WSLA
Moçambique – Verdade (mz)
Pouco se fala do
problema, mas as mulheres são assediadas sexualmente nos transportes públicos.
Os homens tocam-nas e apalpam-nas. “Lá dentro ninguém é de ninguém, é o que
dizem os homens”, afirma Felismina Zandamela, que se encontra no terminal do
transporte da Praça dos Combatentes, vulgo Xiquelene.
Maria de Lurdes, à
espera do transporte no mesmo local, acrescenta: “Os my love (carros de caixa
aberta que transportam passageiros) ajudam, mas também são desconfortáveis para
nós as mulheres, que não usamos calças. Os homens tocam-nos, abraçam-nos, como
se fôssemos suas esposas”. Carlota Tembe nunca viajou num my love, mas garante
que o desconforto não só acontece naqueles carros de caixa aberta, mas também
no transporte público (EMTRM).
“Aquele TPM estava
cheio, mas é o único que me leva ao destino, e já eram 19 horas. Tive que
apanhar, mas arrependi-me”, conta. “Nem conseguia ver o homem que estava atrás
de mim, só sentia o seu suor, e ele deslizava a mão no meu corpo, até nas
minhas nádegas ele tocou, e quando eu reclamava ele dizia que não tinha culpa,
o chapa é que estava muito cheio”. Paulo Timana, gestor de projectos da
Associação Nacional da Rapariga (ANARA), concorda: “Os homens aproveitam-se do
facto de o carro estar lotado e encostam-se, abraçam e tocam nelas”.
A ANARA e a
Associação Rede para Advocacia e Lobby Social Uthende (RUTH), realizam
campanhas pela não-violência contra as mulheres nos transportes em Maputo e
Matola. No Primeiro de Maio, Dia do Trabalhador, marcharam com cartazes que
diziam Não ao assédio à rapariga no acesso ao transporte.
Não há denúncia
As mulheres
reclamam mas não denunciam. “Nunca ouvi dizer que existe algum lugar para
queixar”, disse Zandamela. “Aquele comportamento irrita-me. Ele tocava-me,
segurava as ancas e encostava-se demais, sentia a sua respiração, desci do
chapa antes de chegar ao meu destino e continuei a pé”, acrescenta.
Maria de Lurdes
também passou por um conjunto de actos semelhantes. “Foi constrangedor entrar
naquele carro. Eu estava de saia, mas não tive outra opção senão subir, e
depois suportar o cheiro de cigarro daquele senhor, encostando-me até eu sentir
que ele estava excitado”.
Maria Sopinho,
chefe do Gabinete de Atendimento à Mulher e à Criança Vítimas de Violência,
nunca recebeu queixas de mulheres sobre assédio nos chapas. “Não existe em
Moçambique uma lei que protege as mulheres vítimas de assédio sexual nos
transportes públicos”, explica Berília Cossa, jurista da Mulher e Lei na África
Austral/WLSA.
Existe uma lei que
protege as mulheres do assédio no local de trabalho, mas que não pode ser
aplicada noutras situações. No entanto, como disse Cossa, “o crime de assédio
sexual já vem incluído na proposta de revisão do Código Penal, divulgada pelo
Parlamento a 01 de Julho de 2012”. A ser aprovada, permitirá um melhor
enquadramento deste tipo de crime e incentivará as mulheres a denunciarem as
situações por que passam.
As ruas perigosas
de Maputo
No fim duma tarde
de muito calor na capital do país, quando eu esperava por um chapa na paragem
Vitória, na Baixa, presenciei um momento de tristeza. Passava pela Av. Guerra
Popular uma jovem de saia curta e blusa com decote, quando um jovem,
aparentemente um vendedor, avisou os colegas mediante um assobio. Atacaram
aquela rapariga. Tocaram-na, apalparam-lhe os seios e levantaram-lhe a
minissaia. Gritavam e insultavam- na, ela chorava, mas ninguém fez nada para a
socorrer, inclusive os dois agentes da Polícia que ali estavam.
Numa manhã de
sábado, no terminal dos transportes de Xiquelene, uma jovem foi despida, perante
dezenas de pessoas, por vestir uma minissaia. Os “modjeiros”, ajudantes dos
cobradores, pularam para cima dela, tocaram-lhe nas pernas e nos seios e
tiraram-lhe a saia. Uma senhora solidária ofereceu a sua capulana à jovem para
se cobrir.
Em Maputo, os
lugares com maior frequência de ocorrência desse tipo de abuso são os mercados
e terminais de transportes de Xiquelene, Xipamanine, Benfica e Baixa.
O cenário vivido
nos chapas está a desgastar as mulheres. Não é nada agradável ser tocada e
sentir a excitação de um homem desconhecido, e nalguns casos, a cheirar álcool.
Para além de sofrer com o péssimo transporte público, aguardar em longas
bichas, viajar expostas ao sol e à chuva, as senhoras estão sujeitas ao assédio
de homens que não respeitam o seu corpo e o seu direito de circular em
segurança.
“O nosso impulso
sexual tem que ser sempre satisfeito”
Júlio Langa,
coordenador nacional da Rede Homens pela Mudança (HOPEM), concedeu uma
entrevista sobre o assédio a mulheres nos chapas. Perguntamos a ele se a sua
agremiação trata ou não do assédio nos transportes públicos, tento respondido
que “não especificamente. Mas o assunto do assédio no transporte público faz
parte da criação de condições para que as cidades sejam seguras para as
mulheres”.
Porque é que os
homens apalpam e assediam as mulheres nos transportes públicos? O entrevistado
disse que o que acontece nos chapas não é diferente do que acontece nas ruas,
só que enquanto nas ruas há uma pequena separação, no transporte público já não
há essa separação. O homem tem essa vantagem de estar mais próximo, podendo
abraçar.
“Nos my love estão
todos a pegar um no outro e pode haver alguém que faça isso propositadamente.
Isso tem a ver com o nosso hábito de pensarmos que o nosso impulso sexual tem
que ser sempre satisfeito, não importam as circunstâncias, e isso revela-se nos
nossos comportamentos”.
Outro problema que
concorre para esse comportamento, de acordo com Langa, é a maneira como os
chapas funcionam, pois estes não oferecem condições para que as mulheres
estejam livres dessas situações de assédio: ensardinhar, meter o maior número
possível de pessoas facilita esta tendência que os homens trazem consigo antes
de apanhar um chapa.
Aos homens que
argumentam que as mulheres trajadas de minissaias estimulam o assédio sexual, o
interlocutor diz que “esse tipo de justificações é sempre um esforço para as
pessoas legitimarem o que elas fazem. O maior problema está na maneira como nós
pensamos, nos relacionamos e como olhamos para o corpo de mulheres”.
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