terça-feira, 18 de abril de 2023

Angola | O MISTÉRIO DO TRAFICANTE DA DROGA – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Alguns “activistas” da UNITA estão presos preventivamente ou a cumprir pena. Os dirigentes ou deputados do partido não querem saber deles para nada. Nem há visitas aos detidos. O traficante de droga Gerson Eugénio Quintas (Man Gena) fugiu para Moçambique. Cumpriu uma longa pena de prisão em Luanda e quando foi libertado tornou-se informador da polícia. Deu “à morte” vários traficantes e os seus antigos parceiros de tráfico tentaram matá-lo. 

Um dos pagadores, alguém da direcção do Galo Negro, garantiu-lhe a fuga para Maputo mas em troca ele tinha que “denunciar” pessoas escolhidas a dedo, entre elas, oficiais da polícia. A fuga do traficante tem sido notícia de primeira na Voz da América (VOA), Deutsche Welle (DW), quase todos os Media portugueses e os habituais pasquins angolanos ao serviço da UNITA. Os seus manos moçambicanos ligados à RENAMO, à embaixada dos EUA ou à União Europeia também fazem o seu ruído. O costume. 

No auge da confusão a UNITA mandou a Maputo três deputados entre os quais o “analista político” Olívio Quilumbo. Eles queriam à viva força falar com o traficante de droga Man Gena. Os “activistas” detidos em Luanda são ignorados. Um traficante refugiado em Maputo foi distinguido com a visita dos parlamentares. Porquê? Eis a resposta.

No dia 24 de Maio de 2014 publiquei no Jornal de Angola uma reportagem com este título: “UNITA Pagou Abastecimentos à Jamba com Três Mil Toneladas de Marfim”. Subtítulo: “Traficantes de droga de diamantes e madeira preciosa criaram um esquema mafioso na Jamba”. Eis o texto:

“Políticos, militares sul-africanos de alta patente, comerciantes e industriais, agentes de serviços secretos beneficiaram da guerra suja da UNITA. Joaquim Augusto, piloto e dono do avião que caiu no quartel da UNITA, com João Soares a bordo, recebeu da UNITA três mil toneladas de marfim em pagamento por serviços prestados. O coronel sul-africano Ian Breytenbach, chefe das tropas da UNITA, denunciou os mafiosos e foi saneado. Um jovem tenente foi afastado dos campos de batalha por “fadiga de guerra” quando descobriu num armazém da Inteligência Militar sul-africana, na Faixa de Caprivi, caixas com dentes de elefante e chifres de rinoceronte.

A imagem de Savimbi foi vendida aos governos ocidentais como um democrata que combatia russos e cubanos em Angola. Mas a realidade era outra: “informei um oficial de inteligência de alto nível, que trabalhava com a UNITA,  de tudo o que sabia. Exigi que acabasse imediatamente com o tráfico de marfim e de droga entre a Zâmbia, Jamba e Joanesburgo”, conta Breytenbach. Mas exigiu mais: “vejam-se livres da máfia portuguesa e tomem imediatamente medidas porque estão a dizimar as manadas de elefantes e rinocerontes”. 

A resposta foi eloquente. O coronel Breytenbach pediu para passar à reserva porque queria gerir o parque natural de Caprivi, na Namíbia ainda ocupada. Iniciou funções mas por pouco tempo. A máfia de traficantes de droga, marfim, madeira e diamantes mexeu os cordelinhos em Pretória e ele foi despedido sem qualquer justificação. “Alistair Macdonald mandou-me uma mensagem onde me informava que tinha sido demitido  a pedido das Forças de Defesa e Segurança da África do Sul”, escreveu o coronel.

Ian Breytenbach reagiu e escreveu uma carta pessoal ao chefe das SADF. Este tomou a decisão de manter o coronel no cargo. Mas alguns dias depois um brigadeiro da Inteligência Militar foi à Namíbia e pôs mesmo Breytenbach fora de combate. O contrabando e o tráfico davam milhões e ele estava a deitar tudo a perder, com os seus princípios de ambientalista.

Tenente Fatigado

O mesmo aconteceu a um jovem tenente que em 1987 e 1988 foi combater no Cuando Cubango. O coronel Ian Breytenbach conta como foi saneado: “o jovem tenente informou-me que ao regressar de uma operação em Angola, estava sem mantimentos para a sua tropa. Foi ao Rundu abastecer-se num armazém da Inteligência Militar. Abriu uma caixa e estava cheia de dentes de elefante. Abriu outra e outra, a mesma coisa. Todas as caixas do armazém, em vez de víveres, estavam cheias de marfim”.

As caixas iam ser trocadas por outras cheias de víveres, mas os camiões estavam atrasados.O jovem oficial, “como um bom soldado, decidiu comunicar o facto ao seu comandante. Ele ouviu o relato, ficou irritado, fechou a porta do gabinete e começou a ameaçar o jovem dizendo que ia ter problemas graves na vida se divulgasse a sua descoberta. Poucos dias depois o tenente foi recambiado para a África do Sul sob o pretexto de sofrer de fadiga de guerra”, descreve Ian Breytenbach.

Triângulo do Tumpo

As forças sul-africanas foram destroçadas no Triângulo do Tumpo, à vista do Cuito Cuanavale. A máfia que tinha na Jamba o supermercado de droga tremeu. Os garimpeiros de diamantes e os traficantes de marfim e Mandrax perceberam que as suas actividades criminosas estavam a chegar ao fim.

Os turistas da Jamba entravam e saíam a uma velocidade estonteante. Chegavam de bolsos vazios e partiam com as malas cheias. A ambição levou ao fim dos negócios de uma forma fortuita. No dia 7 de Outubro de 1989 o jornal “Whindhoek Observer” publica uma notícia de primeira página que pôs a nu a rede mafiosa.

“A frota aérea civil do país, considerável à luz da sua pequena população, perdeu um bimotor pressurizado, Cessna 340 com a matrícula 3D-A-F-C, quando se despenhou logo após a descolagem, no Sul de Angola, perto da sede da UNITA. O filho do Presidente da República Portuguesa estava a bordo e sofreu ferimentos graves”.

O avião estava registado na Suazilândia e era propriedade de Joaquim da Silva Augusto, um homem muito rico, proprietário do grupo J&C. O jornal da Namíbia refere que “não se sabe quem autorizou um voo civil a cruzar a fronteira para a base da UNITA em Angola”.

Excesso de Carga

No dia seguinte, a Imprensa sul-africana dava detalhes importantes: “caiu o avião do proprietário de um grande império de negócios e de um armazém de reabastecimento das guerrilhas da UNITA”. Os jornais eram unânimes: O avião do senhor Augusto foi forçado a aterrar, logo após a descolagem, por causa da excessiva carga de marfim que transportava, além dos passageiros João Soares (Partido Socialista Português), Rui Gomes da Silva (deputado do PSD de Portugal), Nogueira de Brito (deputado do CDS de Portugal) e Gepperth Rainer, alemão, da Fundação Hans Seidel.

O jornal da Namíbia voltou à carga no dia seguinte e deu um pormenor importante: “Não foi permitido aos jornalistas contacto com os feridos, incluindo o senhor Augusto. Um pedido deste jornal para entrevistar o senhor Augusto foi recusado pelo ministro das Relações Exteriores, o senhor Roelof ‘Pik’ Botha, que também determinou a proibição de contactos com os deputados portugueses”.

Em Windhoek, o chefe da Conservação da Natureza , Polla Swart, disse que “o senhor Augusto está a ser injustamente acusado de tráfico de marfim”. O problema veio depois. O advogado do milionário português, amigo íntimo da família do Presidente Mário Soares, estragou tudo.

Camiões de Marfim

Barnard Hennie, advogado do abastecedor da UNITA, confirmou à imprensa que “o camião apreendido com uma carga de marfim avaliada em 3,5 milhões de rands é propriedade do senhor Augusto mas ele não tem culpa que andem a usar os seus camiões para fins ilegais”.

Augusto levava na sua frota alimentos para a UNITA e os camiões regressavam carregados de marfim e madeira. Os diamantes e a droga viajavam de avião na bagaem dos “turistas da Jamba”.

Joaquim da Silva Augusto era considerado um dos homens mais ricos da África do Sul. Tinha uma cadeia de supermercados e um grande armazém no Rundu, ponto de partida para os abastecimentos logísticos à UNITA. A derrota dos nazis de Pretória no Triângulo do Tumpo pôs fim ao tráfico e o milionário acabou por ir ao fundo com o regime de apartheid.

Um jornal sul-africano deu uma notícia sobre o acidente aéreo que pode explicar o que estava em jogo. O título da notícia: “milionário ligado a um grande crime”. O milionário é Joaquim Augusto e o crime, tráfico de marfim. A notícia referia que “o desastre ocorreu no Sul de Angola, local que é estritamente vigiado e não é permitida a entrada a nenhum repórter. Um porta-voz do império de negócios do senhor Augusto foi tratado de forma violenta e hostil, quando tentou aproximar-se do local do acidente”.

Internamento Secreto

Em Pretória os deputados portugueses, Joaquim Augusto e Gepperth Rainer foram internados no hospital militar, numa ala onde apenas podia entrar pessoal autorizado pelos serviços secretos. Uma enfermeira portuguesa contou ao Jornal de Angola o que sucedeu: “eu e meu marido soubemos que o nosso amigo Joaquim Silva teve um acidente grave e estava no meu hospital. Fui imediatamente para lá.  Só nesse momento soube que também estava internado João Soares, filho de Mário Soares. No dia seguinte recebeu a visita da mãe e da esposa. Eu pus-me à disposição deles”.

Deputados portugueses foram internados num hospital militar numa ala controlada pelos serviços secretos. João Soares diz que o Jornal de Angola o acusou de tráfico de marfim e de diamantes. Mas quem falou em tráfico e em “crime grave” foi a imprensa do apartheid.

O Vírus da Mentira

João Soares publicou um livro muito interessante intitulado “Notas Convenientes e Inconvenientes” onde fala da sua ligação à UNITA, uma organização que alugou as suas armas ao regime colonial e sobretudo aos “Flechas” da PIDE. Esta amizade nasceu depois do 25 de Abril de 1974, quando já se conheciam as cartas que Savimbi trocou com Marcelo Caetano e os generais Luz Cunha e Bettencourt Rodrigues. Por isso, afinidades políticas com um socialista, não existem.

Escreve Soares (Filho): “Esta minha primeira viagem à Jamba, em meados dos anos 80, nasce da edição de um livro de poemas de Savimbi, algum tempo antes. Era, como várias vezes tive oportunidade de o referir, um livro de poemas bastante maus que, em condições editoriais normais, eu não teria editado”.

Os poemas eram maus, escreve João Soares. Um editor é homem de cultura e jamais promove má literatura. Por isso ele explica porque lesou a cultura de Língua Portuguesa. Foi uma questão “de direitos fundamentais na minha própria pátria”. Uma vez que “a situação que se desenhava, quando aceitei editar o tal livro de poemas, era que o representante da UNITA, o meu amigo Alcides Sakala, não conseguia encontrar editor, pois todos aqueles que tinham sido contactados tinham recusado a edição, por terem, ou estarem na expectativa de virem a ter, negócios com o poder de Luanda”.

Os poemas são maus. Logo, um editor que se preza, não os edita. Mas João Soares acha que os seus colegas editores estavam a rejeitar o livro porque queriam fazer negócios “com o poder em Luanda”, que na época só tinha negócios com editoras de livros escolares. Acontece que essas, na época, não tinham no seu catálogo literatura. O vírus da mentira propagado pela UNITA é mortífero.

Um turista da Jamba, António Maria Pereira, era editor e dos bons. Aliás estava especializado em editar obras de dissidentes. Nem ele quis publicar os “maus poemas” de Savimbi. João Soares publicou. Mas a justificação que dá, é igual à qualidade dos poemas do seu grande amigo Savimbi”.

A visita dos deputados da UNITA ao traficante de droga Man Gena em Maputo só pode ter a ver com o supermercado de droga que era a Jamba. Pelos vistos, mesmo depois da derrota dos nazis de Pretória, o tráfico continuou. Tal como continua o negócio dos diamantes de sangue. É por isso que Francisco Viana, apresentado como “histórico do MPLA” mas é apenas um oportunista de última hora, deixou o tacho no partido do poder e foi eleito deputado nas listas do Galo Negro. Os mafiosos só se dão com as associações de malfeitores e mafias organizadas.

* Jornalista

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