Henrique Monteiro –
Expresso, opinião
Ficou muita gente
em polvorosa com o anúncio do regresso de Sócrates à RTP. Mas, em boa verdade,
por que motivo não poderia Sócrates voltar? Por ter muita gente que não
gosta dele? Mas isso é um critério? Será por a RTP ser pública? Mas a RTP
não teve Marcelo e outros políticos como comentadores? A resposta só pode ser
uma: é por ser Sócrates.
Sou das muitas
pessoas que tenho razões de queixa de Sócrates. Não vou voltar a falar nelas
neste momento, até porque penso que muita gente as conhece. No entanto,
jamais me passaria pela cabeça assinar algo que o impedisse de estar presente
em locais para onde é convidado. Pelo contrário! Acho bem que ele nos recorde o
que fez e que tenha à frente - não como é costume nestas coisas, uma
espécie de cabeça de cão de porcelana concordante -, mas um jornalista
sério e acutilante.
As movimentações
para levar ao Parlamento o debate sobre o comentário de Sócrates na RTP são
o primeiro aspeto ridículo.
Mas há mais: As
televisões têm contratado diversos políticos para comentadores. Na minha
opinião isto nem faz sentido. É como permitir que um árbitro seja jogador.
É uma coisa que não acontece em mais lado nenhum nem em mais atividade nenhuma.
Os críticos e comentadores não costumam desenvolver a atividade que criticam e
comentam. Mas nas televisões portuguesas (e também em jornais), de Nuno Morais
Sarmento e Sócrates, a Marcelo e Marques Mendes, António Costa e Jorge Coelho,
Francisco Louçã e Fernando Rosas, etc. etc. quase não há político que não comente. Obviamente,
todos eles têm não só uma agenda política, como uma agenda partidária, como até
uma agenda dentro do espaço partidário. Marcelo prefere, o PSD; e dentro do PSD
uma facção. O mesmo se pode dizer de quase todos. Digamos que a esta lógica
escapam José Pacheco Pereira e poucos mais. Dirão: mas nós sabemos disto! É
certo, mas concordarão que as análises feitas por Miguel Sousa Tavares ou
Constança Cunha e Sá, concordando-se ou não com elas, não sofrem desta maleita:
não têm uma agenda escondida. Naturalmente, o regresso de Sócrates traz
uma agenda que a RTP vai ajudar a promover. Isto seria um escândalo, se o país
todo não achasse, até agora, normal a promoção de outras agendas. (Aproveito
para dizer que vi hoje, com agrado, algumas figuras ligadas ao estudo da
Comunicação Social levantar este problema).
E esta distorção
informativa que é dar aos jogadores o papel de árbitros é o segundo aspeto
ridículo (mas já tradicional) da contratação de Sócrates para a RTP.
Por último, o
próprio ex-primeiro-ministro não devia ter aceite. Este é um ponto de ordem
moral. Salvo Santana Lopes (mas Santana Lopes é sempre uma exceção e nem
sempre por bons motivos) não vemos nenhum comentador que tenha sido
primeiro-ministro. Porquê? Porque um homem que quis (partimos sempre deste princípio
beatífico) servir o país deve, quando pode, continuar ao seu serviço - e não
comentar o jogo político. Que desse uma ou mais entrevistas, para justificar a
sua ação, parecer-me-ia normal. mas já não me parece salutar que se torne
moda o anterior vir analisar a ação do seguinte (seja no Governo, seja no
partido). É não saber estar, nem saber perder.
E este - que, no
entanto, é um problema apenas do próprio -, é o terceiro aspeto ridículo
da questão.
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