Catarina Falcão –
Jornal i
Estudo demonstra
que falta de actualização dos cadernos eleitorais pode “conceder a vitória ao
partido errado”
Os números do censo
de 2011 evidenciaram uma realidade preocupante nos cadernos eleitorais. Em
Portugal há mais de um milhão de eleitores fantasma entre mortos e emigrantes –
números que podem distorcer os resultados das eleições, porque influenciam a
distribuição de deputados por círculos eleitorais nas legislativas.
As contas não são
difíceis. Em 2011, segundo o censo, Portugal tinha 8 421 457 pessoas com
direito a votar. No entanto, nas eleições de 5 de Junho desse ano estavam
registados nos mapas oficias da Direcção-Geral da Administração Interna (DGAI)
9 425 894 eleitores. Há então um excedente de 1 004 437 eleitores em Portugal,
que representam cerca de 10,66% dos votantes inscritos (ver gráfico ao lado).
Muitos emigraram mas não mudaram a residência, outros já morreram mas continuam
nos cadernos. São os eleitores fantasma.
Esta foi uma das
conclusões do estudo efectuado pelos investigadores Luís Humberto Teixeira e
José António Bourdain intitulado “Cadernos assombrados, eleitores ignorados e
desigualdade de voto”, concluído este ano. Os dois investigadores têm vindo a
acompanhar desde 2007 a evolução do número de eleitores fantasma em Portugal,
mas este será o último estudo que efectuarão sobre esta matéria. Ao i,
Luís Humberto Teixeira assegura que não vão voltar a ter “dados mais fiáveis
que os deste censo” e que outro dos seus objectivos, dar a conhecer esta
realidade, já está cumprido.
Em Portugal, a
grande causa deste fenómeno será a emigração. “Tem um papel muito importante.
As pessoas saem do país e acabam por não se recensear nos círculos da emigração
porque não sabem quanto tempo vão ficar no país de acolhimento e deixam
arrastar a situação”, alerta Teixeira. Desde 2008, com a entrada em uso do
cartão do cidadão, o recenseamento da população passou a ser automático, o que
significa que basta dar uma morada em Portugal aquando da elaboração do
documento para ficar automaticamente registado para votar no território.
A dificuldade em
levar a que as pessoas se registem no círculo da emigração está patente na
diferença entre o número de emigrantes inscritos nos círculos no estrangeiro e
as estimativas da emigração. Segundo os últimos números, haverá cerca de 100
mil emigrantes em Luanda e apenas 2 mil inscritos para votar, disse ao i fonte
do Ministério da Administração Interna (MAI).
Também os óbitos
engrossam o número de eleitores fantasma. Em 2009, um relatório de fiscalização
ao Sistema de Informação e Gestão do Recenseamento Eleitoral, realizado pela
Comissão Nacional de Protecção de Dados, apontava para a existência de 107 mil
eleitores que já estavam mortos mas continuavam nos cadernos. Segundo a mesma
fonte do MAI, nos últimos quatro anos foram eliminados dos cadernos cerca de
4500 eleitores com mais de 105 anos que já tinham falecido e dos quais não
havia prova de óbito.
“O trabalho da DGAI
ao verificar um óbito é muito moroso. Mesmo que a morte seja detectada,
primeiro tem de ser confirmada pelas juntas de freguesia e estando o número de
eleitos dependente do número de eleitores não há grande interesse por parte dos
autarcas em limpar os cadernos eleitorais”, sublinha Luís Humberto Teixeira,
alertando ainda para a falta de pessoal nas juntas de freguesia para fazer a
verificação de óbitos e reportá-la às autoridades centrais.
MENOS ELEITORES,
MENOS MANDATOS
Comparando o mapa
oficial de eleitores publicado em Abril de 2011 pela Direcção-Geral da
Administração Interna (DGAI) com os números apurados pelo censo de 2011, os
investigadores apuraram que os distritos com maior percentagem de eleitores
fantasma – acima de 20% dos eleitores – são Vila Real, Bragança, Setúbal e
Guarda. Esta mudança demográfica provoca alterações do número de mandatos
atribuídos a cada círculo eleitoral, que após as eleições se convertem no
número de deputados eleitos por cada distrito (ver gráfico ao lado).
“Haver mais dois
deputados eleitos por um círculo eleitoral, seja Lisboa seja Porto, em certas
eleições legislativas mais disputadas, mudaria a configuração do parlamento”,
adianta Humberto Teixeira, que juntamente com António Bourdain tem vindo a
solicitar audiências com os cinco partidos com assento parlamentar para expor
as conclusões do seu estudo. Na prática, a falta de actualização dos cadernos
pode “conceder a vitória ao partido errado”, diz este estudo.
MENOS 10% DE
ABSTENÇÃO
Mesmo que toda a
gente em Portugal vá às urnas nas próximas eleições, este estudo demonstra que
a abstenção se situaria obrigatoriamente nos 10% (cerca de um milhão de
habitantes). No estudo, os investigadores consideram que este facto faz com os
portugueses pareçam “menos interessados do que são na realidade”. Outro
problema associado à abstenção gerada pelos eleitores fantasma é a votação num
referendo. A actual legislação obriga a que pelo menos metade dos eleitores
inscritos vote de modo a conferir ao referendo um estatuto vinculativo. Esta
percentagem pode ser afectada pelo elevado número de eleitores fantasma.
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