quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

UM MILHÃO DE ELEITORES FANTASMA FALSEIAM ELEIÇÕES EM PORTUGAL




Catarina Falcão – Jornal i

Estudo demonstra que falta de actualização dos cadernos eleitorais pode “conceder a vitória ao partido errado”

Os números do censo de 2011 evidenciaram uma realidade preocupante nos cadernos eleitorais. Em Portugal há mais de um milhão de eleitores fantasma entre mortos e emigrantes – números que podem distorcer os resultados das eleições, porque influenciam a distribuição de deputados por círculos eleitorais nas legislativas.

As contas não são difíceis. Em 2011, segundo o censo, Portugal tinha 8 421 457 pessoas com direito a votar. No entanto, nas eleições de 5 de Junho desse ano estavam registados nos mapas oficias da Direcção-Geral da Administração Interna (DGAI) 9 425 894 eleitores. Há então um excedente de 1 004 437 eleitores em Portugal, que representam cerca de 10,66% dos votantes inscritos (ver gráfico ao lado). Muitos emigraram mas não mudaram a residência, outros já morreram mas continuam nos cadernos. São os eleitores fantasma.

Esta foi uma das conclusões do estudo efectuado pelos investigadores Luís Humberto Teixeira e José António Bourdain intitulado “Cadernos assombrados, eleitores ignorados e desigualdade de voto”, concluído este ano. Os dois investigadores têm vindo a acompanhar desde 2007 a evolução do número de eleitores fantasma em Portugal, mas este será o último estudo que efectuarão sobre esta matéria. Ao i, Luís Humberto Teixeira assegura que não vão voltar a ter “dados mais fiáveis que os deste censo” e que outro dos seus objectivos, dar a conhecer esta realidade, já está cumprido.

Em Portugal, a grande causa deste fenómeno será a emigração. “Tem um papel muito importante. As pessoas saem do país e acabam por não se recensear nos círculos da emigração porque não sabem quanto tempo vão ficar no país de acolhimento e deixam arrastar a situação”, alerta Teixeira. Desde 2008, com a entrada em uso do cartão do cidadão, o recenseamento da população passou a ser automático, o que significa que basta dar uma morada em Portugal aquando da elaboração do documento para ficar automaticamente registado para votar no território.

A dificuldade em levar a que as pessoas se registem no círculo da emigração está patente na diferença entre o número de emigrantes inscritos nos círculos no estrangeiro e as estimativas da emigração. Segundo os últimos números, haverá cerca de 100 mil emigrantes em Luanda e apenas 2 mil inscritos para votar, disse ao i fonte do Ministério da Administração Interna (MAI).

Também os óbitos engrossam o número de eleitores fantasma. Em 2009, um relatório de fiscalização ao Sistema de Informação e Gestão do Recenseamento Eleitoral, realizado pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, apontava para a existência de 107 mil eleitores que já estavam mortos mas continuavam nos cadernos. Segundo a mesma fonte do MAI, nos últimos quatro anos foram eliminados dos cadernos cerca de 4500 eleitores com mais de 105 anos que já tinham falecido e dos quais não havia prova de óbito.

“O trabalho da DGAI ao verificar um óbito é muito moroso. Mesmo que a morte seja detectada, primeiro tem de ser confirmada pelas juntas de freguesia e estando o número de eleitos dependente do número de eleitores não há grande interesse por parte dos autarcas em limpar os cadernos eleitorais”, sublinha Luís Humberto Teixeira, alertando ainda para a falta de pessoal nas juntas de freguesia para fazer a verificação de óbitos e reportá-la às autoridades centrais.

MENOS ELEITORES, MENOS MANDATOS 

Comparando o mapa oficial de eleitores publicado em Abril de 2011 pela Direcção-Geral da Administração Interna (DGAI) com os números apurados pelo censo de 2011, os investigadores apuraram que os distritos com maior percentagem de eleitores fantasma – acima de 20% dos eleitores – são Vila Real, Bragança, Setúbal e Guarda. Esta mudança demográfica provoca alterações do número de mandatos atribuídos a cada círculo eleitoral, que após as eleições se convertem no número de deputados eleitos por cada distrito (ver gráfico ao lado).

“Haver mais dois deputados eleitos por um círculo eleitoral, seja Lisboa seja Porto, em certas eleições legislativas mais disputadas, mudaria a configuração do parlamento”, adianta Humberto Teixeira, que juntamente com António Bourdain tem vindo a solicitar audiências com os cinco partidos com assento parlamentar para expor as conclusões do seu estudo. Na prática, a falta de actualização dos cadernos pode “conceder a vitória ao partido errado”, diz este estudo.

MENOS 10% DE ABSTENÇÃO 

Mesmo que toda a gente em Portugal vá às urnas nas próximas eleições, este estudo demonstra que a abstenção se situaria obrigatoriamente nos 10% (cerca de um milhão de habitantes). No estudo, os investigadores consideram que este facto faz com os portugueses pareçam “menos interessados do que são na realidade”. Outro problema associado à abstenção gerada pelos eleitores fantasma é a votação num referendo. A actual legislação obriga a que pelo menos metade dos eleitores inscritos vote de modo a conferir ao referendo um estatuto vinculativo. Esta percentagem pode ser afectada pelo elevado número de eleitores fantasma.

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