Pedro
Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião - ontem
1. O
Presidente da República comunicou que não tem informação sobre a existência dum
golpe de Estado em curso. Ou
seja, Cavaco Silva pensa que o Governo vai cumprir a deliberação do Tribunal
Constitucional.
Sexta-feira
foi dia de revelações importantes, além dessa e doutras, Cavaco Silva disse que
havia alguém que devia estar arrependido por não ter feito um acordo que lhe
permitiria neste momento estar em plena campanha eleitoral para legislativas
antecipadas. Traduzindo: "Estás a ver Seguro? Tinhas aceite a minha
proposta e estavas a lutar para ser primeiro-ministro e nem se falava do
Costa." Quem sugeriu isto foi o Presidente, que tinha acabado de dizer que
nos partidos há interesses particulares que se sobrepõem aos interesses
nacionais... Terei sido só eu a perceber que Cavaco deu a entender a Seguro que
se tivesse aceitado a proposta os interesses pessoais do socialista teriam sido
salvaguardados?
Como
institucionalista e respeitador da separação dos poderes que é, e ainda bem,
não comenta as decisões dos tribunais. Mas não só por esses atributos, mas
também como autodesignado promotor de compromissos, talvez não fosse má ideia
recordar ao primeiro-ministro que pôr em causa o papel do Tribunal
Constitucional no nosso ordenamento jurídico-constitucional não contribui nem
para a saúde da democracia, nem para um ambiente de diálogo construtivo.
Digamos, que falar do excessivo "nível de crispação de tensão
político-partidária e de agressividade de linguagem entre as diferentes forças
políticas" e esquecer o que o primeiro-ministro diz do TC não tem ponta de
lógica.
Pela
milionésima vez, o Presidente apelou aos compromissos. Com tanta insistência, é
bom de ver que ainda não percebeu por que, neste momento e nos tempos mais
próximos, não são possíveis.
Em
primeiro lugar, não é possível obter qualquer tipo de compromisso quando não há
um mínimo de base de entendimento sobre as origens dos problemas que
atravessamos e sobre os objetivos a atingir. Os dois principais partidos
portugueses conseguiram sempre encontrar entendimentos em questões fulcrais
para o regime: serviço nacional de saúde, educação pública, adesão à Europa,
política internacional, revisões constitucionais. Neste momento, temos um PSD
radicalizado numa espécie de Tea Party parolo que envergonha a sua tradicional
base eleitoral e um PS que ninguém sabe o que quer. Aliás, temos dois Partidos
Socialistas. O de Seguro que apenas se preocupa com a redução do número de
deputados, mais incompatibilidades para deputados (para só termos na Assembleia
rapazes do aparelho) e ética a dar com um pau, ou seja, convertido no partido
mais populista da história da democracia portuguesa. O de Costa ainda ninguém
sabe bem o que quer.
E
assim chegamos à segunda razão pela qual não são possíveis compromissos:
ninguém tem legitimidade para falar pelos socialistas. O estranho é Cavaco
Silva ignorar essa realidade. O Presidente quer um acordo para o orçamento de
2015, e então com quem se fala se as primárias do PS são no fim de Setembro?
Em
terceiro lugar, falta alguém que promova compromissos e seja visto, pelas
várias partes, como equidistante. Há muito que Cavaco Silva, quando optou
publicamente por um lado, deixou de ser um árbitro. Cavaco Silva tem demasiadas
certezas, e não hesita em divulgá-las publicamente, sobre as opções
governativas e o caminho da Europa para se apresentar acima dos partidos. Isso
seria ótimo num primeiro-ministro ou num líder da oposição, mas está longe de
ser recomendável num Presidente da República. E nem vale a pena recordar
tristes episódios como os das escutas, o discurso de vitória ou a
impossibilidade de mais sacrifícios. Ninguém duvida da necessidade de
compromissos para ultrapassar os graves problemas que atravessamos, mas o que
Cavaco Silva insiste em não ver, ou não querer ver, é que com os atuais
principais protagonistas políticos é impossível alcançá-los. E não é só por
causa das lideranças dos dois principais partidos, é também muito por ele e
pela forma como tem exercido o seu cargo. Esta Presidência da República não
ficará na história por ter sido agregadora da comunidade e construtora de
compromissos, muito pelo contrário, foi, de facto, instigadora de conflitos e
ajudou a aprofundar divisões.
Os
compromissos serão alcançados, mas não com Passos, Seguro e Cavaco Silva.
2. O
fim do grupo Espírito Santo tem sido penoso e demasiado revelador do pior dos
nossos grupos económicos: a má gestão, o nepotismo, a impunidade, a
promiscuidade na relação entre o Estado e esses grupos.
Ricardo
Salgado terá ido a São Bento, como tantos outros banqueiros fizeram no passado,
pedir ao primeiro-ministro que o salvasse. Passos Coelho negou o favor. Talvez
fosse já demasiado tarde, mas, seja como for, o primeiro-ministro esteve
muitíssimo bem e demarcou-se duma triste herança que tão funesta tem sido para Portugal.
Há que elogiar Passos Coelho.
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