O ex-presidente e
ex-primeiro-ministro de Portugal Mário Soares cobra neste artigo a renúncia do
primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. Para ele, Coelho fez promessas que não
soube cumprir e aplicou políticas de austeridade extrema que causaram um
desastre irreparável aos portugueses.
Mário Soares - Carta Maior
O atual governo de
Portugal é legítimo, porque foi eleito legalmente em junho de 2011. Porém, para
vencer as eleições, o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, fez promessas que
não soube cumprir e aplicou políticas de austeridade extrema que causaram um
desastre irreparável aos portugueses.
A percepção da imensa maioria da população é que estamos suportando o governo
mais destrutivo da história da nação. E que nos encontramos à beira de uma
ruptura social.
Alguns ministros deste governo conservador não podem sair à rua sem serem
vaiados e insultados, de norte a sul do país.
Para enfrentar a crise, a administração de Passos Coelho apenas soube aplicar
cortes e mais cortes no orçamento, de uma magnitude nunca vista na história
portuguesa.
Resultados: o aumento galopante do desemprego e as reduções dos salários, das
aposentadorias e indenizações em caso de demissão, junto com uma carga fiscal
em espiral, causaram perda do poder aquisitivo de aproximadamente 12% nos
salários do setor privado e de 25% a 30% no setor público.
Em pouco mais de um ano e meio de governo conservador, o desemprego subiu de
11% para 17,6% da população economicamente ativa, o produto interno bruto caiu
3,2% em 2012 e, neste país de 10,6 milhões de habitantes, há cerca de um milhão
de desempregados dos quais quase a metade (480 mil) não tem auxílio-desemprego.
Como se não bastasse, o endividamento da nação, público e privado, está
alcançando níveis de catástrofe. Segundo dados de janeiro, a dívida pública,
que no quarto trimestre de 2011 era de 107,8% do PIB, chegou a 120,3%, a maior
na Europa depois das da Grécia e da Itália.
O endividamento privado é ainda mais alarmante, já que entre 2011 e 2012 subiu
de 220% para 280,3% do produto interno bruto.
A queda da renda real afeta o conjunto dos assalariados, com a previsível
exceção dos setores economicamente privilegiados, e está destruindo
sistematicamente a classe média, o que é gravíssimo para o futuro do país.
As pequenas e médias empresas estão em crise e são numerosas as quebras.
Acentua-se a fuga forçada de cérebros acadêmicos, científicos e dirigentes de
empresas, e uma das mais penosas consequências é que nossas excelentes
universidades enfrentam dificuldades operacionais e sofrem perdas qualitativas.
Ao mesmo tempo, o patrimônio português, desde as propriedades imobiliárias até
as empresas, sofrem drástica desvalorização e é vendido a preço vil, agravando
o desemprego.
Como mostra a gravidade da situação socioeconômica, hoje nas grandes cidades
estamos vendo pessoas remexendo no lixo em busca de comida.
Não chama a atenção que a esmagadora maioria dos portugueses manifeste sua
contrariedade com este governo com crescente agressividade. E a maior parte dos
economistas, incluídos alguns que no começo apoiavam o governo, reprova as
políticas de austeridade.
Ao contrário do que afirma Passos Coelho, os cada dia mais frequentes protestos
populares são profundamente representativos do sentimento geral e do estado de
desespero que aflige a população.
Há alguns dias, o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, fez uma espécie de
autocrítica ao reconhecer que suas previsões estavam erradas. Então, o que
espera para abandonar o cargo?
Este governo, o pior que os portugueses já tiveram, acabará muito mal. Por
isso, é oportuno e necessário que Passos Coelho apresente o quanto antes sua
renúncia.
* O socialista Mário Soares é ex-presidente e ex-primeiro-ministro de Portugal.
Publicado originalmente na IPS
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