Mário Soares – Diário de Notícias, opinião
1 - O Governo de
Passos Coelho está completamente paralisado, sem estratégia e sem que os
ministros se entendam. Só dialoga com a troika, com a subserviência conhecida,
perante os autocratas que a constituem. Ninguém sabe de quem realmente
dependem.
Mas é um Governo
teimoso, porque o Presidente da República, isolado, no seu palácio, contra a
população que o elegeu e cada vez mais o critica, considera, estranhamente,
legítimo, o Governo. Só por ter sido, há dois anos, eleito, com um programa de
promessas que não tem qualquer correspondência com o que tem vindo a fazer?
No sábado passado
houve uma grande manifestação - empurrada e contida por um montão de polícias -
em que, sendo inicialmente contra o Governo de Passos Coelho, a personalidade
mais vaiada foi o Presidente Cavaco Silva.
Quer isto dizer que
a crise que nos afeta não é só financeira e económica, é também política -
assim o quer o Senhor Presidente -, social e ética. Uma crise de regime, se
Cavaco Silva teimar em ser ele - ou parecer - a mandar no Governo, contra os
termos da Constituição da República que jurou e que o Governo conscientemente
ignora.
Atenção, porque uma
tal crise apavora os mercados, que vão começar a fugir. Serão os primeiros a
fazê-lo, com as consequências que daí advirão. O Senhor Presidente não deve
ignorar esta perigosíssima situação e por isso tem de agir, quanto antes,
contra este Governo que ninguém quer nem respeita. Senão será seu cúmplice.
É caso para se
pensar: estará o Senhor Presidente Cavaco Silva a ser chantageado, como tem
sido o ministro Paulo Portas, e daí os seus ziguezagues políticos? Não quero
acreditar. Mas de qualquer modo o Presidente deve refletir e mudar rapidamente,
porque está a seguir um caminho errado e muito perigoso. Para o País e para
ele.
2 - Em toda a parte
do País, o Governo de Passos Coelho está a ser atacado. Até o Pai, médico
ilustre, em Vila Real - terra de nascimento do primeiro-ministro -, numa
entrevista bem paternal e interessante, aconselhou o filho a abandonar o
Governo, quanto antes, porque tudo vai de mal a pior. Passos Coelho, parece não
ter ouvido o seu Pai.
Agora, imagine-se,
foi o Porto - a cidade invicta - que se resolveu a atacar o Governo. Pela voz
dos mais prestigiados portuenses. Dos académicos aos empresários, a antigos
políticos do PSD e do PS - e os profissionais e homens da cultura. Segundo a
batuta e a voz do ainda presidente do município Rui Rio. Porquê agora? Em
virtude do boicote que o Governo está a fazer à Sociedade de Reabilitação
Urbana - Porto Vivo. Rio reuniu uma centena de notáveis para enviarem uma carta
de protesto ao primeiro- -ministro que foi assinada por todos os sectores de
atividade (vide Público de domingo). Cito: "Todos os antigos presidentes
da Câmara do Porto ainda vivos, Aureliano Veloso e Fernando Gomes; todos os
reitores que ainda estão vivos, Oliveira Ramos, Alberto Amaral e Marcos dos
Santos. Os principais empresários, cientistas, presidentes dos conselhos
científicos das principais faculdades. Ou seja: o Porto completamente unido,
repudiando uma atitude do Governo." Como se escreve no Público mais
adiante: "Empresários como Belmiro de Azevedo (Sonae), Américo Amorim,
Artur Santos Silva, Macedo Silva e Ferreira de Oliveira (Galp). Um vereador da
Câmara do Porto, Manuel Correia Fernandes disse: finalmente a revolta."
Além de D. Manuel Clemente, bispo do Porto e futuro cardeal-patriarca, o grande
cientista Sobrinho Simões, Daniel Bessa, economista, a cientista internacional
Maria de Sousa, Odete Patrício, Abrunhosa Brito, Rosário Gamboa e Braga da Cruz,
etc.
É extraordinário. É
uma cidade - a segunda de Portugal - que se levanta contra este Governo e as
suas habituais malfeitorias. É mais uma prova importante de para onde nos
conduziu a política incompetente deste Governo, que o Presidente considera
legítimo, e que o País desesperado, de norte a sul, considera incapaz e que nos
está a arruinar. É caso para exclamar: Até quando, Catilina, abusarás tu da
nossa paciência?
O Povo, os
professores, os de-sempregados (mais de um milhão), os que passam fome e os
ricos conscientes, os militares, os cientistas e até os economistas mais
lúcidos, não suportam mais este Governo. E o Presidente da República continua a
chamar-lhe legítimo, quando o Tribunal Constitucional parece querer reprovar,
pela segunda vez, o Orçamento que lhe foi apresentado? Quando as centrais
sindicais, os parceiros sociais e a maioria dos partidos políticos o reprovam.
Mesmo o PSD, na sua esmagadora maioria. Atenção: está-se a brincar com o fogo!
3 - Pela força das
coisas - como diz o Povo - a crise da União Europeia, da Zona Euro, está a
mudar. Quem lê a imprensa estrangeira não duvida disso. A chamada austeridade
não conduz a nada de bom. A Alemanha começa a sentir os efeitos negativos da
austeridade que impôs aos países em crise. Porque as exportações para esses
países começaram a ser recusadas. Era inevitável. Mas a chanceler Merkel só
agora começou a sentir e a perceber isso.
Com efeito, a crise
do euro não afeta só os países "pobres", ditos periféricos (que não
são), mas todos, como alguns comentaristas e políticos previram, entre os quais
modestamente me conto. Primeiro a Grécia, a Irlanda e Portugal, depois a
Espanha, a Itália, Chipre e surpreendentemente a Holanda (de quem em Portugal
ninguém fala) e agora, em grandes dificuldades, a França.
Curiosamente as
dificuldades da Alemanha começaram a aparecer. A sua economia cresce pouco, um
ou dois por cento, e dificuldades sérias estão à vista. O que obriga a
chanceler Merkel a refletir - porque estão a aproximar-se as eleições e o seu
ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, continua implacavelmente sem mudar de
opinião como fanático neoliberal que é.
A chanceler Merkel,
pelo contrário, parece estar a falar da necessidade de mais emprego, de empresas
mais flexíveis e de menos austeridade. Quem tal diria há uns meses? Deve ter,
finalmente, percebido, que a hora não é de mais austeridade, mas de mais
emprego, com a crise europeia - da Zona Euro, mas não só - a agravar-se todos
os dias.
Pelo seu lado, o
Presidente Hollande, apesar das dificuldades da França e com a legítima vontade
de as ultrapassar, voltou a falar do eixo franco-alemão, criador da CEE. Mas
não esqueçamos que, para voltarmos aos tempos anteriores à crise, falta-nos os
social-democratas e os democratas-cristãos.
Contudo, os
socialistas europeus começam a dizer-se progressistas, para incluir toda a
esquerda, enquanto os democratas-cristãos desapareceram. É preciso que o Papa
Francisco reanime a doutrina cristã, como tem feito e, sobretudo, incentive o
reaparecimento dos partidos democratas-cristãos. Se assim acontecesse
tornar-se-ia mais fácil refazer o eixo franco-alemão e criar um governo europeu
que mandasse na Zona Euro. Estaríamos nesse caso no bom caminho para vencer a
crise e para reanimar a tão necessária aliança entre a União Europeia e a
América. O que seria bom para a paz no mundo e para a reforma tão necessária da
ONU.
Caso contrário, por
mais esforços que faça Barack Obama, caminharemos inevitavelmente para um novo
conflito mundial, com o regresso aos nacionalismos que nos levaram à II Guerra
Mundial.
4 - Fiquei
surpreendido com o facto de o Senhor Presidente da República pedir ao
Ministério Público que pusesse uma ação judicial contra o ilustre jornalista
Miguel Sousa Tavares, por lhe ter chamado Palhaço. Como ele já reconheceu foi
excessivo. Mas para quê uma ação? Não terá ninguém dito ao Senhor Presidente
que uma frase infeliz dava para rir, quanto muito um dia, pondo a ação judicial
a ser discutida bastante tempo, enquanto durar o processo, que infelizmente não
é rápido. Para quê? Talvez para ficar por muito tempo na cabeça dos
portugueses...
Com a devida vénia
lhe digo, Senhor Presidente, foi mais um erro que cometeu. A vingança em
política nunca colhe...
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