quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Portugal: O MACHETE DA JUSTIÇA

 

Alfredo Leite – Jornal de Notícias, opinião
 
Este país está virado de pernas para o ar e o pior é que o estado de pino generalizado dá sinais de agravamento. À medida que os dias passam e os processos judiciais envolvendo altas figuras do Estado angolano vão sendo arquivados em Portugal, ficamos com a sensação de que a separação de poderes neste jardim à beira-mar mal plantado é algo que não assiste a alguns políticos e a outros tantos magistrados. A notícia do arquivamento do processo que visava o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, vem tão- -só materializar o teor das polémicas palavras do ministro português de Estado e dos Negócios Estrangeiros na já tão escalpelizada entrevista à Rádio Nacional de Luanda.
 
Por muito que Rui Machete tenha considerado, a posteriori, "menos feliz" a afirmação de que "nada de mal" pendia nas referidas investigações e tenha até pedido "desculpas diplomáticas" por esse facto, com a sucessão de arquivamentos - e já vão quatro - adensam-se também as sombras do caso que inquinou as relações entre os dois países. Num Estado de direito, que cumpra religiosamente um dos seus pilares - a separação de poderes -, deveria ser claro para todos nós o que sabia Machete antes do primeiro dos arquivamentos ter sido tornado público. Mas ainda não é. E, após novos processos terem tido o mesmo destino, duvidamos se Machete será adivinho, mas admitimos que tal possibilidade não seja verosímil.
 
O facto é que esta sucessão de arquivamentos deixa fundamentada margem para especulações várias sobre a promiscuidade entre a política e a justiça. Ou vice-versa, como ficou provado pelas aparentemente deslocadas considerações que o procurador Paulo Gonçalves achou por bem colocar no despacho de arquivamento relativo ao caso envolvendo o mais provável sucessor de José Eduardo dos Santos. Entre outras pérolas, discorreu o magistrado que a sua decisão serviria, também, para "contribuir para o desanuviar do clima de tensão diplomática que tem ensombrado com mal-entendidos a amizade entre dois povos irmãos". Ao extravasar a matéria de direito e de facto a que, diz o bom senso, deveria estar limitada a intervenção de um procurador, Paulo Gonçalves pediu uma espécie de desculpa judicial. À moda de Machete.
 
Mais do que o resultado do inquérito disciplinar à sua atuação já desencadeado pela Procuradoria-Geral da República, importa refletir sobre o que leva um procurador a tecer considerações de caráter iminentemente político. Não sabemos o que levará. Ainda que estejamos certos de que Paulo Gonçalves e Rui Machete são duas faces de uma só moeda que não vai certamente ajudar a restabelecer as relações de confiança entre Portugal e Angola. Relações essas que, também eles, ajudaram a degradar.
 

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