quinta-feira, 8 de novembro de 2012

UMA EUROPA DA SOLIDARIEDADE, NÃO APENAS DA DISCIPLINA

 

George Soros – Público, em colaboração com o Project Syndicate
 
Originalmente, a União Europeia era o que os psicólogos chamam de “objecto fantástico”, um objectivo desejável que inspira a imaginação das pessoas. Eu encarava-a como a materialização de uma sociedade aberta – uma associação de Estados-nação que abdicaram de parte da sua soberania por um bem comum e que formaram uma união onde nenhuma nação ou nacionalidade dominavam.
 
A crise do euro, no entanto, transformou a União Europeia em algo radicalmente diferente. Os países-membros dividem-se agora em duas classes – credores e devedores – com os credores no comando. Como é o país maior e mais digno de crédito, a Alemanha ocupa uma posição dominante. Os países devedores pagam substanciais prémios de risco para financiar a sua dívida pública, o que se reflecte nos seus elevados custos genéricos de financiamento. Isto empurrou-os para uma espiral deflacionária e colocou-os numa posição de substancial – e potencialmente permanente – desvantagem competitiva relativamente aos países credores.

Este resultado não é o reflexo de um plano deliberado, mas antes de uma série de erros políticos. A Alemanha não procura ocupar uma posição dominante na Europa e está relutante em aceitar as obrigações e responsabilidades que uma tal posição acarreta. Chame-se a isto a tragédia da União Europeia.

Os desenvolvimentos recentes parecem oferecer razões para optimismo. As autoridades estão a dar passos para corrigir os seus erros, especialmente com a decisão de formar uma união bancária e o com programa de transacções monetárias directas, que permitiria a intervenção ilimitada pelo Banco Central Europeu no mercado da dívida soberana. Os mercados financeiros receberam a garantia de que o euro veio para ficar. Esse poderá ser um ponto de viragem, desde que seja adequadamente reforçado com passos adicionais no sentido de uma maior integração.

Infelizmente, a tragédia que se desenrola na UE alimenta-se caracteristicamente de tais lampejos de esperança. A Alemanha permanece disposta a fazer o mínimo – e nada mais – para manter a coesão do euro, e os recentes passos da UE apenas reforçaram a resistência alemã a concessões adicionais. Isto perpetuará a divisão entre países credores e devedores.

Um fosso cada vez maior no desempenho económico e no domínio político é uma perspectiva tão sombria para a UE que não pode ser permitido que se torne permanente. Deve haver um modo de preveni-la – afinal, a história não é predeterminada. A UE, originalmente concebida como um instrumento de solidariedade, é hoje mantida coesa por uma necessidade cruel. Isso não conduz a uma parceria harmoniosa. O único modo de inverter esta tendência é recapturar o espírito de solidariedade que animou o projecto Europeu desde o início.

Para esse fim, estabeleci recentemente uma Open Society Initiative for Europe (OSIFE) (NdT: Iniciativa da Sociedade Aberta para a Europa, um projecto do Open Society Institute, de que George Soros é o Presidente). Ao fazer isso, reconheci que o melhor lugar para começar seria onde as políticas actuais tivessem criado o maior sofrimento humano: a Grécia. As pessoas que estão a sofrer não foram quem abusou do sistema e causou a crise. O destino de muitos migrantes e requerentes de asilo envolvidos na Grécia é particularmente pungente. Mas o seu sofrimento não pode ser separado do sofrimento dos próprios gregos. Uma iniciativa limitada aos migrantes apenas reforçaria a xenofobia e o extremismo crescentes na Grécia.

Não conseguia descortinar como abordar este problema aparentemente insolúvel até ter visitado recentemente Estocolmo, para comemorar o centenário do nascimento de Raoul Wallenberg. Isto reacendeu as minhas memórias da Segunda Guerra Mundial – a calamidade que acabou por levar à criação da UE.

Wallenberg foi um herói que salvou as vidas de muitos judeus na minha cidade natal de Budapeste, ao estabelecer casas de abrigo suecas. Durante a ocupação alemã, o meu pai também foi uma figura heróica. Ajudou a salvar a sua família e amigos e muitos outros. Ensinou-me como enfrentar a dura realidade em vez de me submeter passivamente a ela. Foi isso que me deu a ideia.Poderíamos fundar centros de solidariedade na Grécia, que serviriam como centros comunitários para a população local e também forneceriam alimentos e abrigo aos migrantes. Já há muitas cozinhas económicas e esforços da sociedade civil para ajudar os migrantes, mas estas iniciativas não conseguem lidar com a escala do problema. O que tenho em mente é reforçar estes esforços.

A política de asilo da UE desmoronou-se. Os refugiados devem registar-se no país-membro onde entram, mas o governo grego não consegue processar os casos. Cerca de 60 mil refugiados que procuraram registar-se foram alojados em centros de detenção onde as condições são desumanas. Os migrantes que não se registam e que vivem na rua são atacados pelos vândalos do partido neofascista Aurora Dourada.

A Suécia deu alta prioridade às políticas de migração e asilo, ao mesmo tempo que a Noruega está preocupada com o destino dos migrantes na Grécia. Portanto estes dois países seriam candidatos de primeira linha ao apoio a centros de solidariedade. E outros países abastados poderiam juntar-se-lhes. A OSIFE está pronta a fornecer apoio para esta iniciativa, e espero que outras fundações estejam interessadas em fazer o mesmo. Mas este tem de ser um projecto europeu – um projecto que acabe por encontrar o seu lugar no orçamento europeu.

Actualmente, a Aurora Dourada está a ganhar espaço político fornecendo serviços sociais aos Gregos ao mesmo tempo que ataca os migrantes. A iniciativa que proponho ofereceria uma alternativa positiva, baseada na solidariedade – a solidariedade dos europeus para com os gregos e dos gregos para com os migrantes. Daria uma demonstração prática do espírito que deveria inspirar toda a UE.

Tão depressa quanto possível, enviarei à Grécia uma equipa da OSIFE para avaliação de necessidades, de modo a contactar as autoridades – e as pessoas e organizações que já estão a ajudar os necessitados – no sentido de criar um plano para o qual possamos recolher o apoio do público. O meu objectivo é fazer reviver a ideia da UE como um instrumento de solidariedade e não apenas de disciplina.

Traduzido do inglês por António Chagas/Project Syndicate
 

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