Domingos
de Andrade – Jornal de Notícias, opinião
Na
política há sempre uma grande tentação para extrapolar leituras para lá das
fronteiras da ação em causa.
E há na nossa memória, poética ou científica, a ideia da
teoria do caos e do efeito borboleta, segundo o qual um bater de asas no Japão,
por exemplo, pode provocar um tsunami do outro lado do Mundo. A vitória do
Syriza na Grécia presta-se a todo o tipo de leituras, que rapidamente se
estendem aos países do canto mais ocidental da Europa, como se o bater de asas
pudesse ser causa de um terramoto deste lado.
Mas
vamos por partes. Primeiro, lá: o voto dos gregos nos extremistas deve ser
olhado como o triunfo da democracia e de o tempo da política se sobrepor ao
tempo da finança. E como sinal de cansaço de um povo sujeito a uma alternância
entre socialistas e sociais-democratas que, no Governo, se esquecem da
obrigação de servir e de não se servirem. O partido de Alexis Tsipras, se
primeiro causava arrepios com um programa de governo radical, na verdade limou
mais tarde essa agressividade, moderando a sua linha de atuação. A aliança à
extrema-direita para a formação de um Executivo pode, à primeira vista, não
prenunciar nada de bom; mas poderá ser uma bengala conveniente para que o
Syriza encontre o caminho do meio.
A
última palavra será sempre de uma Europa com povos pouco confiantes no futuro e
varrida por eleições este ano.
Por
cá também. Embora em Portugal não exista nenhum partido capaz de protagonizar
uma rutura: o Bloco de Esquerda vive dias de amargura e dificilmente se
erguerá; o PCP é um trunfo seguro de protesto ortodoxo; o partido de Marinho e
Pinto apenas gere a simpatia da figura e de quem está cansado da alternância do
bloco central. Não há, portanto, um Podemos, como em Espanha, que possa causar
realmente mossa.
Claro
que vamos estar atentos nos tempos mais próximos ao que a Europa de Merkel, a
principal derrotada das eleições, irá fazer. Qualquer aligeirar das políticas
de austeridade na Grécia será fatal para a coligação PSD/CDS, que seguiu
cegamente as demandas da troika e sublinhou querer ir mais além por "não
haver alternativa". Esse vai ser o foco de toda a campanha eleitoral em curso. Também para
António Costa, que pode ficar quieto por mais um tempo sem se comprometer com
qualquer programa de Governo.
No
limite, cansam-se os portugueses do jogo de póquer. E o drama passará a estar,
quando muito, na manta de retalhos saída das legislativas, que obrigará a ter
um presidente da República firme. Por pouco tempo Cavaco Silva, que estará de
saída, mas mais o que for eleito em 2016. A Democracia também é isso. Ou não?
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