Deutsche Welle
Entraves para
punição de culpados vão desde o foro privilegiado até a morosidade da Justiça
brasileira. Apesar disso, o país tem avançado no combate a atos ilícitos,
avaliam observadores.
Em meio à fase
final do julgamento do mensalão – considerado por analistas e autoridades o
maior julgamento de um caso de corrupção no país -, a capacidade brasileira de
punir desvios na administração pública é questionada. Autoridades,
representantes de ONGs e ativistas estão reunidos em Brasília desde esta
quarta-feira (07/11) para a 15ª Conferência Internacional Anticorrupção,
promovida pela ONG Transparência Internacional.
Os mais de 1,5 mil
participantes apresentam e debatem, até o próximo sábado, exemplos de
iniciativas consideradas eficientes no combate à corrupção. A conferência
acontece a cada dois anos e, desta vez, o Brasil foi escolhido para sediar o
evento por ser reconhecido pelos organizadores como um país que tem avançado no
combate a práticas ilegais na administração pública e privada.
Nos debates, a
corrupção é considerada uma força destruidora de sociedades. Huguette Labelle,
presidente da Transparência Internacional, coloca esse problema no centro das
principais ameaças enfrentadas pela humanidade. Para ela, ter instituições
sólidas e um sistema de leis eficiente não esgota o problema. “Nós todos
sabemos que fazer valer as leis é o que realmente importa, no final das contas.
O ‘não à impunidade' não deve ser apenas um slogan”, disse. “É aí que o sistema
judiciário deve cumprir seu papel."
Dados recentes do Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) mostram que a corrupção tem
impactos devastadores sobre o desenvolvimento. Estima-se que a corrupção custe,
a cada ano, mais de 5% do PIB global, o equivalente a 2,6 trilhões de dólares
ou à sexta economia do mundo se fosse considerada um país.
Foro privilegiado e
recursos intermináveis
Jorge Hage,
ministro-chefe da Controladoria Geral da União (CGU), a agência anticorrupção
brasileira, afirmou que as “possibilidades de eternização de um processo no
Brasil” são responsáveis pelo entrave ao combate à corrupção. Para ele, o
julgamento do mensalão representa um avanço, por reafirmar a independência da
Justiça brasileira, mas é um caso excepcional, por envolver nomes importantes
no cenário nacional. “Esta foi a primeira ação importante de muitas e muitas
que ainda não foram julgadas e que tramitam - e tramitarão - por 10, 20 anos
sem nunca chegarem ao final”, lamentou o ministro.
No caso do
mensalão, o julgamento foi iniciado diretamente na corte suprema do país pelo
fato de muitos dos acusados terem o chamado foro privilegiado, direito concedido
a ocupantes de determinados cargos, como ministros. Mas esse não é o caso da
maioria das ações, que podem passar pelas quatro instâncias do sistema
judiciário brasileiro.
Wellington Cabral
Saraiva, membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e de grupos de trabalho
sobre corrupção, defende sistemas de recursos mais simples e revisão de uma
interpretação do Supremo Tribunal Federal que somente obriga o condenado a
cumprir as penas quando forem esgotadas todas as possibilidades de recurso. “Os
advogados criminalistas no Brasil hoje são estimulados pela legislação e por
essa interpretação do Supremo a recorrer indefinidamente, só para que o
processo demore e para que o réu não comece a cumprir a pena”, explicou.
Uma das saídas
encontradas pelos órgãos brasileiros anticorrupção foi adotar mecanismos
administrativos para afastar funcionários culpados. “Nos últimos oito anos,
mais de quatro mil funcionários públicos foram dispensados da administração
federal sem que nós tivéssemos que apelar para o judiciário”, disse o
ministro-chefe da CGU. O conselheiro Wellington Saraiva admite a eficácia
desses instrumentos, mas ressalta que atos administrativos não anulam a
necessidade de investigações criminais em muitos dos casos.
Cidadão comum sai
perdendo
Com essa combinação,
a população em geral acaba sendo a maior prejudicada, avalia Hugette Labelle. “No
final das contas, o que temos são processos que nunca chegam ao final e, se são
culpadas, as pessoas acabam conseguindo ‘comprar' sua liberdade”, disse Labelle
ao lembrar que isso cria uma sociedade desigual formada por pessoas que não
confiam no sistema de leis.
No Brasil, a Transparência
Internacional é representada pela Amarribo (Amigos Associados de Ribeirão
Bonito), ONG que surgiu do desejo dos moradores da pequena cidade brasileira de
retirarem do poder um prefeito corrupto. O presidente da instituição, Jorge
Sanchez, reconheceu que o julgamento do mensalão tem ajudado a população a
restaurar a confiança na justiça, mas é preciso ir além. “Para o cidadão comum,
não importa que os culpados sejam postos na cadeia, mas que esses recursos
[desviados] voltem aos cofres públicos para serem reinvestidos em saúde,
educação e segurança, que é o que importa, efetivamente, para o cidadão comum.”
Metas do Judiciário
Como resposta à
demanda social por punições, os presidentes de tribunais brasileiros assumiram,
nesta terça-feira, o compromisso de identificar e julgar, até dezembro de 2013,
todos os processos que envolvam denúncias de corrupção. A meta foi traçada
durante o VI Encontro Nacional do Poder Judiciário e atinge os processos
iniciados antes de dezembro de 2011.
Durante esse
evento, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ayres
Britto, afirmou que o combate à corrupção é um das metas do CNJ. “Precisamos
fazer de nossas pautas de audiências mecanismo de diálogo permanente com a
sociedade que anseia pelo banimento da corrupção. Se fizermos isso, estaremos
cumprindo nosso compromisso que se legitima pelo cumprimento da constituição”,
disse o ministro durante pronunciamento.
Welington Cabral
Saraiva lembra, entretanto, que a meta é uma recomendação, e não uma norma. “Isso
é uma sinalização do CNJ e de todo o Poder Judiciário brasileiro da importância
que as ações relativas a corrupção têm no serviço do próprio poder judiciário”,
avaliou.
De acordo com dados
de 2011 do Conselho Nacional de Justiça, há dois anos o Brasil tinha mais de
1,4 mil ações penais em tramitação e mais de 800 apelações em andamento nos
Tribunais Estaduais. Nos Tribunais Federais, eram 8.144 as ações penais e mais
de 200 recursos em
tramitação. Nos Tribunais Superiores, os números mostravam
uma ação penal e 103 recursos em andamento.
Autor: Ericka de
Sá, de Brasília - Revisão: Francis França
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