Vinte e dois anos
após o desmantelamento do KGB, as ligações à organização continuam a
desencadear fortes emoções na Lituânia. A publicação dos nomes de
ex-colaboradores dos serviços de segurança soviéticos traz a lume políticos e
quadros do Estado. Será que ainda representam uma ameaça para o país?
O KGB [Comité de
Segurança do Estado] – os serviços de informação da União Soviética – foi
desmantelado em outubro de 1991. Desde então, sempre que o Centro de Pesquisa
sobre Genocídio e Resistência na Lituânia publica um novo documento – listas de
quadros ou antigos agentes do KGB, ou testemunhos sobre a atividade dos agentes
soviéticos –, desencadeia-se uma enorme reação: o sítio de Internet do centro (www.genocid.lt) deixa
rapidamente de funcionar, devido ao afluxo de visitantes. Dentro de 50 anos, a
história do KGB deixará de suscitar grande interesse, mas, hoje, continua a
afetar as vidas e as relações de muitos lituanos, nomeadamente dos ex-agentes
da segurança soviética que se tornaram políticos ou altos quadros do Estado.
Mais uma vez, a
recente publicação da lista dos coordenadores dos serviços regionais do KGB
desencadeou novas reações acaloradas. Consta dela o nome do diretor do
Instituto da Polícia Criminal, Algirdas Matonis, entre os de muitas pessoas que
ocupam atualmente cargos importantes. Até agora, a sociedade lituana
desconhecia esse seu passado.
Segredo de Estado
Desde o final da
Segunda Guerra Mundial, mais de 100 mil pessoas trabalharam para o KGB, na
Lituânia. Em 1990, cerca de 6000 lituanos eram agentes da organização. A grande
maioria escapou à lustração [purga política] e trata esse passado como um
segredo. Cerca de 1500 ex-colaboradores optaram por reconhecer a sua
participação e ver, assim, a sua relação com a segurança soviética cair na
categoria de segredo de Estado, segundo os termos de uma lei promulgada em
1999. Entre os agentes confessos, muitos trabalharam para o KGB bastante antes
de 1990.
Não há dados
precisos que permitam quantificar o número de ex-funcionários do KGB que hoje
trabalham na Função Pública. Segundo Arvydas Anusauskas, que chefia a comissão
parlamentar de defesa e segurança nacional, um milhar de quadros lituanos
trabalhava ainda para o KGB aquando do seu desmantelamento, em 1991. Alguns
reformaram-se. Cerca de 200 entraram para serviços do Estado. Na sequência da
aprovação da lei de 1999, que prevê restrições à contratação de ex-funcionários
e agentes do KGB pela Função Pública, apenas algumas dezenas de pessoas
obtiveram autorização judicial para manter os seus cargos.
Entravados pelo seu
passado
Terese Burauskaite,
diretora do Centro de Investigação sobre Genocídio e Resistência na Lituânia,
analisa há muitos anos os arquivos do KGB e afirma reconhecer entre altos
quadros do Estado pessoas que trabalharam para o KGB e não o admitiram. Mas é
difícil prová-lo em tribunal. "Nós, investigadores, não dispomos de provas
suficientes, pois apreciamos a atividade como um todo. Mas a justiça tem uma
abordagem diferente. Nem todos os documentos apresentados têm necessariamente
valor legal. São cópias, documentos sem assinatura, rascunhos, cadernos de
trabalho. Sabemos que o material é verdadeiro, os nomes das pessoas estão lá,
mas isso não basta para ser usado como prova em tribunal", lamenta.
Vários candidatos
foram entravados pelo seu passado de agentes do KGB na última eleição
legislativa. Foi o caso de um famoso químico que teve que admitir ter
colaborado com a segurança soviética: afirmou que essa colaboração durou apenas
um ano, mas provou-se que se prolongou por uma década. Os nomes de vários
políticos aparecem nas listas de agentes do KGB na reserva, publicadas
recentemente pelo Centro de Investigação. Pelo menos sete são membros do
Partido Social-Democrata [que venceu as eleições parlamentares de 28 de outubro
e vai formar o próximo governo]. O mais famoso é o antigo ministro dos Negócios
Estrangeiros e atual embaixador na Letónia, Antanas Valionis. As restrições
[nos termos da lei de 1999] para antigos funcionários na reserva do KGB
expiraram em 2009. Isso significa que, hoje, os antigos membros do KGB podem
ocupar qualquer cargo público.
Arvydas Anusauskas
não considera isso preocupante. "Se, através dessa lei, uma pessoa perdeu
um emprego de procurador, quais são as possibilidades de ser contratado
passados dez anos? As suas competências e conhecimentos já deixaram de ser
válidos", aponta.
Atraídos com
promessas ou ameaças
Os documentos revelam
que nenhum lituano colaborou de bom grado com o KGB. Como explica Terese
Burauskaite, os novos colaboradores eram atraídos quer com promessas quer com
ameaças. Daí a maioria dos ex-funcionários do KGB ter acolhido tão bem a
oportunidade de se redimir.
Os que não se confessaram perderam a paz de espírito para sempre, porque nunca
vão ter certeza de que a sua relação com o KGB não será revelada algum dia,
defende a diretora do Centro.
Deve-se então temer
o espetro do KGB? Questionado sobre os antigos agentes do KGB que podem,
eventualmente, continuar a passar informações à Rússia, Arvydas Anusauskas
responde em abstrato: não é possível rejeitar essa hipótese, mas também é
impossível responder de forma mais concreta. Igualmente impossível é negar que
ex-agentes do KGB na Rússia e na Lituânia continuem a estar em contacto, a
entreajudar-se em questões profissionais e a partilhar informações. "Como
disse Putin, ex-KGB é coisa que não existe. Nesse aspeto, tem razão",
resume o deputado conservador.
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