domingo, 27 de outubro de 2013

O CINISMO SALOIO DOS DIRIGENTES ANGOLANOS

 

William Tonet – Folha 8, 26 outubro 2013 (clicar imagem para ampliar)
 
Hoje não sei se escrevo ou passo apenas uns rabiscos para exteriori­zar sentimen­tos vários que atravessam a minha mente desde o passado 15.10, por ocasião do discurso do Pre­sidente da República sobre o Estado da Nação, feito na As­sembleia Nacional perante os deputados eleitos em 2012 e a Nação.
 
Depois de ter feito um balan­ço mais profundo a propósi­to daquilo que de relevante foi dito pelo Presidente não resisti à tentação de abordar neste espaço de leitura o ci­nismo de muitos dirigentes angolanos nessa espécie de alarde jubilatório a perturbar a quietude da pretensa estabi­lidade política Jesiana, seme­lhante a uma quase mastur­bação geral, quando JES falou do fim da parceria estratégica com Portugal.
 
De que parceria estava o Presi­dente a falar? Da dos ricos dos dois países? Dos ricos que in­tegram os dois governos? Dos povos? Não percebi….
 
E, então, eu pensei, deve ser a parceria estratégica entre os antigos proletários comunis­tas angolanos, que no regime monopartidário prendiam e até matavam quem portasse a nota de 1 dólar, e transforma­ram-se, do dia para a noite, em proprietários mais vorazes que os antigos capitalistas e impe­rialistas. A parceria estratégica que foi abordada e ameçada de morte, durante o dia, foi, no mesmo dia à noite renovada e regada com champanhe de sangue, entre os milionários de uma riqueza “ilicitamente sus­peita” e os Américo Amorim, Belarmino de Azevedo, Soares da Costa, Joaquim Oliveira, Mota e Companhia, entre ou­tros capitalistas portugueses.
 
Não houve o fim da parceria estratégica entre a UNITEL de Isabel dos Santos, com a Portu­gal Telecom, tão pouco com a Zon Optimus, ou a Galp Ener­gia, o BPI, o BFA, entre outros negócios da nossa bilionária princesa.
 
O fim da parceria estratégica é apenas um “fait diver” para iludir a raia miúda, pois se fim houver, será o principio de penalização aos pequenos e médios empresários das duas margens do Atlântico, que in­vestem no desenvolvimento, com os seus parcos recursos e não bajulem o regime de Luan­da. Eu, mesmo ingenuamente, não consigo dar o benefício da dúvida, pois em jogo, estão mais de 500 milhões de investi­mentos de milionários de altos dirigentes do regime angolano, no imobiliário e outros em­preendimentos em Portugal.
 
A essa tirada calculada nas ofi­cinas do Futungo seguiu-se a inevitável e frenética corrida dos arautos da cegueira política angolana, para sublinhar o fac­to de Angola ser um país rico que está a ajudar Portugal a sair da crise, o que liminarmente é mentira, pois o petróleo não é e nunca será sinónimo de riqueza quando mal utilizado. Portugal não tem petróleo mas tem, em relação a Angola, mais riqueza, patente numa muito melhor distribuição em favor da sua população, embora também esteja longe se ser um exemplo de boa governação.
 
Angola diz ser um país rico que não precisa de Portugal, mas nesta asserção esquece-se o essencial, perde-se de vista aquilo que não temos e lá va­mos buscar, como a Educação. É cinismo puro, pois o próprio presidente da República e to­dos os seus ministros da Edu­cação e não só, já tiveram e os filhos a estudar na escola por­tuguesa, um estabelecimento de ensino, cujas propinas são mais altas que as cobradas nas universidades e, por isso mesmo, recebe no seu rol de alunos uma esmagadora maio­ria dos filhotes dos dirigentes angolanos. E quando não ficam em Luanda, um dos pontos preferidos é Lisboa ou Porto, onde nas suas universidades e colégios estão muitos desses “filhos de papá” igualmente a estudar. E quando damos a vol­ta ao cenário que aqui descre­vo, vemos que em Angola não há praticamente nenhum filho de dignitários portugueses a estudarem nas nossas universi­dades ou colégios… Por alguma coisa será...
 
Por outro lado, vejamos o que se passa quando os mesmos ditos iluminados arautos an­golanos querem um parecer jurídico… Onde é que eles o vão buscar? Nem vale a pena investigar, recorrem a Freitas do Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa, Gomes Canotilho e ou­tros intelectuais lusos, avença­dos ou afectos ao actual regime angolano, entre outros da mes­ma igualha.
 
Passemos agora ao que se pas­sa no dia-a-dia, nas sua corre­rias e momentos de lazer. Os restaurantes, por exemplo, em Angola estão cheios de portu­gueses, bem como as grandes casas arrendadas, assim como no afluxo aos supermercados, e basta ir ao Kero, Maxi, Jum­bo, Martal, etc, por volta das oito e meia da manhã para ver a quantidade de lusos no seu interior.
 
Contrariamente ao que se pas­sa na nossa terra, em Portugal, um país em crise, os restau­rantes e supermercados estão cheios de… portugueses, pese embora a terrível crise que abalou o país e cujos maléficos efeitos se repercutem sobre os estratos mais baixos da sua po­pulação
 
Voltemos a Angola.
 
Como é possível defender a ideia de sermos ricos se a maioria dos angolanos, mesmo com um nível alto de escola­ridade, não consegue ir a um restaurante?
 
Como podemos nós ser ricos, quando o poder manda ao de­semprego milhares de jovens para colocar no seu lugar es­trangeiros?
 
Quem são os sócios dos diri­gentes angolanos? São portu­gueses. Quantos genros têm esses mesmos dirigentes por­tugueses? Muitos.
 
Nessa história das relações com Portugal os dirigentes angolanos deveriam deixar de ser cínicos e lançar os pobres dos dois lados em situação de incitamento a guerras. Eu, como angolano, tenho vergo­nha do muito que ouvi, pois os principais agitadores são aqueles que, noite vinda, falam e dormem a contar os milhões surripiados ao erário público com contabilistas e financeiros da sua confiança portugueses.
 
Olhemos para as suas festas, para ver quem são os que por aí se divertem?
 
E não será que, ao alargarmos a nossa visão, reparamos que os portugueses sentem-se em casa quando vêm para Angola e que os angolanos, embora se­jam recebidos com muito mais frieza do que os portugueses que se instalam no nosso país, é para Portugal que anseiam ir? Ora isso ultrapassa, a meu ver, as coordenadas do “dicktat” de JES, quando manipulou a no­ção de “parceria estratégica”, que, de muito longe o ultrapas­sa.
 
Basta abrir os olhos e ver, não só tudo o que aqui atrás referi, mas também os milhões, os famosos milhões de dólares em posse da Jet Set angolana…Mas onde “diabo” é que ela, a Je(s)t Set, esconde os seus milhões que se contam por milhares de milhões? Basta avaliarmos, o que é um pouco mais do que simplesmente ver, onde a maioria dessa gente da JES’T SET tem grandes man­sões e contas bancárias: na União europeia em geral, parti­cularmente em Portugal.
 
Bem vistas as coisas, o que JES quis neste triste discurso foi lançar a primeira pedra da legi­timação de roubos de que são acusados alguns filhos, paren­tes e compadres.
 
JES falou da pobreza, mas esqueceu-se dos pobres, sem dizer nada a não ser aquilo que serviu de alicerce ao seu discurso, ou seja, algarismos, contas de somar e de sumir sem referência alguma a qual­quer estudo identificado e credível, portanto e em suma, estatísticas de geometria va­riável (como essa dos pobres angolanos, que vamos lutar para atingir o patamar de 35% da população em estado de extrema pobreza, quando o mesmo patamar já tinha sido ultrapassado, mas só da boca pra fora, aquando da entrevista da SIC)… Resumindo, JES asse­gurou que o Estado da Nação é óptimo e recomenda-se e quanto a Portugal, com a sua tara de separação de poderes, Portugal que se cuide.
 
Mas, como já comentámos, não é possível defender a ideia de que dos Santos pretenda cortar, de todo e no seu tudo, os tratados com os seus me­lhores parceiros e cúmplices em estratagemas e esquemas opacos.
 
Mas vamos para os números, para ver se os bajuladores con­tinuam com o nariz empenado. O PIB per capita de Angola, coloca o país, em 139.º lugar, pese a tal propalada riqueza, baseada no petróleo, com USD 6.000,00 dólares, por cidadão, enquanto Portugal, que se diz ser um país pobre, não ter, na realidade, não tem, petróleo e outras parangonas se encontra em 55.º lugar com USD 23.700, 00/cidadão.
 
Noutro extremo, a expectativa de vida dos angolanos é de 48,4 anos, contra os 79,2 anos dos portugueses e a taxa de morta­lidade infantil em Angola é por 114,9 óbitos por mil, enquanto Portugal queda-se em 2,5, re­gistando uma taxa menor de mortalidade.
 
É contra este cinismo que me bato, hoje, aqui e agora, para que possa ter higienicamente limpa a minha mente.
 
Estamos juntos.
 

Sem comentários:

Mais lidas da semana