quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Sistema está organizado para favorecer candidatos únicos, diz derrotado em 1999




Macau, China, 17 dez (Lusa) -- O único candidato derrotado em 15 anos nas eleições para chefe do Executivo de Macau desde a transferência da administração para a China admite que o sistema está organizado para candidaturas únicas existe uma predisposição para haver apenas um nome na corrida.

"Ficaria surpreendido é se tivesse surgido alguém", diz Stanley Au, em entrevista à agência Lusa, comentando o facto do atual chefe do Executivo ter sido reeleito sem oposição.

A primeira e única disputa eleitoral deu-se em maio de 1999, meses antes da transferência do exercício de soberania para a China, com Stanley Au a sofrer uma pesada derrota frente ao também banqueiro Edmund Ho: conquistou 34 votos de uma comissão composta por 200 individualidades.

Hoje, o empresário, de 73 anos, que aspirava tornar-se o primeiro chefe do Executivo da então futura Região Administrativa Especial, admite que só concorre quem tem a certeza de conseguir ganhar a maioria dos apoios do colégio eleitoral.

"Depois da primeira eleição, as pessoas viram os resultados. Por isso, não têm coragem para fazer frente à impossibilidade", defende o empresário que confessa ter acreditado até ao último momento que poderia sair vencedor.

Contudo, hoje, à distância de década e meia, reconhece ter cometido um "erro de cálculo": o apoio de Pequim. "Pensei que Pequim iria escolher competência em vez de [privilegiar as] relações".

Edmund Ho, filho do antigo líder da comunidade chinesa Ho Yin, o qual possuía importantes ligações com o governo comunista de Mao Zedong e teve um papel de destaque como elo entre as autoridades portuguesas de Macau e o governo de Pequim antes do estabelecimento de relações diplomáticas, era desde a primeira hora apontado como favorito de Pequim.

"Concorri porque pensei que poderia contribuir para o bem-estar de Macau", recorda Stanley Au, invocando o 'slogan' do manifesto -- "manter estabilidade mas também procurar mudanças" --, sem esquecer o "trabalho de preparação" efetuado. "Estava muito comprometido", lembra o empresário, para quem "as suas estratégias de campanha foram todas reprimidas".

Stanley Au não tem dúvidas sobre o desejo das pessoas de Macau: "Tenho a certeza de que gostariam de ter mais escolha e não penso que gostem que certas coisas lhes sejam 'dadas'".

E, aponta, que a evolução vai nesse sentido. "Os jovens e as pessoas com um maior nível de formação estão à procura de liberdade e de democracia", uma "vontade" que "será mais evidente" à medida que cresce o nível de educação em Macau.

"Penso que todo o ser humano gostaria de ter liberdade e democracia. Mas, claro, dadas determinadas circunstâncias, há um consenso sobre se a 'mãe-pátria' gostaria disso ou não e não se quer 'aborrecer' o sistema político da China. Há receios", realça Stanley Au.

Essa vontade de ter uma voz ativa na escolha do líder do Governo não é, contudo, visível nas ruas, como em Hong Kong, onde os residentes saem frequentemente para a rua para exprimir as suas aspirações.

"Macau está sob uma situação política diferente. As pessoas são menos corajosas e têm menos visão do que as de Hong Kong e não querem pagar o preço, que pode ser qualquer coisa como perder oportunidades ou ir para a prisão. Basta ver o caso dos estudantes de Hong Kong mesmo sendo apenas uma manifestação...", diz.

Os jovens que se têm vindo a evidenciar são "iniciantes", mas conquistaram a simpatia de muitos, os quais não têm, no entanto, "coragem", talvez por "o ambiente não ser propício ou favorável". Não obstante "o descontentamento escondido", "ninguém quer uma revolução".

Em paralelo, "Macau está sob mais pressão política contra movimentos democráticos. Porquê? Macau não tem muitos jornais independentes e depende muito mais da China", sustenta Stanley Au, para quem o facto de a região ser qualificado de 'bom aluno' -- por oposição à região vizinha -- é um efeito disso mesmo.

"Somos bem-comportados por causa da pressão política. Temos de depender dos casinos, as pessoas dependem mais do Governo e dos interesses velados do que em Hong Kong", pelo que essa é a razão pela qual as pessoas não se manifestam tanto em Macau.

Mas, "há cada vez mais residentes a elevarem as suas vozes", nota, destacando a recente agitação civil de maio, quando milhares de pessoas se manifestaram contra uma proposta de lei que previa regalias para os titulares de cargos políticos (a qual acabou por ser retirada pelo Governo), num dos maiores protestos desde 1999.

Apesar de haver mais vozes essas "vão levar mais tempo a 'explodir'", uma vez que o poder económico continua a tomar conta de instâncias como o hemiciclo: "Mais de metade pertence a interesses velados, por isso, Macau está bem controlada politicamente", diz Stanley Au, que chegou a ser deputado nomeado da Assembleia Legislativa no primeiro mandato de Edmund Ho.

Até 2049, Stanley Au acredita que Macau vai assistir a "algumas grandes mudanças", mas sem grandes ilusões, afirmando apenas ser "razoável" que o território siga os passos de Hong Kong.

"Se em Hong Kong houver sufrágio universal, penso que as pessoas de Macau também vão tentar lutar por ele se também o quiserem".

DM // PJA

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