Jornal de Angola -
editorial
As terras do Sul de
Angola estão a ser fustigadas por uma seca severa que atormenta pessoas, gado e
plantações. É um fenómeno natural que se repete há séculos, com maior ou menor
intensidade, com mais ou menos estragos. Mas a natureza também se contraria e o
ser humano sempre foi capaz de moldar o meio às suas necessidades imediatas.
A água é um recurso
que pode ser armazenado e posto à disposição das comunidades, haja ou não
chuva.
No século XIX já existiam projectos detalhados para aproveitamento da água do
Cunene. E referimos este grande rio porque é um dos que tem o seu curso integral
em território angolano e banha grandes extensões do Sul de Angola. Em tempo de
seca severa na região percebemos todos a dimensão da inenarrável tragédia que é
ver as suas águas perderem-se no mar.
As populações do Sul de Angola acreditam nos adivinhos que fazem chover. Têm
belíssimos cantos para chamar a chuva. Sacrificam animais para que ela responda
ao choro dos flagelados. Mas o Cunene corre por ali, caudaloso,
permanentemente, fecundando imensas planícies. É um rio manso, domável, amigo
do ser humano e das suas circunstâncias.
Angola precisa de fazer o aproveitamento integral do Cunene e da sua fabulosa
bacia hidrográfica. Os nossos técnicos são chamados a desenterrar dos arquivos
os velhos estudos do século XIX e começarem a construir albufeiras e barragens,
desde o Bié até à foz.
Naquele tempo não existiam estudos ambientais, mas hoje até temos um ministério
que tem dado passos firmes no caminho da preservação do Ambiente. Só falta
avançar.
O Sul de Angola não pode continuar à espera da chuva. Não pode depender as
“chimpacas” ou “mulolas”. No Sul do país os cidadãos vivem do pastoreio e
aprenderam a partilhar a água com o gado. Mas estamos no século XXI e os
pastores não podem continuar a depender da chuva. Os rios da região têm um
potencial que ultrapassa largamente as necessidades da Huíla, Kuando-Kubango,
Namibe e Cunene. É verdade que muitos dos rios se escondem no areal quando
chega o Cacimbo. Mas os rios que correm permanentemente são mais do que
suficientes para responderem às necessidades das redes de canais de irrigação
que vão garantir pastos permanentes e albufeiras com capacidade para dar de
beber às pessoas e ao gado.
As províncias do Sul de Angola têm milhares de cabeças de gado. Ninguém sabe ao
certo quantas são, mas sabemos que em tempo de seca o gado velho aguenta melhor
a sede. Milhares de cabeças de gado jovens morrem devido à falta de água. O
prejuízo é evidente e irreparável. As comunidades pastoris têm sede. Os
camponeses não conseguem retirar da terra o seu sustento porque a seca não
deixa. A emergência da situação obriga a que sejam enviados para a região os
alimentos que a agricultura não dá. O espectro da fome ameaça milhares de
pessoas. É importante resolver o problema imediato. Mas não é menos importante
encontrar uma saída definitiva para esta tragédia cíclica que atormenta as
comunidades do Sul de Angola há muitos séculos.
A solidariedade é importante e os angolanos aprenderam nas últimas décadas a
fazer dela a grande arma para garantir a sobrevivência em situação de guerra.
Todo o país está solidário com a tragédia que se abateu sobre grandes
comunidades nacionais.
Mas este também é o tempo de contrariar a natureza e lançar projectos que
garantam água em abundância, em tempo de estiagem ou seca severa, a todos os
angolanos das quatro províncias afectadas. Não podemos deixar a água do Cunene
fugir para o mar. Não podemos permitir que a umas dezenas de quilómetros do
grande rio, haja populações sem água potável ou para o gado beber. Não podemos
desperdiçar as imensas planícies do Sul, deixando-as secar, quando a região tem
uma rede hidrográfica de imenso potencial.
O gado não pode morrer de sede e de fome, com o Cunene e os seus afluentes tão
perto da terra gretada e sem pastos. As comunidades das quatro províncias não
podem viver tormentos com a falta de água nas lavras, quando afinal os rios
levam para o mar o que tanta falta lhes faz. Os canais de irrigação e as
albufeiras não se fazem de um dia para o outro. Mas se começarmos hoje, daqui a
poucos anos, nunca mais voltamos a ouvir falar de populações flageladas pela
seca severa. As terras do Sul podem alimentar Angola inteira e até todo o
continente africano, desde que saibamos aproveitar os abundantes recursos
hídricos que lá existem.
Temos tudo para fazer do Sul de Angola o celeiro nacional. Mas para isso é
preciso impedir que a irregularidade das chuvas não determine a produção
agrícola, a criação de gado e a vida das comunidades. Temos tudo para vencer a
seca. Esta é a altura de começar esse combate. Porque essa é a mais forte
mensagem de solidariedade que podemos enviar às populações da região.
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