Daniel Oliveira –
Expresso, opinião em Blogues
Talvez a maior
ingenuidade dos portugueses tenha sido a de acreditarem na competência técnica
das instituições que compõe a troika. Bastaria olhar para a forma a crise
alastrou na Europa para duvidar da sagacidade da Comissão Europeia. Basta
observar a obstinada ortodoxia do Banco Central Europeu para não
confiar na sua capacidade criativa. E basta conhecer o trágico historial das
intervenções do FMI para saber o que esperar dali. Porque o mundo
está cheio de incompetentes? Não. Porque estas instituições estão
dominadas pela mesma fé e foram esvaziadas de qualquer tipo de bom senso
político.
Não será a sua
proposta mais radical ou absurda. Mas diz bem da sua capacidade analítica. O
FMI quer que o subsídio de maternidade passe a ser taxado em sede de IRS. A
medida, como quase tudo o que é disparate, já constava do memorando de
entendimento. Até este governo - na sua versão mais centrista, que é, como se
sabe, o CDS - considerou que a medida não era prioritária e não a levou para a
frente. Apesar da insignificante receita que tal medida traria, o FMI
recuperou-a e insiste na sua aplicação.
Se os técnicos do
FMI soubessem alguma coisa sobre Portugal - com o hábito de aplicar a mesma
receita em todo o lado nunca sabem nada sobre os países onde intervêm -,
saberia que um dos problemas estruturais mais graves deste País é a sua
baixíssima taxa de natalidade. Problema que resulta em vários outros, do qual o
mais relevante, pelo menos para as contas públicas, é a insustentabilidade da
nossa segurança social.
Mesmo a partir de
2003, em que a taxa de natalidade subiu em quase toda a Europa, Portugal (com o
Luxemburgo e Malta) manteve a sua queda. E continuou sempre nos três piores
países da União. O número de nascimentos em 2012 deverá ter ficado perto
dos 90 mil, o mais baixo em mais de 60 anos.
"As taxas de
natalidade de Portugal são tão baixas há tanto tempo que, mesmo que a
imigração, em queda, volte a subir, não será suficiente para manter a
população", disse Maria Filomena Mendes, presidente da Associação
Demográfica Portuguesa, ao The Wall Street Journal. Com uma taxa de
natalidade de 1,32, apenas mais alta do que a da Hungria e da Letónia, em
2030 devemos ser menos um milhão do que somos agora. Em 2009, os Estados-membro
com as taxas de natalidade mais altas eram a Irlanda (2,07), França (2,00) e
Reino Unido (1,96). As mais baixas eram as da Letónia (1,31) Portugal e Hungria
(1,32) e Alemanha (1,36). A taxa de natalidade necessária para garantir a
manutenção do nível populacional é de 2,1.
Junte-se a isto o aumento
brutal da emigração, a queda da imigração e o aumento da esperança média de
vida para perceber que não faltará muito para que haja quase tantos
reformados como pessoas no ativo. Quem vai produzir para manter a economia
a funcionar e as contas públicas sustentadas? Quem vai pagar as nossas
reformas? Quem vai tomar conta de nós quando a saúde nos impedir de trabalhar?
Há três formas de
resolver este problema: ter um crescimento económico que garanta que
os emigrantes regressam e os imigrantes escolhem Portugal como destino, ter uma política
que reduza a esperança média de vida ou ter uma política que apoie de
forma muito generosa a natalidade. A primeira não é, como qualquer um pode
observar, a aposta do FMI e deste governo. A segunda, não sendo aceitável, pode
bem vir a ter, com a crise e os cortes na saúde, algum futuro. E a terceira é
contrariada pelas propostas do FMI.
O aumento da
natalidade apenas pode resultar de duas coisas: ausência de planeamento
familiar - penso que dispensamos esta opção - ou crescimento
económico, otimismo, estabilidade no emprego e direitos laborais que protejam a
maternidade. A terceira alternativa, sendo de eficácia moderada, não é
dispensável para um país que vive a brutal crise demográfica que Portugal conhece: investir
a sério no apoio à maternidade e nas condições para a educação e saúde das
crianças. Quando assistimos a cortes na educação, a fechos de escolas
e maternidades e à degradação de todos os apoios sociais à
parentalidade, percebemos que esta gente é incapaz de pensar para além do
orçamento de cada ano. São contabilistas (sem desmerecer os contabilistas), e
mesmo como contabilistas são incompetentes. Nada sabem sobre as prioridades de
uma governação minimamente sensata.
A nossa crise
demográfica é tão ou mais grave do que a nossa crise financeira. É, aliás, um
dos factores para a crise das contas públicas. E está a ser agravada pela crise
económica, o desemprego de quase 40% dos jovens e a fuga de trabalhadores
qualificados. Esta medida simbólica, coerente com tudo o que está a ser feito
para destruir qualquer possibilidade de futuro para este País, é apenas mais um
exemplo da nossa caminhada para o abismo.Até sermos um enorme cemitério. E
mesmo isso não sei se será possível. É que até os coveiros têm de comer.
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