Rosa Ramos – Jornal i
Só é necessária
autorização de Roma para transacções acima de 1,5 milhões de euros. Bispos não
têm de apresentar contas a ninguém
As perguntas foram
enviadas por email e o i esperou mais de três semanas pelas
respostas. Foi enviado um questionário a todas as dioceses portuguesas com o
objectivo de conhecer o estado das finanças de cada uma, mas só duas devolveram
o contacto - para informar que não responderiam. "Não é oportuno responder
ao solicitado", explicou a diocese do Porto, a maior do país, também por
email. "Esta diocese costuma apresentar anualmente as suas contas na
assembleia do clero, mas sem qualquer divulgação pública", respondeu a
diocese de Leiria-Fátima. Todas as outras ignoraram o contacto. Não tendo a
colaboração das dioceses, a alternativa seria contactar um eventual organismo
responsável, a nível nacional, pelas finanças da Igreja. Mas não existe nenhum:
a Igreja não tem Ministério das Finanças nem Vítor Gaspar para tratar da sua
contabilidade: cada diocese tem total autonomia para gerir dinheiros e
património, excepto em transacções superiores a 1,5 milhões de euros. E segundo
o direito canónico o bispo não tem de prestar contas a ninguém. "Uma vez
por ano há uma reunião, geralmente em Fátima, dos ecónomos [responsáveis pelas
finanças ] das dioceses", explica o padre Manuel Morujão, secretário da
Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), onde têm assento todos os bispos. Mas o
encontro serve apenas para "trocar informação e know-how".
NÍVEL UM, AS
PARÓQUIAS
A contabilidade da
Igreja é um assunto complexo. "Porque a Igreja não é uma entidade, há uma
enorme variedade de regras jurídicas e de instituições", explica um
sacerdote. No entanto, o direito canónico determina, embora sem ir ao detalhe,
que as paróquias apresentem contas.
Como funcionam
então as finanças da Igreja? O primeiro patamar dos dinheiros diz respeito às
paróquias. O pároco, de acordo com as regras do direito canónico, é o
responsável máximo pelas finanças, ajudado por um conselho económico paroquial
- cuja existência é obrigatória, mas que pode ter uma dimensão variável.
"Nas paróquias mais pequenas o conselho é constituído apenas por uma ou
duas pessoas", esclarece um outro padre. No entanto, este órgão não tem
poder para deliberar - só tem poderes consultivos. Para que possa ser aberta
uma conta bancária de uma paróquia são necessárias duas assinaturas, uma delas
do padre. "Na prática, são quem pode movimentar o dinheiro", explica
o primeiro sacerdote consultado pelo i. Quando um padre muda de paróquia,
o bispo da diocese tem de passar uma credencial para que possam ser alterados
os titulares das contas. "As paróquias são independentes e autónomas no
que diz respeito à gestão corrente dos seus bens e dinheiros", continua a
mesma fonte. No entanto, são obrigadas a apresentar contas uma vez por ano ao
bispo da diocese ou à pessoa em quem este tiver delegado essa competência -
geralmente o ecónomo da diocese. Além de comunicarem a sua situação financeira,
as paróquias também têm o dever de informar o bispo sobre o cumprimento das
chamadas "vontades pias" - ou seja, sobre o cumprimento das
obrigações espirituais (como o número de missas rezadas).
Além das despesas
correntes, existem as despesas de administração extraordinária - como a compra
e venda de património ou a contratualização de empréstimos bancários. Para
estes casos existem regras específicas, definidas pela CEP. As autorizações
necessárias para as transacções variam consoante o montante que estiver em
causa. A paróquia só é obrigada a pedir autorização ao bispo se quiser alienar
bens, pedir um empréstimo ou se estiver em causa uma despesa cujo montante se
situe entre os 7500 e os 75 mil euros - abaixo dos 7500 euros, o padre da
paróquia tem total autonomia para decidir. No caso de a despesa ou de o
empréstimo se situar entre os 75 mil e os 250 mil euros, é necessária uma
autorização do bispo, depois de ouvir o Conselho Assuntos Económicos (CAE) da
diocese. Para valores entre 250 mil e 1,5 milhões de euros, é preciso que o
bispo dê autorização, mas só depois de obter um aval positivo do CAE e do
Colégio de Consultores da diocese - um grupo constituído por padres ou cónegos
que são conselheiros do bispo para vários assuntos, incluindo os financeiros.
Todas as despesas, empréstimos ou a alienação de património que impliquem mexer
em valores superiores a 1,5 milhões de euros carecem de uma autorização do
Vaticano - que também precisa de ser consultado no caso de uma paróquia ou
diocese pretender vender relíquias, ex-votos ou imagens consideradas de grande
veneração, independentemente do seu valor.
NÍVEL DOIS, AS
DIOCESES
No patamar das
dioceses há total autonomia na gestão das finanças. O responsável último pelas
contas é o bispo, considerado um sucessor dos apóstolos. Assim, entende--se que
não tem de prestar contas a ninguém. "Na Igreja há uma questão curiosa,
porque em primeiro lugar é administradora de bens imateriais e o seu principal
património são os sacramentos. Mas para que estes possam ser administrados é
preciso um substrato material, que também carece de gestão", sublinha um
dos padres que o i ouviu.
Além das paróquias
e das dioceses, há ainda a contabilidade das congregações - que são autónomas -
e das irmandades, associações de fiéis que gozam de personalidade jurídica
própria e são regidas por uma assembleia-geral e uma direcção. Apesar de
integrarem leigos, estão sujeitas aos mesmos privilégios e regras que as
paróquias, nomeadamente no que diz respeito ao dever de apresentar contas e
orçamentos à diocese.
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