Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das
Nações Unidas para o direito à moradia adequada.
Sexta-feira (22) de
manhã fomos surpreendidos com a notícia da remoção violenta da Aldeia Maracanã,
que ocupava o antigo Museu do Índio, nas imediações do estádio do Maracanã, no
Rio de Janeiro. Reproduzo abaixo um texto da professora Fernanda Sánchez, da
Universidade Federal Fluminense (UFF), sobre o ocorrido.
É assim que se faz
uma Copa do Mundo?
Fernanda Sánchez
(*)
Nesta sexta-feira,
o Batalhão de Choque da Polícia Militar invadiu a Aldeia Maracanã, antigo Museu
do Índio, e agiu com extraordinária truculência. Os policiais jogaram bombas de
efeito moral, gás lacrimogêneo, gás pimenta, bateram nos manifestantes e
prenderam ativistas e estudantes. A Aldeia estava ocupada desde o ano de 2006
por grupos representativos de diferentes nações indígenas que, nos últimos
tempos, diante do projeto de demolição do prédio (para aumentar a área de
dispersão do Estádio do Maracanã, estacionamento e shopping), vinham
resistindo.
As lideranças
indígenas são apoiadas por diversos movimentos sociais, estudantes,
pesquisadores, universidades, comitês populares, organizações nacionais e
internacionais de defesa dos Direitos Humanos, redes internacionais e outras
organizações da sociedade civil. A luta dos índios e o conflito estabelecido
entre o governo e o movimento resultaram num importante recuo do governo, que
diante da pressão social desistiu da demolição do prédio e passou a defender a
sua “preservação”. A desocupação do prédio foi decretada, com hora marcada. Os
índios, no entanto, continuaram a resistir, apoiados por diversas organizações.
Certamente essa
posição política ensina muito mais aos cidadãos cariocas e ao mundo sobre
preservação, direitos e cidades do que as violentas ações que vêm sendo
mostradas nos diversos meios. Para os índios e para as organizações sociais que
os apoiam, preservar o prédio vai muito além de preservar sua materialidade. A
essência da preservação, neste caso como em muitos outros, está na preservação
das relações sociais, usos e apropriações que lhe dão sentido e conteúdo. Seria
um exemplo para o Brasil e para o mundo a preservação da Aldeia Maracanã, o
reconhecimento de seu uso social e a pactuação democrática acerca da
reabilitação arquitetônica do edifício.
Cada vez que se
comete um ato de violência que coloca em risco a integridade de um grupo social
indígena, se esfacela sua cultura, seu modo de vida, suas possibilidades de
expressão. É uma porta que se fecha para o conhecimento da humanidade, como
dizia Levi-Strauss. É essa a Copa do Mundo que o governo quer fazer? É esse
espetáculo da violência, a lição civilizatória que o Rio de Janeiro tem para
mostrar ao mundo? A política-espetáculo tem um efeito simbólico: mostrar que o
avanço do projeto de cidade, rumo aos megaeventos esportivos, far-se-á a
qualquer custo.
Direitos humanos,
democracia e pactuação estão fora da agenda deste projeto de cidade. Os
manifestantes, em absoluta condição de desigualdade frente à força policial e
seu aparato de violência, lançaram mão de instrumentos bem diferentes daqueles
utilizados pelo Batalhão de Choque: ocuparam o prédio para apoiar os índios,
resistiram à sua desocupação e manifestaram, no espaço público, nas ruas e
avenidas do entorno do complexo do Maracanã, sua reprovação e indignação frente
à marcha violenta desta política.
(*) Fernanda
Sánchez é professora da UFF e pesquisadora sobre megaeventos e as cidades.
Uma salva de palmas
Gustavo Barreto
Lendo comentários
sobre o episódio da Aldeia
Maracanã – o próprio nome do famoso estádio de origem tupi:
“maracá-nã” é o que imita o maracá, instrumento semelhante ao chocalho usados
nas celebrações indígenas — vê-se a importância da cultura como ferramenta de
luta para um mundo mais justo. Sem ela não dá.
Percebo, por
exemplo, que o Rio possui muitos apoiadores do modelo político-cultural Eike
Batista — o (modelo) beneficiário direto da maior parte das obras (culturais)
em andamento.
A polícia do Rio
mata e abusa mais do que cenários de conflito que acompanho no meu dia a dia na
África e sul da Ásia. No vídeo do jornal “A Nova Democracia”, para citar apenas
um exemplo, um manifestante foi preso porque foi atingido por bombas (imagens
claras e até a repórter da Globo estupefata com a cena). E a ordem judicial era
clara: sem violência.
Mas a polícia “está
de parabéns” mesmo (como sugeriram comentaristas de última hora) — assim como
estão de parabéns todos os fascistas que sustentam um Estado autoritário por
meio do Direito aplicado para o bem dos mais abastados.
Todos de parabéns.
Uma salva de palmas.
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