segunda-feira, 23 de junho de 2014

Portugal: CAVACO, O ANTICOMPROMISSOS



Pedro Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião - ontem

1. O Presidente da República comunicou que não tem informação sobre a existência dum golpe de Estado em curso. Ou seja, Cavaco Silva pensa que o Governo vai cumprir a deliberação do Tribunal Constitucional.

Sexta-feira foi dia de revelações importantes, além dessa e doutras, Cavaco Silva disse que havia alguém que devia estar arrependido por não ter feito um acordo que lhe permitiria neste momento estar em plena campanha eleitoral para legislativas antecipadas. Traduzindo: "Estás a ver Seguro? Tinhas aceite a minha proposta e estavas a lutar para ser primeiro-ministro e nem se falava do Costa." Quem sugeriu isto foi o Presidente, que tinha acabado de dizer que nos partidos há interesses particulares que se sobrepõem aos interesses nacionais... Terei sido só eu a perceber que Cavaco deu a entender a Seguro que se tivesse aceitado a proposta os interesses pessoais do socialista teriam sido salvaguardados?

Como institucionalista e respeitador da separação dos poderes que é, e ainda bem, não comenta as decisões dos tribunais. Mas não só por esses atributos, mas também como autodesignado promotor de compromissos, talvez não fosse má ideia recordar ao primeiro-ministro que pôr em causa o papel do Tribunal Constitucional no nosso ordenamento jurídico-constitucional não contribui nem para a saúde da democracia, nem para um ambiente de diálogo construtivo. Digamos, que falar do excessivo "nível de crispação de tensão político-partidária e de agressividade de linguagem entre as diferentes forças políticas" e esquecer o que o primeiro-ministro diz do TC não tem ponta de lógica.

Pela milionésima vez, o Presidente apelou aos compromissos. Com tanta insistência, é bom de ver que ainda não percebeu por que, neste momento e nos tempos mais próximos, não são possíveis.

Em primeiro lugar, não é possível obter qualquer tipo de compromisso quando não há um mínimo de base de entendimento sobre as origens dos problemas que atravessamos e sobre os objetivos a atingir. Os dois principais partidos portugueses conseguiram sempre encontrar entendimentos em questões fulcrais para o regime: serviço nacional de saúde, educação pública, adesão à Europa, política internacional, revisões constitucionais. Neste momento, temos um PSD radicalizado numa espécie de Tea Party parolo que envergonha a sua tradicional base eleitoral e um PS que ninguém sabe o que quer. Aliás, temos dois Partidos Socialistas. O de Seguro que apenas se preocupa com a redução do número de deputados, mais incompatibilidades para deputados (para só termos na Assembleia rapazes do aparelho) e ética a dar com um pau, ou seja, convertido no partido mais populista da história da democracia portuguesa. O de Costa ainda ninguém sabe bem o que quer.

E assim chegamos à segunda razão pela qual não são possíveis compromissos: ninguém tem legitimidade para falar pelos socialistas. O estranho é Cavaco Silva ignorar essa realidade. O Presidente quer um acordo para o orçamento de 2015, e então com quem se fala se as primárias do PS são no fim de Setembro?

Em terceiro lugar, falta alguém que promova compromissos e seja visto, pelas várias partes, como equidistante. Há muito que Cavaco Silva, quando optou publicamente por um lado, deixou de ser um árbitro. Cavaco Silva tem demasiadas certezas, e não hesita em divulgá-las publicamente, sobre as opções governativas e o caminho da Europa para se apresentar acima dos partidos. Isso seria ótimo num primeiro-ministro ou num líder da oposição, mas está longe de ser recomendável num Presidente da República. E nem vale a pena recordar tristes episódios como os das escutas, o discurso de vitória ou a impossibilidade de mais sacrifícios. Ninguém duvida da necessidade de compromissos para ultrapassar os graves problemas que atravessamos, mas o que Cavaco Silva insiste em não ver, ou não querer ver, é que com os atuais principais protagonistas políticos é impossível alcançá-los. E não é só por causa das lideranças dos dois principais partidos, é também muito por ele e pela forma como tem exercido o seu cargo. Esta Presidência da República não ficará na história por ter sido agregadora da comunidade e construtora de compromissos, muito pelo contrário, foi, de facto, instigadora de conflitos e ajudou a aprofundar divisões.

Os compromissos serão alcançados, mas não com Passos, Seguro e Cavaco Silva.

2. O fim do grupo Espírito Santo tem sido penoso e demasiado revelador do pior dos nossos grupos económicos: a má gestão, o nepotismo, a impunidade, a promiscuidade na relação entre o Estado e esses grupos.

Ricardo Salgado terá ido a São Bento, como tantos outros banqueiros fizeram no passado, pedir ao primeiro-ministro que o salvasse. Passos Coelho negou o favor. Talvez fosse já demasiado tarde, mas, seja como for, o primeiro-ministro esteve muitíssimo bem e demarcou-se duma triste herança que tão funesta tem sido para Portugal. Há que elogiar Passos Coelho.

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