sexta-feira, 22 de março de 2013

TOMAR OS CÉUS DE ASSALTO




Nuno Ramos de Almeida – Jornal i, opinião

Passou quase século e meio desde a tentativa dos operários insurrectos de Paris de construírem um mundo justo. Falharam mas provaram que nada muda sem coragem

No dia 18 de Março de 1871 foi proclamada a Comuna de Paris. A primeira tentativa de os trabalhadores tomarem o destino nas suas mãos foi afogada num banho de sangue. Os historiadores falam de dezenas de milhares fuzilados (entre 7500 e 30 mil executados).

A derrota da Comuna de Paris não enterrou o sonho de uma maior igualdade, liberdade e fraternidade, para usar os termos da Revolução Francesa, nem a vontade de construção de um poder que expresse a vontade maioritária daqueles que trabalham. Não há revolução sem revolucionários: A insurreição alastrou porque havia 600 mil operários numa população de milhão e meio que já não suportavam as suas condições de vida e não toleravam a entrega, pelo governo, da cidade aos invasores prussianos.

Como escreveu Marx, cansados da servidão, os operários parisienses tentaram tomar os céus de assalto. Tinham tudo contra eles, mas preferiram o risco a viver de joelhos.

Quase século e meio depois, muito aconteceu e muito mais está por acontecer.

Basta olhar para Portugal para perceber que a injustiça e a desigualdade continuam a mandar. Apesar do progresso obtido pela luta de gerações, temos o país mais desigual da União Europeia.

Aquilo que nos garantem os governos de turno é apenas um presente insustentável e um futuro ainda pior.

Prometem diminuir a dívida e aumentam-na para quase 123%. Garantem querer melhorar a economia e provocam uma recessão de mais 2,2%. Afirmam combater o desemprego e conseguem passar dos 19% de desempregados durante este ano. A sétima avaliação da troika ao governo da sua colónia é a confirmação das sete pragas desta política.

Os ministros deste governo são patéticos, mas desenganem-se aqueles que garantem que o problema do executivo é ser profundamente incompetente. O programa real deste governo está em curso com um enorme sucesso: o empobrecimento da população, o aumento do desemprego são armas para conseguir a destruição de todos os direitos de quem trabalha e conseguir um embaratecimento abrupto do custo da mão-de-obra.

A privatização de tudo aquilo que é público e a destruição do Estado social são outros vértices desta contra-revolução conservadora. Pretende-se esmifrar os contribuintes, os trabalhadores e os reformados, e diminuir abruptamente a sua magra fatia no rendimento nacional.

Os trabalhadores que vivem em Portugal já eram daqueles que menos ganham na Europa e mais horas trabalham. Agora passam a ganhar ainda menos e a trabalhar ainda mais.

Perante isto, uma miríade de comentadores fala na necessidade de cortar nos “direitos adquiridos”, naturalmente nunca se referindo à renegociação de contratos desastrosos que vão entregar dezenas de milhares de milhões de euros dos contribuintes às empresas que assinaram os contratos das parcerias público-privadas. É bem visível que o governo produz desempregados propositadamente. A crise é uma arma para dar mais aos muito ricos e tirar muitíssimo a todos os outros.

O tempo histórico da mudança é mais lento que a nossa vontade. Mas só tentando tomar os céus de assalto é possível impedir este caminho. É este o exemplo dos operários da Comuna para quem não quer viver de joelhos.

Editor executivo, escreve à terça-feira

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