terça-feira, 18 de abril de 2023

Portugal | NUM PAÍS MACHISTA, O ASSÉDIO NÃO SE ESTRANHA

Paulo Baldaia* | Diário de Notícias | opinião

Portugal é um país profundamente machista. Não tendo vivido noutro país que não neste, não sei dizer se é mais machista que muitos outros mas é, seguramente, mais machista do que é suportável no século XXI. O assédio não é sequer um problema onde o homem é sempre o agressor e a mulher é sempre a vítima, mas a razão da indiferença é a mesma: puro machismo. É o orgulho masculino exagerado que impede um homem de se queixar de uma situação de assédio sexual e é a consciência de uma hierarquia social desfavorável que impede a mulher de o fazer.

Sem ilusões. Como o que sabemos sobre assédio é a pontinha de um grande icebergue, não vale a pena fazer grandes extrapolações sobre as estatísticas que existem, sendo certo que as mulheres são as grandes vítimas. Em relação ao assédio, como em relação a muitos outros crimes de género, somos treinados para procurar uma desculpa, uma explicação por mais esfarrapada que seja. A mais comum é a de que se trata de um simples jogo de sedução mas, no fim da linha, está sempre lá a culpa da vítima. Em vez de mostrarmos a nossa intolerância com um superior hierárquico que convida para casa ou para um quarto de hotel (onde estão todos numa conferência, por exemplo) uma subalterna para resolver um problema profissional ou académico, responsabilizamos a vítima por ter aceitado. Como se tudo o que acontece a seguir fosse determinado pela vítima. E o que nunca falha é a condenação das mulheres que só anos mais tarde se sentirão com força, muitas vezes porque outras também o farão, para se queixarem. A sociedade é machista na distribuição do poder e na distribuição das culpas. Dá o poder aos homens e a culpa às mulheres. São séculos e séculos de História.

Chegados aqui, ao ano 23 do século XXI, o que me assusta é olhar para duas áreas que é suposto poderem ajudar a criar uma ideia mais justa de sociedade, a academia e a comunicação social, e perceber que elas estão muito longe de refletirem nas suas estruturas o cada vez maior número de mulheres nessas profissões. Num lado como no outro, nas faixas etárias mais novas, já começa a haver mais mulheres que homens, mas os cargos de chefia são na proporção de 4 para 1. Os últimos dias voltaram a trazer à tona partes do icebergue que estava submergido nas instituições do Ensino Superior e o mesmo já tinha acontecido na televisão. É preciso que se saiba que nas redações também acontece.

A maior injustiça que podemos cometer com essas vítimas é acusá-las de não se terem sabido defender, como já vi acontecer, desconhecendo as fragilidades que transportavam, a começar pelo medo que se deve sentir quando se vê que há gente que sabe e não faz nada. Este caso do CES vem recordar-nos que é sempre assim. Há muito trabalho a fazer. Para que quem sofre assédio se sinta capaz de o denunciar, é preciso que todos os outros se deixem de desculpa e tratem o assédio como algo verdadeiramente intolerável.

*Jornalista

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