segunda-feira, 18 de novembro de 2013

BRINCAR AO FAZ DE CONTA

 

Tomás Vasques – jornal i, opinião
 
Começam a aparecer sinais de que estamos a chegar ao ponto em que a esperança dos maltratados pela "crise" já não vem de uma Europa solidária, mas de soluções antidemocráticas
 
Chegámos ao extremo-limite do perigo, como escreveu Mário de Cesariny. A União Europeia está a caminhar, a passos largos, pela via-sacra que a levará até ao Calvário, onde vai ser crucificada às mãos da senhora Merkel e dos interesses da Alemanha. A Europa alemã é de novo uma realidade - uma dura realidade -, mas andam todos, especialmente os responsáveis políticos de países como a França, a Itália e a Espanha a querer passar pelos pingos da chuva sem se molharem, na ilusão de que o anunciado desmoronamento seja apenas uma miragem de gente pessimista. Neste momento, já poucos, por essa Europa fora, acreditam na bondade do ambicioso "projecto" europeu ou nas vantagens da moeda única. As políticas de austeridade gizada pela Alemanha, nestes últimos três anos, para os países endividados, como Portugal, conduzem à destruição das economias locais e a um maior endividamento externo e, consequentemente, a mais e mais austeridade (o FMI já "aconselha" cortes drásticos para 2015 e 2016), a maior destruição da economia e a mais empobrecimento, seguindo um ciclo vicioso. O que é bom para a Alemanha que enriquece cada vez mais, como os números comprovam. Mas o mais preocupante, é que começam a aparecer sinais de que estamos a chegar ao ponto em que a esperança dos maltratados por esta "crise" já não vem de uma Europa democrática e solidária, mas de soluções antidemocráticas. Já não falo da Hungria, mas da França - a pátria de revoluções e da comuna de Paris.
 
Por cá, neste cantinho milenar, mas cada vez mais patético, os nossos governantes, reverentes e submissos aos ditames alemães, vivem uma "história de fadas", um faz de conta à medida da nossa enlevada mediocridade governativa. O ministro da Economia, Pires de Lima, considera que os vários indicadores que têm sido divulgados, sobre crescimento e emprego, indiciam que estamos num "momento de viragem", exactamente no momento em que foi aprovado o orçamento de Estado para 2014, o qual só poupa quem não precisava de ser poupado, apertando ainda mais o torniquete ao rendimento das famílias e, em consequência, estrangulando uma economia e um mercado interno cada vez mais debilitado. Por sua vez, o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, já está a preparar o "programa" eleitoral do seu partido, antecipando-se ao seu parceiro de coligação. Desta vez, prometeu baixar o IRS em 2015, com a mesma desfaçatez com que, no parlamento, enquanto deputado da oposição, prometeu baixar impostos, ou nas feiras e romarias, se armava em "provedor do contribuinte". Pelo andar da carruagem, adivinha-se que o logro da última campanha eleitoral se vá repetir na próxima. Como diz o ditado: à primeira todos caem, à segunda só cai quem quer.
 
Este gigantesco teatro de embustes, encenado pelo neoliberalismo dominante, em que a Europa e as democracias europeias ardem, e a ditadura financeira se impõe, tem a conivência de uma social-democracia amorfa e sem soluções alternativas. Os sociais-democratas alemães preparam-se para ajudar a senhora Merkel a dar a machada final na União Europeia; os socialistas franceses, chefiados por Hollande, andam a tirar água à nora; na Grécia, os socialistas quase desapareceram; em Espanha e Portugal, e mesmo na Inglaterra, os socialistas deixam-se rebocar pelos acontecimentos, sem soluções, nem rupturas, à espera que o poder lhes caia nas mãos. Estamos entregues aos "mercados" e o futuro não é promissor. Mas podemos continuar a fazer de conta, como todos os dirigentes políticos europeus fazem, à espera que os "mercados" não se zanguem e nos maltratem. Só que o resultado vai ser tenebroso.
 
PS - Rui Tavares, o deputado europeu eleito pelo Bloco, e do qual se divorciou, está empenhado em criar um novo partido "no meio da esquerda". Já tem um nome - Livre -, e um símbolo - uma papoila vermelha. É de louvar o romantismo político, mas dificilmente a "esquerda" aguenta ter mais uma paixão.
 
Jurista. Escreve à segunda-feira
 

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