Fernando Santos –
Jornal de Notícias, opinião
O Mundo esteve
sempre sujeito ao risco de depender da capacidade decisória de parvos e de
loucos. Agora entrou numa fase nova: os parvos e os loucos adquiriram um
estatuto de quase inimputáveis e graças a essa condição a tudo se permitem - da
maior insensibilidade à desfaçatez extrema.
Pode não ser louco,
mas o parvo mais recente foi ontem revelado: o ministro das Finanças japonês. E
dispõe de discípulos noutras paragens.
Um tal Taro Aso,
segundo o jornal britânico "The Guardian" citado pela Agência Lusa,
defendeu a que considera a melhor fórmula de tornar sustentável o Estado social
e as reformas da Segurança Social de que dependem dois milhões de nipónicos.
Segundo o tipo afirmou numa reunião em Tóquio, o mais adequado método de
aliviar o pagamento de cuidados médicos pelo Estado "passa por os idosos
doentes morrerem rapidamente". E acrescentou à sua tese de contabilista de
vão de escada: "Deus queira que [os idosos] não sejam forçados a viver até
quando quiserem morrer". Afinal, concluiu o parvo, "o problema
[equilíbrio das contas] não tem solução, a não ser que os deixemos
morrer".
A tradução do
desejo de passar à prática o resultado das folhas de Excel do homólogo de Vítor
Gaspar está, naturalmente, a provocar ondas de choque. E as vagas assemelham-se
às dos primeiros esboços de contestação em paragens menos longínquas do nosso
universo.
Descortine-se uma
vantagem na parvoíce de Taro Aso: teve a virtude de dizer o que pensa, sem
eufemismos.
Quando se recordam
as teorias para a poupança do Serviço Nacional de Saúde expressas há dias por
um secretário de Estado defensor da necessidade de os portugueses tudo deverem
fazer para não adoecer, retira-se uma suspeita: há por cá quem tente chegar a
objetivos semelhantes aos do parvo Taro Aso através de uma linguagem mais
cifrada para convencer os incautos da bondade de propostas desumanas.
O parvo ministro
das Finanças japonês teve ainda o condão do chamado dois em um: pegou na lei
das probabilidades da consumação da morte - e da poupança! - juntando doença
e... idosos. Um conceito primário mas igualmente a sinalizar mentes
estritamente preenchidas por financismo....
Ele há
coincidências....
Em Portugal, por
exemplo, está em curso uma política sustentada na promoção do confronto. Entre
o setor público e o privado; entre classes profissionais e, pior, entre
gerações, sob a tendência para apoiar e perspetivar o futuro (jovens) em
detrimento do valor do respeito e dos direitos enganosamente considerados
garantidos dos mais experientes (velhos).
Ainda não apareceu
por cá um parvo como o senhor Taro Aso. Até ver há esboços de gato escondido
com o rabo de fora. Mas convém ficarmos de atalaia.
O Mundo, país a
país, está mesmo cada vez mais perigoso.
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