quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O PROTESTO SAIU À RUA PARA FICAR




BENJAMIM FORMIGO – JORNAL DE ANGOLA, opinião

À medida que a globalização se apoderava do pensamento multiplicaram-se nas ruas, em atitudes violentas, as manifestações contra as regras neoliberais que tornaram os políticos obsoletos.

As manifestações de protesto, normalmente violentas, que acompanham as cimeiras onde o modelo neoliberal é rei devem começar a ser encaradas não como uma atitude de arruaceiros mas como uma profunda insatisfação social com a qual a esquerda e a extrema-esquerda pouco ou nada têm a ver.

Desde o dia 17 de Setembro que em Nova Iorque o movimento "Ocupar Wall Street" se afirmou como uma força diferente, uma ruptura com o protesto institucional, isento de violência e independente das forças políticas. Surgiu como o "representante dos 99,9 por cento de americanos que trabalham" contra a especulação do sistema financeiro simbolizado pela Wall Street. As poucas intervenções policiais cessaram após manobras de bastidores em que os políticos pensavam na melhor forma de se colarem ao movimento ou de o acusarem de desestabilizador.

Os democratas, embora divididos, manifestam simpatia pelos milhares de manifestantes que "atiram" contra a Wall Street procurando capitalizar desde já neste movimento que se espalhou a Tampa, Trenton, Jersey City, Filadélfia, Norfolk, Chicago, Saint Louis, Houston, Santo António, Austin, Nashville, Portland, Seattle e Los Angeles. Dificilmente estas cidades se alinham politicamente. Os liberais (no sentido político americano, são uns perigosos esquerdistas) de Los Angeles nada têm em comum com os republicanos conservadores de Houston, Filadélfia. A cidade onde tocou o sino da Liberdade não se pode confundir com Saint Louis ou Chicago.

Enquanto uns democratas, incluindo o Presidente Obama e o seu vice-presidente, apoiam estes manifestantes, outros receiam que o movimento "Ocupar Wall Street" possa ter no Partido Democrata o efeito equivalente ao "tea party" que empurrou os republicanos para a direita. Seja como for o movimento é uma realidade que traduz a opinião de muitos americanos sobre a justiça social e atribuem o estado da economia à ganância financeira da Wall Street.

Resta saber se o movimento vai resistir ou ceder. A Wall Street (Rua do Muro) tem o seu nome do muro que ali se ergueu para defender os colonos dos índios, perdão americanos nativos. Conseguirá virtualmente resistir aos encantos que esta manif pode suscitar junto dos políticos? Neste caso terá de se conformar com uma regulamentação séria que contraria a sua ética neoliberal. Ao mesmo tempo em Washington, frente à estátua do marquês Lafayette, decorrem as habituais manifestações contra a guerra. Desta feita no Iraque e Afeganistão. Porém pela primeira vez junta-se uma outra voz: a do movimento "Ocupar Wall Street". A capital federal não escapou também.

Enquanto isso na Europa a violência continua nas ruas de Atenas, o movimento dos indignados ultrapassou as fronteiras espanholas e em Itália a situação social é cada vez mais difícil.

Na última década os políticos demitiram-se ou foram demitidos do seu papel de representantes dos eleitores em favor dos interesses económicos dominados mundialmente por um punhado de empresas.

Depois de durante décadas as empresas terem rosto e assumirem um papel social, o neoliberalismo e os seus seguidores destituíram a iniciativa privada de qualquer outro objectivo que não seja ganhar dinheiro a curto prazo. O principal capital das empresas, o «know-how» dos seus trabalhadores, foi preterido em favor dos que estão dispostos a passar por cima de tudo para a obtenção de um lucro imediato mesmo que a situação económica se torne insustentável a prazo.

Com o desenvolvimento das comunicações e da Internet poder-se-ia dizer que a informação global pode facilitar a difusão destes movimentos que só poderá ter sucesso se à violência se suceder uma atitude inspirada em Gandhi. A violência é um extremo demasiado perigoso.

Nas empresas o papel social foi substituído iniludivelmente pelo interesse dos accionistas, dos grandes accionistas. O «downsizing» que se segue a fusões ou a resultados menos favoráveis é uma regra para manter ou fazer subir cotações em bolsa.

A revolta é inevitável. Os políticos não se podem submeter a esse jogo de benesses de curto prazo que se tornam presentes envenenados para o futuro. Os recursos naturais são depredados. A população mundial cresce e as novas tecnologias, reservadas aos desenvolvidos, não conseguem substituir os empregos que extinguem.

Os sindicatos promovem a sua própria obsolescência na luta vertical contra uma ameaça horizontal. Surgem por isso, embora timidamente, os primeiros movimentos horizontais de desempregados que não se sentem defendidos ou representados pelos sindicatos nem pelos políticos. A própria génese da democracia está em causa.

Sem comentários:

Mais lidas da semana