segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Portas deve depor no MP sobre os documentos desaparecidos dos submarinos?



Paulo Gaião – Expresso, opinião, em Blogues

O então ministro da Defesa Paulo Portas deu ordem em fevereiro de 2005, a dois meses de abandonar o cargo, para digitalizar 61893 páginas de documentos do Ministério da Defesa, alguns deles pertencentes a dossiês que tinham inscrito na lombada "Submarinos" e "Confidencial".

Hoje, com a denúncia do caso dos documentos desaparecidos dos submarinos, é quase impossível não fazer a relação com as cópias tiradas em 2005. Pode ter sido levado inadvertidamente algum documento original?

No âmbito de um artigo de investigação publicado no Expresso a 10 de novembro de 2007, o jornalista Carlos Rodrigues Lima questionou o Ministério Público, através do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), sobre a razão de Paulo Portas nunca ter sido chamado a prestar declarações sobre a digitalização de documentos no Ministério da Defesa.

Na resposta, O DCIAP disse o seguinte: "O apurado quanto à digitalização realizada noutros ministérios permitiu atenuar as suspeitas que recaíam sobre a digitalização realizada no Ministério da Defesa Nacional, sendo certo que, face à ausência dos suportes das gravações e de indícios de um propósito de divulgação, não se mostravam preenchidos os pressupostos da verificação de crime" de violação do segredo de Estado.

O DCIAP refere-se nesta resposta aos autos do processo Portucale, que envolveu vários dirigentes do CDS/PP, onde também se falou do Ministério da Defesa, de cópias e submarinos. No âmbito do referido processo apurou-se que o então ministro do Ambiente, Luís Nobre Guedes e o então ministro do Turismo, Telmo Correia, ambos do CDS/PP, também digitalizaram documentos dos seus ministérios. O que para o MP atenuava as suspeitas sobre Paulo Portas e a digitalização de documentos do Ministério da Defesa.

O DCIAP também alude na resposta à ausência de "suportes de gravação" das câmaras de videovigilância do Ministério da Defesa, os quais foram solicitados pelo Ministério Público para verificar a entrada de pessoas estranhas ao Ministério da Defesa que foram digitalizar as 61893 páginas de documentos.

A este passo, convém, recordar alguns pormenores da investigação de Carlos Rodrigues Lima. O jornalista do Expresso consultou o processo Portucale e transcreveu dos autos os depoimentos dos funcionários da empresa contratada particularmente por Paulo Portas para digitalizar os documentos que se encontravam no Ministério da Defesa, era então o líder do CDS/PP ministro da Defesa.

Os funcionários da empresa disseram nos autos que entraram no Ministério da Defesa Nacional pela porta das traseiras entre as 20 e as 21 horas do dia 12 de fevereiro de 2005 (um sábado), oito dias antes das eleições legislativas que deram a vitória ao PS de José Sócrates com maioria absoluta.

Apenas tiveram de dizer ao militar de serviço que iam ter com o assessor do ministro Paulo Portas, tendo aquele aberto imediatamente a cancela sem lhes pedir qualquer identificação.

Já no interior do Ministério da Defesa, após terem recebido instruções do referido assessor de Paulo Portas, começaram a digitalizar os documentos respetivos. Recordam que nas lombadas dos dossiês estavam inscrições como "Submarinos", "NATO", "Iraque", "ONU", tendo em muitas pastas a indicação de "Confidencial".

Um dos funcionários da empresa de digitalização lembra que entre os documentos existiam diversos faxes, contratos e trocas de correspondência relacionados com a compra dos submarinos e a guerra do Iraque.

A empresa apresentou posteriormente a factura, onde constava a descrição das cópias tiradas em número de 61.893 páginas, a qual foi paga pelo então assessor jurídico de Portas, André Huet, através de um cheque de 3 mil euros e duas tranches de 600 euros em numerário, tal como consta também nos autos do processo Portucale.

O que pensar disto tudo?

Não é normal que um ministro da Defesa possa digitalizar particularmente, para uso pessoal, sem fiscalização nem escrutínio público, milhares de documentos do Estado, muitos deles classificados como confidenciais.

Não é normal que possa ser qualquer empresa a digitalizar os documentos e não os próprios serviços do Estado ou, pelo menos, uma empresa certificada publicamente para o efeito.

Não é normal que os funcionários da empresa que digitalizou os documentos entrem num sábado à noite no Ministério da Defesa e nem sequer tenha sido feito o seu registo de entrada.

Não é normal uma acção concertada dos ministros do PP de digitalização dos documentos do seu ministério.

Não é normal que os portugueses não saibam que documentos foram digitalizados por Paulo Portas e pelos outros ministros do CDS/PP.

Não é normal que o Ministério Público não tenha aberto um processo autónomo sobre a digitalização dos documentos do Ministério da Defesa por Paulo Portas e também da digitalização feita pelos outros ministros do CDS/PP para garantir a sua função de defesa da legalidade democrática.

Não é normal que o Ministério Público conclua que face à digitalização de documentos pelos ministros Nobre Guedes e Telmo Correia foram atenuadas as suspeitas em relação à digitalização feita por Paulo Portas, sem indagar a ação conjunta de digitalização por parte dos três ministros, as suas razões e motivações. Como foram os três a digitalizar, acabaram por ser deixados em paz, o que só não cai no anedotário judicial porque a podridão do país deixou de permitir o riso com este tipo de coisas.

Não é normal que o Ministério Público tenha referido que se atenuaram as suspeitas em relação à digitalização dos documentos do Ministério da Defesa, sem dizer, por exemplo, que se extinguiam as mesmas e não tenha aberto ação penal para descobrir a verdade.

Não é normal que o Ministério Público refira no âmbito de outro processo, no caso o Portucale, que não há indícios de um propósito de divulgação dos documentos digitalizados do Ministério da Defesa sem apurar em processo autónomo que documentos foram digitalizados por ordem de Paulo Portas, quem os digitalizou, qual foi o seu destino e se, porventura, se perderam alguns documentos originais que foram digitalizados.

Não é normal que o Ministério Público fale na ausência de indícios da intenção de divulgar os documentos digitalizados do Ministério da Defesa e pareça desvalorizar a amplitude do artigo 316º do Código Penal sobre violação do segredo de Estado que diz: "Quem, pondo em perigo interesses do Estado Português relativos à independência nacional, à unidade e à integridade do Estado ou à sua segurança interna e externa, transmitir, tornar acessível a pessoa não autorizada, ou tornar público facto ou documento, plano ou objecto que devem, em nome daqueles interesses, manter-se secretos é punido com pena de prisão de dois a oito anos."

Hoje, com o caso dos documentos desaparecidos do Ministério da Defesa, as perplexidades que sempre existiram tornam-se ainda mais preocupantes.

Sobra uma consolação. O tempo não é problema. O eventual crime de violação do segredo de Estado só prescreve dez anos após a sua prática. Investigue-se. De que tem medo o MP?

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