sexta-feira, 22 de março de 2013

O REGRESSO DO MONSTRO




Ana Sá Lopes – Jornal i, opinião

Está consumado o retorno de Sócrates à política. Vai ser mau para o PS

A RTP fez a contratação da época: ter o ex-primeiro-ministro, até aqui mudo no seu exílio Erasmus em Paris, a comentar a actualidade semanal é um feito para a estação pública. Pela primeira vez em meses, a RTP é notícia por boas razões – teve uma excelente decisão do ponto de vista jornalístico e deu um bigode à concorrência. Apesar das suas particulares mais-valias, nem Marques Mendes (recrutado recentemente pela SIC), nem Marcelo (que já esteve na RTP e voltou à TVI) são ex-primeiros-ministros nem negociaram o resgate com a troika. E, apesar das divergências que tanto Marques Mendes como Marcelo têm com o governo do partido a que pertencem, elas não são tão fundas como as divergências entre Sócrates e a nova direcção do PS, António José Seguro. Se a RTP precisava urgentemente de fazer subir as audiências, uma sessão semanal de Sócrates tem todas as condições para cumprir esse objectivo – para lá de ser um acontecimento de grande interesse jornalístico.

Sócrates é hoje um dos homens mais odiados do país – mantendo um núcleo resistente de amores –, mas o ódio é um factor de enorme atracção e de excitação político-mediática. Basta ver a loucura em que entraram vários “peticionários”, mas, bastante mais grave, a loucura em que entraram titulares de órgãos de soberania, como os deputados do PSD e do CDS, que, com tanto com que se entreter cá dentro e lá fora – a Europa em chamas, essa minudência – se multiplicaram em declarações de protesto contra a decisão de Paulo Ferreira, o novo director de informação da RTP. Definitivamente, depois de acusarem meia dúzia de manifestantes de “atentado à liberdade de expressão” de Miguel Relvas, só faltava o apelo ao sequestro da opinião de um ex-primeiro-ministro.

Agora a decisão não é boa nem para Sócrates nem para o PS. Independentemente de ser sob a forma de “comentário político”, está consumado o regresso de Sócrates à política. Não passou ainda tempo suficiente para diminuir o ódio (uma boa parte irracional) que Sócrates deixou nos seus concidadãos. Como Sócrates odeia Seguro, é pouco provável que o que quer que ele diga possa valorizar o PS. Antes pelo contrário: depois da recusa de Seguro de incorporar com veemência a herança de Sócrates na moção ao congresso – como exigia António Costa e perdeu –, o clima de vendetta estará ao rubro. O que Sócrates disser sobre o governo será irrelevante – é o PS, e a guerra interna no PS, o verdadeiro assunto.

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