Alfredo Leite –
Jornal de Notícias, opinião
Este país está
virado de pernas para o ar e o pior é que o estado de pino generalizado dá
sinais de agravamento. À medida que os dias passam e os processos judiciais
envolvendo altas figuras do Estado angolano vão sendo arquivados em Portugal,
ficamos com a sensação de que a separação de poderes neste jardim à beira-mar
mal plantado é algo que não assiste a alguns políticos e a outros tantos
magistrados. A notícia do arquivamento do processo que visava o vice-presidente
de Angola, Manuel Vicente, vem tão- -só materializar o teor das polémicas
palavras do ministro português de Estado e dos Negócios Estrangeiros na já tão
escalpelizada entrevista à Rádio Nacional de Luanda.
Por muito que Rui
Machete tenha considerado, a posteriori, "menos feliz" a afirmação de
que "nada de mal" pendia nas referidas investigações e tenha até
pedido "desculpas diplomáticas" por esse facto, com a sucessão de
arquivamentos - e já vão quatro - adensam-se também as sombras do caso que
inquinou as relações entre os dois países. Num Estado de direito, que cumpra
religiosamente um dos seus pilares - a separação de poderes -, deveria ser
claro para todos nós o que sabia Machete antes do primeiro dos arquivamentos
ter sido tornado público. Mas ainda não é. E, após novos processos terem tido o
mesmo destino, duvidamos se Machete será adivinho, mas admitimos que tal
possibilidade não seja verosímil.
O facto é que esta
sucessão de arquivamentos deixa fundamentada margem para especulações várias
sobre a promiscuidade entre a política e a justiça. Ou vice-versa, como ficou
provado pelas aparentemente deslocadas considerações que o procurador Paulo
Gonçalves achou por bem colocar no despacho de arquivamento relativo ao caso
envolvendo o mais provável sucessor de José Eduardo dos Santos. Entre outras
pérolas, discorreu o magistrado que a sua decisão serviria, também, para
"contribuir para o desanuviar do clima de tensão diplomática que tem
ensombrado com mal-entendidos a amizade entre dois povos irmãos". Ao extravasar
a matéria de direito e de facto a que, diz o bom senso, deveria estar limitada
a intervenção de um procurador, Paulo Gonçalves pediu uma espécie de desculpa
judicial. À moda de Machete.
Mais do que o
resultado do inquérito disciplinar à sua atuação já desencadeado pela
Procuradoria-Geral da República, importa refletir sobre o que leva um
procurador a tecer considerações de caráter iminentemente político. Não sabemos
o que levará. Ainda que estejamos certos de que Paulo Gonçalves e Rui Machete
são duas faces de uma só moeda que não vai certamente ajudar a restabelecer as
relações de confiança entre Portugal e Angola. Relações essas que, também eles,
ajudaram a degradar.
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