sábado, 19 de janeiro de 2013

AS MARCAS DE ÁFRICA: SUBDESENVOLVIMENTO E NEOCOLONIALISMO




Martinho Júnior, Luanda

Os impactos da globalização segundo o decisório do capitalismo neo liberal em África são palpáveis, mas os especialistas têm muita dificuldade em, na profundidade, “avaliar os estragos” no tempo e no espaço, em toda a sua intensidade e amplitude antropológica, histórica, sociológica e efectivamente humana.

A dificuldade torna-se maior quando se avaliam também as questões ambientais que se inter-relacionam com as possibilidades da vida, até por que as ciências e investigações relativas à natureza e sobretudo à água interior do continente estão longe de cobrir o conhecimento satisfatório que possibilite a adopção de melhores opções para com o homem e com ele para com o planeta…

Não há dúvida que o “arco de crise” em África é de tal maneira tenso e crítico, que a matéria extravasa para as esferas antropológica e ambiental como em nenhum outro continente, até por que tudo isso acontece na maior parte dos casos longe dos olhos dos “media de referência” e na prática “aproveitando” o subdesenvolvimento crónico a que o continente tem sido votado historicamente, com evidências de brutal neocolonialismo e de formas mais subtis de opressão e exploração em apenas alguns casos, os casos excepcionais que ajudam a comprovar a regra…

Escrevo “avaliar os estragos” não por que esteja a ser conduzido a uma mera retórica de pessimismo sobre o continente africano, mas por que objectivamente a crise do capitalismo afecta África com facturas que põem em causa a lógica da vida como talvez em nenhum outro continente (daí uma das razões de me colocar entre aqueles que definem o seu pensamento por essa lógica antes de tudo o mais, por que o que está em causa é já, pelo menos em África e numa dimensão “crónica”, a sobrevivência).

Os terríveis desgastes ambientais provocados por acção directa (e indirecta) do homem fazem desaparecer as espécies (por via de vários “flagelos” atingindo também o homem) e os intermináveis conflitos entre os homens que se lhes adicionam, vão causando directa e indirectamente, milhões e milhões de mortos em África, resultando o conjunto na “irreversibilidade” do subdesenvolvimento por via do aumento exponencial da precariedade da vida!

Ao colocar-se na cauda dos Índices de Desenvolvimento Humano, África assume o contraditório entre ricos e pobres, mas também a impotência de sair dessa situação em direcção a equilíbrios globais indispensáveis para o homem e para o planeta!

Quer no desaparecimento das espécies, quer nas mortes humanas (a média de idade do homem africano situa-se bastante abaixo do valor médio mundial), os números parecem cada vez mais impossíveis de contabilizar e os seus efeitos em cadeia, em redundância, impossíveis de equacionar!

A até há pouco maior “arca de Noé” do planeta está, nos termos que antecederam a Revolução Industrial, em termos de imensa biodiversidade, “em vias de extinção” e os Parques Nacionais são, sobretudo na África Austral e do Leste, cada vez mais vestígios residuais dum passado pré Vitoriano sob o ponto de vista dessa biodiversidade, mas elitista e sobrevivente à Rainha Vitória, conforme ao génio “oxfordiano” de Cecil John Rhodes e dos seus “fieis” seguidores de um século!...

A ciência e a investigação, o conhecimento, está ao serviço daqueles que por via da acumulação da riqueza são os herdeiros dos impérios coloniais britânico e francês e o que os extractos humanos africanos recebem de benefício estão condicionados, limitando-se o seu âmbito e impedindo de se poder avançar em direcção a amplos contextos de equilíbrio humano e ambiental.

Imaginem o que se passa (e não se passa) com o homem que habita o continente onde o choque permanente se vem sucedendo desde o tempo do embrião do capitalismo global, do tempo do “comércio triangular” que tinha na escravatura e no trabalho escravo uma das componentes que atraía os interesses da burguesia nascente europeia a África e às Américas!

A luta do homem feito “marginal” que define o imenso e difuso proletariado africano é (ainda) uma luta pela sobrevivência, que nunca alcançou a etapa da energia potenciadora que a partir da consciência em si do proletariado, conforme àquele surgido com a Revolução Industrial, assume a dialéctica no quadro da luta de classes!

A “democracia representativa” ao não ser aprofundada absorvendo a vocação pela cidadania e a participação, favorece o papel das elites e cristaliza o processo fazendo aumentar as tensões, os conflitos e as guerras, que por seu turno impedem encontrar soluções no quadro da luta contra o subdesenvolvimento !

Por essa razão se tornam algumas elites originariamente vitorianas senhoras também da biodiversidade possível neste início de século XXI: aquela que por causa ainda do capitalismo é confinada por via do “eco-turismo” aos Parques Naturais, incluindo os transfronteiriços que respondem ao “Peace Parks Foundation” na África Austral… que vão servindo de exemplo aos Parques Naturais a outras latitudes africanas…

Se não chegou a esse patamar, acaso a sobrevivência desse imenso proletariado africano inibe as potencialidades de luta em prol da lógica com sentido de vida, quando essa lógica começa a ser tão premente para o planeta e acima de tudo para toda a humanidade e quando a dialéctica inerente a este processo de globalização neoliberal e neocolonial impõe a esse proletariado as condições mais extremas em termos de sobrevivência?!

O homem africano está preso às ingerências e manipulações que chegam de fora, sem melhores alternativas, por que o ciclo neocolonial se abateu efectivamente sobre o continente, em alguns casos intimamente associado às heranças coloniais!

Por isso uma coisa me parece certa para as elites post vitorianas que se têm encarregues das potencialidades do “eco-turismo”: para que haja alguma vez capacidade equilibrada de gestão para esta casa comum que dá pelo nome de Terra e nos termos da vida tal qual ela é hoje conhecida, uma capacidade que respeite planeta e humanidade, nada nem ninguém poderá levar de ânimo leve a existência e as aspirações desse proletariado tão historicamente avassalado pelo subdesenvolvimento, nem mesmo quando as únicas comunidades existentes no seu espaço físico-geográfico de implantação e acção, são comunidades “residuais” que animam os desertos!

Os poderosos, no âmbito da Revolução Industrial e da contemporânea Revolução Tecnológica, ao fim e ao cabo sempre procuraram “cultivar” em África os processos de lucro e especulação que os levaram a agarrar-se ao continente, com o apenas indispensável que para ele “transferem”, mesmo que beneficiem dos imensos conhecimentos científicos e técnicos acumulados!

Em África tem-se sobretudo desenvolvido o sector primário da economia e a implantação de estruturas e infra estruturas resulta em função disso e dos estímulos que as elites aplicam aos outros sectores em função desse sector primário, de forma circunscrita, pontual, limitada!

Quanto, por exemplo na África Austral, o eco-turismo não está a ser dimensionado pelas mesmas elites que são detentoras dos projectos kimberlíticos dos diamantes, ou das minas de ouro e urânio, bem como do seu aproveitamento tecnológico e do seu comércio a nível global?

Por muito sedutoras que essas experiências sejam, não passam logo à partida de meras miragens no deserto, ou não fossem essas elites de cartel, um dos mais conseguidos “aríetes” de penetração em África, a verdadeira “lança” típica do império que hoje se move por vias das condutas económicas e financeiras e que vai inspirando, na medida de sua própria crise, a emergência de outros!

As evidências de neo colonialismo em África são cada vez mais enfáticas e uma grande parte das elites africanas não passam de meros instrumentos dos interesses que são estimulados a partir das opções assumidas pela aristocracia financeira mundial e por tabela pelas oligarquias ou elementos decisórios dos “emergentes”!

Desse modo será extremamente penoso ganhar capacidade de luta contra o subdesenvolvimento e enveredar-se por um caminho de desenvolvimento efectivamente sustentável, capaz de renascimento humano e garante de respeito para com o homem, a natureza e o planeta!

Martinho Júnior, Luanda - 13/01/2013

A consultar:
- Memória da escravatura e da sua abolição – Martinho Júnior – http://paginaglobal.blogspot.pt/p/memoria-da-escravatura-e-da-sua-abolicao.html
- Um planeta à beira do precipício – Martinho Júnior – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/01/um-planeta-beira-do-precipicio.html
- Salvar a humanidade já! – Martinho Júnior – http://pagina--um.blogspot.com/2011/02/salvar-humanidade-ja.html
- A lógica com sentido de vida – II – Martinho Júniir – http://tudoparaminhacuba.wordpress.com/2012/12/01/a-logica-com-sentido-da-vida-ii-angola-cuba/
- A lógica com sentido de vida – III – Martinho Júnior – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/12/a-logica-com-sentido-da-vida-iii.html
- A lógica com sentido de vida – IV – Martinho Júnior – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/12/clicar-para-ampliar-martinho.html
- A lógica com sentido de vida – V – Martinho Júnior – http://paginaglobal.blogspot.pt/2012/12/a-logica-com-sentido-da-vida-v.html
- Construamos uma arca de Noé que nos salve a todos – Miguel d’Escoto – Martinho Júnior – http://pagina--um.blogspot.com/2010/08/construamos-uma-arca-de-noe.html
- A Terra é um ser vivo – José Lutzemberger – http://www.anjodeluz.com.br/gaiaeviva.htm
- “La Tierra no necesita de nosotros, nosotros necesitamos de la Tierra” – Leonardo Boff – Alberto Mora – http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=ES&cod=45728; http://www.rebelion.org/noticia.php?id=101770
- Razões e estratégias do ecossocialismo – Michael Lowy – http://www.outraspalavras.net/2012/10/30/razoes-e-estrategias-do-ecossocialismo/

Gravura: Quadro de Malangatana

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