JOSÉ PACHECO PEREIRA – Público,
opinião
Não
é para melhorar as escolas, é para mostrar quem manda. O resultado é que, se
houver sarilhos, é porque andaram a pedi-los.
Voltar
a falar de moralidade é algo que só faço com imensa relutância. A palavra e a
coisa são tão ambíguas e prestam-se a tantas manipulações, que a probabilidade
de sair asneira ao usá-la é grande. Por regra, entre o moralismo hipócrita, tão
comum no mundo católico apostólico romano, e o cinismo, eu acho que o cinismo
faz menos estragos em democracia.
O
ponto de vista realista, ou, se se quiser, cínico, pode ser pedagógico em
política, quando esta está cheia de falsos moralismos, densa de presunção
moral. Já houve alturas em que foi assim e ocasionalmente, nalguns momentos e
eventos, é assim. Nessas alturas faz bem lembrar que a natureza humana é como
é, e pode-se ser um carácter duvidoso a título pessoal e ser-se um bom
político, que sirva a comunidade e o bem comum. Churchill serve de exemplo, ou
Lincoln. Parece chocante, mas a moralidade pessoal é um terreno pantanoso em
que é mais fácil entrar do que sair e o julgamento da moralidade alheia, quase
sempre hipócrita, tem a notável tendência de funcionar comoboomerang. É por
isso que só com pinças.
Mas
no tempo em que vivemos não é o moralismo o risco, dada a natureza dos nossos
governantes que cresceram numa cultura amoral e de “eficácia”. Por isso é
preciso o contrário, chamar a moralidade para a praça pública, porque há coisas
que são inaceitáveis numa democracia que desejamos minimamente decente. Já não
digo sequer decente, mas minimamente decente. E têm a ver com a moral porque
atingem a verdade, a recta intenção, o objectivo do bem comum, o respeito pela
dignidade das pessoas e são actos de maldade, de mau carácter, muitas vezes
disfarçados de espertezas e habilidades.
O
exercício desta imoralidade activa na governação impregna toda a vida pública
de maus exemplos, de salve-se quem puder, de apatia ou revolta, de depressão ou
violência. Torna Portugal um país doente e um país pior, promove os habilidosos
sem escrúpulos e afronta os homens comuns, insisto, minimamente decentes, que
não querem o mal para ninguém, desde que os deixem sossegados e sem afronta. É
isso que provoca a institucionalização do dolo, do engano, a construção de
políticas destinadas a tramar portugueses, umas vezes muitos e outras vezes
poucos, sem qualquer vergonha por parte dos seus executantes. E aí eu nasço
redivivo como um moralista agressivo, e falo cem vezes do mesmo, sem descanso.
Não gosto, mas falo.
A
história mais recente e que me fez escrever este artigo foi a desfaçatez do
truque que o Ministério da Educação usou para marcar os exames aos professores
com três dias úteis de pré-aviso, caindo do céu da surpresa no fim de Julho,
com grande estrondo. Na verdade, são teoricamente cinco dias, o mínimo exigido
por lei, mas só teoricamente. O truque foi pré-assinar um despacho em segredo,
no quinto dia divulgá-lo no Diário da República a contar do dia da
sua assinatura, para que na prática faltassem, após o anúncio ser conhecido,
apenas três dias úteis até ao exame, 17, 18, e 21 de Julho. Professores que já
estavam a receber o subsídio de desemprego, que já estavam de férias, e que não
sabiam que iam ter um exame para que é suposto prepararem-se, cai-lhes em cima
uma data que é já praticamente amanhã. Nem o gado é suposto ser tratado assim,
mesmo quando vai para o abate.
Porquê
esta rapidez? A resposta é muito simples: para evitar que os sindicatos
pudessem apresentar um pré-aviso de greve no prazo exigido pela lei – ou seja,
o Governo faz um truque descarado e sem vergonha para contornar uma lei da
República, que permite o exercício de um direito.
Pode-se
ter o ponto de vista que se quiser sobre os exames exigidos a professores que
já tinham as qualificações necessárias para ensinar e, nalguns casos, já
ensinavam há vários anos. Esta é outra questão e sobre ela não me pronuncio. O
Governo pode até ter razão em querer os exames e os professores não ter ao
recusá-los. Aqui posso ser agnóstico sobre essa matéria. Não é sobre isto que
escrevo, mas sobre o pequeno truque, habilidade, esperteza e os seus efeitos de
dissolução social como norma de governação.
Vai
haver quem encolha os ombros e ache muito bem que se pregue uma partida a Mário
Nogueira e aos seus sindicalistas da Fenprof. (No entanto, todos os
sindicato, mesmo os da UGT, dirigidos por membros e simpatizantes do PSD, estão
de acordo em recusar o truque do Governo.) Mas, como a sociedade portuguesa
está em modo de “luta de classes”, há aí muita gente agressiva a querer
vingança no tempo útil que sobra até o Governo cair. A mó já é a mó de baixo e
daí muita raiva pouco contida, que serve de base à indecência.
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