segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

TRANSFORMAÇÃO CONJUNTURAL



João Galamba – Expresso, opinião

Em 2014, ao fim de três anos de recessão, a economia portuguesa terá crescido 0.9%. Depois de uma queda no PIB de cerca de 5%, mais preocupante do que uma taxa de crescimento anémica é a sua composição. Apesar de ainda só conhecermos a estimativa rápida do INE, os dados disponíveis  permitem-nos antecipar que o Consumo Privado vai crescer a uma taxa que será cerca de duas vezes superior à taxa de crescimento do PIB, e que a Procura Externa Líquida (a diferença entre Exportações e Importações) será bastante negativa. De acordo com o discurso da actual maioria, este crescimento económico, para além de ser reduzido, é totalmente insustentável, porque assenta exclusivamente na procura interna, em particular no consumo privado.  

A taxa de crescimento de 0,9% é significativamente inferior à média anual de 1,5% verificada no período 2000-2007, anterior à grande crise de 2008-9. Para além da taxa de crescimento ser mais baixa do que na (chamada) "Década Perdida", a composição desse crescimento parece ser menos sustentável do que era no passado. Olhemos para 2010, o ano de todos os défices, o ano do "descalabro". Nesse ano a economia cresceu 1.9%, mais do dobro do que em 2014, mas o contributo da procura externa líquida , embora negativo, foi muito menos negativo do que em 2014.  

Se o actual padrão de crescimento se mantivesse, Portugal só voltaria a ter os valores de emprego de 2010 quando atingisse um défice da balança de bens e serviços pior do que em 2010. Portugal só não tem um défice da balança de bens e serviços igual ao desse ano porque, entretanto, destruiu mais de 350 mil empregos líquidos. É a destruição de emprego e a queda da procura interna, face a 2010, que explicam a existência de um saldo externo (decrescentemente) positivo, não qualquer alegado ganho competitivo. O ajustamento é, pois, apenas conjuntural: depende de níveis de emprego, de consumo e de investimento típicos de um país em depressão económica. 

Quando pomos os dados de 2014 em perspectiva, percebemos que, em primeiro lugar, Portugal não está a viver qualquer retoma, está apenas a constatar que a travagem na austeridade - imposta ao Governo pelo Tribunal Constitucional e pelo aproximar das eleições - produz efeitos positivos na economia. Em segundo lugar, tudo parece indicar que o esse crescimento, para além de anémico, não tem bases mais sustentáveis do que as do passado.  

Chegados a 2015, constamos que a economia portuguesa tem exactamente os mesmos problemas que tinha: cresce pouco, até menos do que no passado, e não consegue crescer sem que as importações disparem. Entretanto, o Investimento Estrangeiro, o tal que viria salvar uma economia descapitalizada, tendo em conta as últimas notícias, não parece dar sinais de vida. Este governo limitou-se a destruir e a fazer ajustamentos que, por serem social e economicamente insustentáveis, têm forçosamente de ser conjunturais.

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