terça-feira, 25 de junho de 2013

Portugal: SANTUÁRIO DE FÁTIMA E DIOCESES ESCONDEM AS CONTAS



Rosa Ramos – Jornal i

Só é necessária autorização de Roma para transacções acima de 1,5 milhões de euros. Bispos não têm de apresentar contas a ninguém

As perguntas foram enviadas por email e o i esperou mais de três semanas pelas respostas. Foi enviado um questionário a todas as dioceses portuguesas com o objectivo de conhecer o estado das finanças de cada uma, mas só duas devolveram o contacto - para informar que não responderiam. "Não é oportuno responder ao solicitado", explicou a diocese do Porto, a maior do país, também por email. "Esta diocese costuma apresentar anualmente as suas contas na assembleia do clero, mas sem qualquer divulgação pública", respondeu a diocese de Leiria-Fátima. Todas as outras ignoraram o contacto. Não tendo a colaboração das dioceses, a alternativa seria contactar um eventual organismo responsável, a nível nacional, pelas finanças da Igreja. Mas não existe nenhum: a Igreja não tem Ministério das Finanças nem Vítor Gaspar para tratar da sua contabilidade: cada diocese tem total autonomia para gerir dinheiros e património, excepto em transacções superiores a 1,5 milhões de euros. E segundo o direito canónico o bispo não tem de prestar contas a ninguém. "Uma vez por ano há uma reunião, geralmente em Fátima, dos ecónomos [responsáveis pelas finanças ] das dioceses", explica o padre Manuel Morujão, secretário da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), onde têm assento todos os bispos. Mas o encontro serve apenas para "trocar informação e know-how".

NÍVEL UM, AS PARÓQUIAS 

A contabilidade da Igreja é um assunto complexo. "Porque a Igreja não é uma entidade, há uma enorme variedade de regras jurídicas e de instituições", explica um sacerdote. No entanto, o direito canónico determina, embora sem ir ao detalhe, que as paróquias apresentem contas.

Como funcionam então as finanças da Igreja? O primeiro patamar dos dinheiros diz respeito às paróquias. O pároco, de acordo com as regras do direito canónico, é o responsável máximo pelas finanças, ajudado por um conselho económico paroquial - cuja existência é obrigatória, mas que pode ter uma dimensão variável. "Nas paróquias mais pequenas o conselho é constituído apenas por uma ou duas pessoas", esclarece um outro padre. No entanto, este órgão não tem poder para deliberar - só tem poderes consultivos. Para que possa ser aberta uma conta bancária de uma paróquia são necessárias duas assinaturas, uma delas do padre. "Na prática, são quem pode movimentar o dinheiro", explica o primeiro sacerdote consultado pelo i. Quando um padre muda de paróquia, o bispo da diocese tem de passar uma credencial para que possam ser alterados os titulares das contas. "As paróquias são independentes e autónomas no que diz respeito à gestão corrente dos seus bens e dinheiros", continua a mesma fonte. No entanto, são obrigadas a apresentar contas uma vez por ano ao bispo da diocese ou à pessoa em quem este tiver delegado essa competência - geralmente o ecónomo da diocese. Além de comunicarem a sua situação financeira, as paróquias também têm o dever de informar o bispo sobre o cumprimento das chamadas "vontades pias" - ou seja, sobre o cumprimento das obrigações espirituais (como o número de missas rezadas).

Além das despesas correntes, existem as despesas de administração extraordinária - como a compra e venda de património ou a contratualização de empréstimos bancários. Para estes casos existem regras específicas, definidas pela CEP. As autorizações necessárias para as transacções variam consoante o montante que estiver em causa. A paróquia só é obrigada a pedir autorização ao bispo se quiser alienar bens, pedir um empréstimo ou se estiver em causa uma despesa cujo montante se situe entre os 7500 e os 75 mil euros - abaixo dos 7500 euros, o padre da paróquia tem total autonomia para decidir. No caso de a despesa ou de o empréstimo se situar entre os 75 mil e os 250 mil euros, é necessária uma autorização do bispo, depois de ouvir o Conselho Assuntos Económicos (CAE) da diocese. Para valores entre 250 mil e 1,5 milhões de euros, é preciso que o bispo dê autorização, mas só depois de obter um aval positivo do CAE e do Colégio de Consultores da diocese - um grupo constituído por padres ou cónegos que são conselheiros do bispo para vários assuntos, incluindo os financeiros. Todas as despesas, empréstimos ou a alienação de património que impliquem mexer em valores superiores a 1,5 milhões de euros carecem de uma autorização do Vaticano - que também precisa de ser consultado no caso de uma paróquia ou diocese pretender vender relíquias, ex-votos ou imagens consideradas de grande veneração, independentemente do seu valor.

NÍVEL DOIS, AS DIOCESES 

No patamar das dioceses há total autonomia na gestão das finanças. O responsável último pelas contas é o bispo, considerado um sucessor dos apóstolos. Assim, entende--se que não tem de prestar contas a ninguém. "Na Igreja há uma questão curiosa, porque em primeiro lugar é administradora de bens imateriais e o seu principal património são os sacramentos. Mas para que estes possam ser administrados é preciso um substrato material, que também carece de gestão", sublinha um dos padres que o i ouviu.

Além das paróquias e das dioceses, há ainda a contabilidade das congregações - que são autónomas - e das irmandades, associações de fiéis que gozam de personalidade jurídica própria e são regidas por uma assembleia-geral e uma direcção. Apesar de integrarem leigos, estão sujeitas aos mesmos privilégios e regras que as paróquias, nomeadamente no que diz respeito ao dever de apresentar contas e orçamentos à diocese.

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