sexta-feira, 3 de agosto de 2012

AUTORIDADES PORTUGUESAS ACUSADAS DE DESUMANIDADE E RACISMO



Liberal (cv)

Praia, 3 de Julho 2012 – A Plataforma Gueto, uma rede de activistas sociais com grande expressão nos bairros suburbanos da região de Lisboa (Portugal), maioritariamente composta por cabo-verdianos e descendentes, tornou público um comunicado onde denuncia “a forma racista e desumana como no Bairro de Santa Filomena, está a ser conduzido o processo de demolição de casas e de desalojamento dos moradores”.

Considerando que “uma parte da população do bairro está a ser deliberada e criminosamente desconsiderada neste processo”, a plataforma refere que “o recenseamento do PER [Plano Especial de Realojamento], de 1993, anterior às últimas vagas de importação de mão-de-obra barata, nos períodos extraordinários de regularização de 1996 e 2002 que vieram preencher as necessidades da explosão do mercado de construção e de serviços, fruto dos subsídios da U.E., e que permitiram a Portugal levantar pontes, centros comerciais, estádios, estradas, linhas de metropolitano, condomínios fechados e tantas outras infraestruturas”, uma situação que, 19 anos depois, não tem em consideração os agora excluídos que “contribuíram económica, social e culturalmente” para o desenvolvimento de Portugal.

“HIGIENIZAÇÃO URBANA”

A Plataforma Gueto sustenta, ainda, que se trata de “um processo de higienização urbana e, como tal, não estão a ser respeitados os direitos humanos da população que a Câmara Municipal da Amadora pretende deslocar”, porquanto “estes trabalhadores, altamente vulneráveis perante a crise económica, são, na conjuntura actual, considerados mão-de-obra supérflua”, pelo que “estão a ser expulsos dos seus lares, deslocados como objectos e afastados do centro da cidade”.

Por detrás deste fenómeno, ainda segundo a plataforma, está a especulação imobiliária, nomeadamente decorrente da “pressão dos residentes do empreendimento de Vila Chã”, um complexo de luxo, “para remover o Bairro de Santa Filomena da vizinhança, dado que o valor dos apartamentos é reduzido pela proximidade do bairro”… E, ainda segundo o comunicado, “é evidente o racismo ambiental”, traduzido na “expulsão dos moradores negros e imigrantes para as zonas periféricas da cidade, mal servidas de transportes e serviços básicos, e onde a única presença institucional são as forças policiais e órgãos dos serviços sociais”.

“MENTIRAS” DA CÂMARA MUNICIPAL DA AMADORA

A Plataforma Gueto denuncia, também, que “através de mentiras, estão a ser feitos esforços por parte da Câmara Municipal da Amadora e da Santa Casa da Misericórdia para neutralizar qualquer resistência da população, alegando terem sido prestados apoios e alternativas aos moradores”, adiantando que “técnicos sociais da Câmara Municipal da Amadora e da Santa Casa da Misericórdia estão a tentar prevenir uma resposta colectiva dos moradores do bairro, servindo-se de dados pessoais compilados durante a prestação de serviços sociais”, nomeadamente, “oferecendo soluções individuais de curto prazo, como a ‘caução e renda’, disponibilizadas através do fundo de emergência social”, uma solução que se traduz no pagamento de dois meses de renda no mercado de arrendamento, um período “após o qual os visados não terão qualquer auxílio”. O que, tendo em conta a situação de desemprego da maioria deles, se traduzirá no facto de não poderem pagar a renda e serem, de novo, despejados. De referir que, na sua maioria, estas famílias auferem um rendimento mensal entre os 250 e os 300 euros, valores incompatíveis com os preços praticados no mercado de arrendamento livre.

As chamadas “soluções propostas que alguns moradores recusaram”, uma versão oficial da autarquia, propalada pelo essencial da comunicação social, não passa, segundo a plataforma, de “uma forma de ludibriar os moradores para levá-los a sair das suas casas de maneira a que estas possam ser demolidas e, simultaneamente, a Câmara Municipal seja ilibada de todas as suas responsabilidades”.

“CHANTAGEM E PRESSÃO”

A plataforma refere, ainda, estar em curso uma “campanha de chantagem e pressão”, promovida por assistentes sociais e outros técnicos da Câmara Municipal da Amadora e da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, nomeadamente através da cedência à polícia de “dados pessoais sigilosos, recolhidos anteriormente para efeito de apoios sociais”, informações que servirão para “chantagear e pressionar os moradores que recusarem os apoios supracitados, de modo a que estes abandonem os seus lares”.

Mas, para além da “chantagem e pressão”, os activistas sociais denunciam, também, a condução deste processo recorrendo a métodos de “violência física e psicológica” promovida pelas forças policiais. É que, segundo a Plataforma Gueto, “o Bairro de Santa Filomena está ocupado por agentes de forças paramilitares da polícia que intimidam os moradores, violentando-os física e psicologicamente”, uma presença que “demonstra o seu carácter racista no trato que dispensa aos moradores, chegando a apontar-lhes armas de fogo como forma de coacção”.

A atitude dos técnicos envolvidos no processo, a confirmarem-se as informações divulgadas pela plataforma, é de todo inqualificável, porquanto, “estão a sugerir a moradores negros que abandonem Portugal e regressem à sua terra” e “fazem isto até a pessoas que já possuem nacionalidade portuguesa, residem neste país há mais de duas décadas e aqui construíram as suas vidas e os seus relacionamentos humanos”. E há relatos, confirmados pelo Liberal junto de um morador do bairro, de que os técnicos têm funcionado como bufos da polícia, nomeadamente referindo o caso de um morador que, tendo recusado abandonar os seus pertences após a demolição da habitação, foi “detido violentamente”, uma situação ocorrida “após assistentes sociais, em forma de retaliação, terem alertado agentes policiais para a ‘situação irregular’ do morador”.

Ao mesmo tempo que exige o fim das demolições, entre outras reivindicações, a Plataforma Gueto pôs a circular um abaixo-assinado (ver link) e estranha “o silêncio das embaixadas africanas em Lisboa, em especial a de Cabo Verde, cujo papel deveria ser o de salvaguardar a defesa das suas populações além-fronteiras”, bem com “das várias organizações e entidades que se identificam ou são identificadas como defensoras dos direitos dos imigrantes”. E exige “uma tomada de posição das autoridades cabo-verdianas e, sobretudo, do Comité África da Internacional Socialista (IS), que honre os ideais socialistas e dignifique os princípios pan-africanistas de solidariedade, justiça social e dignidade humana que outrora defendiam”, porque para a Plataforma Gueto “o nosso povo continua escravo e oprimido!!!”

PETIÇÃO

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