “Todos nós devemos ter vergonha
disso” – resumiu.
Os maiores
interessados na substituição de Guilherme Estrella são, em primeiro lugar, as
empresas multinacionais, que têm, no profissional, o principal guardião dos
interesses brasileiros. Não só as petrolíferas, mas, também, as fornecedoras de
equipamentos. Desde 2003, o diretor de Pesquisa e Exploração da Petrobrás vem
revertendo, na medida do possível, a danosa situação imposta pelo governo
neoliberal, que, ao nivelar, nos mesmos direitos legais, as empresas
estrangeiras com as brasileiras, promoveu a falência de indústrias nacionais,
entre elas algumas fornecedoras de equipamentos para a Petrobras.
Guilherme Estrella
tem procurado encaminhar as encomendas para as empresas genuinamente
brasileiras, sem prejudicar o desempenho da Petrobrás como um todo. Graças a
essa política, ditada pelo interesse nacional, e recomendada pelo governo,
reativou-se a indústria naval, e as plataformas, antes encomendadas no
Exterior, estão sendo produzidas no Brasil, com a redução da participação
estrangeira ao absolutamente necessário.
Outros interessados
pela substituição do diretor são os notórios fisiólogos do PMDB. Como é de
incumbência dessa diretoria as compras de equipamentos caros e pesados, ela vem
sendo disputada pelo partido. Está claro que o ministro Edison Lobão deseja a substituição
de Guilherme Estrella. Mas é improvável que o padrinho político do Ministro, o
senador José Sarney – reconhecidamente um nacionalista – aceite, e nesse
momento internacional difícil, a co-responsabilidade pela saída do atual
diretor de Pesquisa e Produção da Petrobrás. Recorde-se que em seu governo o
presidente Sarney resistiu e não privatizou nenhuma empresa. E quando Fernando
Henrique decidiu privatizar a Vale do Rio Doce, Sarney escreveu-lhe uma carta
vigorosa condenando a iniciativa.
O conhecimento é o
principal instrumento da soberania. Homens como Guilherme Estrella não se
escolhem com critérios políticos menores, mas, sim, em decisões maiores de
política de Estado. E cabe um esclarecimento: quando Lobão diz que o diretor
está pretendendo deixar o cargo, emite um palpite, ou expressa desejo pessoal –
que não lhe cabe manifestar. Ao ministro cabe executar uma política de governo.
É certo que os
inimigos do geólogo o têm submetido a solerte guerra de desgaste, com o
propósito, deliberado, de provocar uma reação emocional de sua parte. Mas
Estrella é bastante arguto para perceber quem está por detrás da campanha para
afastá-lo. Aos 69 anos, está ainda jovem para abandonar a missão de que se
encarregou, no dia em que começou a trabalhar na empresa – a primeira e única
ocupação de sua vida. Ele sabe, que, no fundo, isso constituiria quase um ato
de traição ao Brasil e ao seu povo.
Não lhe cabe, por
isso mesmo, demitir-se do cargo que ocupa.
*Mauro Santayana é
um jornalista autodidata brasileiro. Prêmio Esso de Reportagem de 1971, fundou,
na década de 1950, O Diário do Rio Doce, e trabalhou, no Brasil e no exterior,
para jornais e publicações como Diário de Minas, Binômio, Última Hora, Manchete,
Folha de S. Paulo, Correio Brasiliense, Gazeta Mercantil e Jornal do Brasil
onde mantêm uma coluna de comentários políticos. Cobriu, como correspondente, a
invasão da Checoslováquia, em 1968, pelas forças do Pacto de Varsóvia, a Guerra
Civil irlandesa e a Guerra do Saara Ocidental, e entrevistou homens e mulheres
que marcaram a história do Século XX, como Willy Brandt, Garrincha, Dolores
Ibarruri, Jorge Luis Borges, Lula e Juan Domingo Perón. Amigo e colaborador de
Tancredo Neves, contribuiu para a articulação da sua eleição para a Presidência
da República, que permitiu o redemocratização do Brasil. Foi
secretário-executivo da Comissão de Estudos Constitucionais e Adido Cultural do
Brasil em Roma.
Sem comentários:
Enviar um comentário