A Alemanha, num
delírio moralista, não pode destruir as economias europeias com suas políticas
de austeridade sem destruir grande parte de seu próprio mercado. É benéfica a
pedagogia da realidade: Helmut Schmidt, notável ex-chanceler alemão hoje com 92
anos, disse numa entrevista que a tragédia europeia do momento é que seus
principais líderes nada entendem de economia. Quando a crise se instalar na
Alemanha, talvez Angela Merkel comece a entender. A análise é de J. Carlos de
Assis
J. Carlos de Assis* - Carta Maior
Os últimos
indicadores negativos de desempenho econômico na Alemanha são os primeiros
sinais de perspectivas mais favoráveis para o resto da Europa: a queda de 0,4%
do PIB no quarto trimestre de 2012, anunciada juntamente com um crescimento
para este ano de apenas 0,4% (contra expectativas anteriores mais favoráveis),
é o primeiro passo de uma lição que a senhora Angela Merkel, a durona chanceler
alemã, se recusava a aprender. Em outras palavras, que a Alemanha, num delírio
moralista, não pode destruir as economias europeias com suas políticas de
austeridade sem destruir grande parte de seu próprio mercado.
A Alemanha é uma economia “export led”, ou seja, no jargão dos economistas,
conduzida por exportações. O segredo de seu relativo descolamento da crise europeia
mesmo sem fazer um esforço fiscal interno significativo foi manter elevados
superávits comerciais principalmente com os Estados Unidos, China e Rússia,
explorando o filão dos programas de expansão fiscal desses últimos. Entretanto,
tradicionalmente, o resto da Europa representa 60% do mercado de exportação
alemão, sendo que a Zona do Europa responde por 40% dele. Obviamente que, cedo
ou tarde, a crise da Zona do Euro repercutiria na Alemanha.
Isso tem uma importância política decisiva. A postura oficial alemã em relação
à crise no sul da Europa é uma mistura de dogmatismo econômico (neo)liberal com
moralismo puritano: os países em crise gastaram mais do que podiam e agora têm
que pagar a dívida pública como uma forma de purgar os seus pecados. Não importa
que a explosão das dívidas públicas europeias tenha sido o efeito de uma ação
coordenada dos Estados para salvar o sistema bancário virtualmente explodido na
crise privada iniciada em 2008 nos EUA. Na verdade, exceto Grécia, a situação
fiscal dos países europeus (relação dívida/PIB), antes da explosão da crise
financeira, era reconhecida como absolutamente saudável.
Diante do susto inicial com a crise de 2008, a senhora Merkel, junto com o
senhor Sarcozy, aceitou, nas três primeiras reuniões do G-20 – Washington,
Londres e Pittsburg -, a recomendação de políticas coordenadas de estímulo
fiscal. Com efeito, em fins de 2009 e início de 2010, a economia ocidental dava
sinais de recuperação. Aconteceu então que Cameron foi eleito na Inglaterra e
com isso Merkel e Sarcozy ganharam, na reunião do G-20 em Toronto, em meados de
2010, e contra a opinião dos dirigentes norte-americano e chinês, um aliado
para reverter a política, se não em nível mundial, pelo menos na Europa. É que,
na Europa, os países do sul estavam necessitando de ajuda da comunidade
europeia e do FMI para continuar o processo de recuperação de suas economias, o
que dava á Alemanha, como líder do bloco, a prerrogativa de ditar as condições
da assistência. A partir daí foram impostas as políticas de austeridade em todo
o sul da Europa e a depressão voltou.
É em função sobretudo da política imposta pela Alemanha que o resto da Europa
não se recupera, aí incluída a França socialista, em virtual estagnação. São
três as formas reconhecidas teoricamente de um país sair da recessão: ou pela
política de expansão fiscal, ou pela política de expansão monetária, ou pela
política externa (exportações). A política de expansão monetária, como se está
vendo nos EUA, na Europa e no Japão, é ineficaz quando se está diante de uma
situação de fraca demanda agregada. A política de aumento de exportações
depende de outros países que estejam em crescimento, absorvendo importações.
Resta a única eficaz, a política de expansão fiscal: ela cria demanda pública e
arrasta a expansão da demanda privada, estimulando o investimento e o emprego.
A política de austeridade fiscal imposta pela Alemanha ao resto da Europa é
justamente o oposto disso: reduz o gasto público, corta empregos, salários e
pensões, deprime o investimento público e privado, gerando ainda mais
desemprego numa espiral descendente.
Diante disso, a salvação da Europa (e do mundo, pois a economia mundial,
inclusive a chinesa, sofre inevitável influência da demanda europeia)
encontra-se numa inversão de prioridades políticas da Alemanha. E, para
inversão dessas prioridades, a economia alemã tem que ser parte da crise a fim
de sair de sua posição moral de querer fazer os países pobres europeus pagar
pelos supostos pecados de gastar muito. É benéfica a pedagogia da realidade:
Helmut Schmidt, notável ex-chanceler alemão hoje com 92 anos, disse numa
entrevista que a tragédia europeia do momento é que seus principais líderes
nada entendem de economia. Quando a crise se instalar na Alemanha, talvez
Merkel comece a entender.
*Economista, professor de Economia Internacional da UEPB, autor, entre outros
livros, de “A Razão de Deus”, pela editora Civilização Brasileira.
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