quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Moçambique: ACÇÃO DAS FORÇAS DE DEFESA EM GORONGOSA É ILEGAL

 

Victor Bulande – Verdade (mz), opinião
 
A permanência e a acção das Forças Armadas de Defesa de Moçambique e da Força de Intervenção Rápida, que culminaram com o assalto à base da Renamo em Sathunjira e a consequente “fuga” de Afonso Dhlakama são ilegais, segundo a sociedade civil, que se juntou a outras vozes em repúdio à actual situação de tensão político-militar que se vive no país.
 
No entender destas, se o Governo justifica a intervenção com a necessidade de se manter ou repor a ordem a tranquilidade públicas, não faz sentido que sejam as Forças Armadas de Defesa de Moçambique e a Força de Intervenção Rápida a fazê-lo uma vez que este papel cabe à Polícia da República de Moçambique.
 
Uma outra questão que também as inquieta é o facto de não se saber em que situação o país está para que fossem mobilizadas as Forças de Defesa e Segurança para aquele ponto do país. “Não sabemos se estamos em guerra, estado de sítio ou emergência”, referem as 20 organizações da sociedade civil, representadas por Graça Samo, secretária executiva do Fórum Mulher, Alice Mabota, presidente da Liga dos Direitos Humanos, e Adriano Nuvunga, director do Centro de Integridade Pública.
 
Em relação à tomada da base da Renamo, em Sathunjira, onde Afonso Dhlakama tinha fixado residência há cerca de um ano, as OSC julgam não ser possível aferir quem de facto tem razão porque o Governo diz que o ataque e o consequente assalto à base foi em resposta às provocações dos homens da “Perdiz”, enquanto esta diz que se tratou de uma acção que visava assassinar o seu líder.
 
Mais do que apontar culpados, elas consideram ser necessário esclarecer as circunstâncias em que as Forças de Defesa e Segurança foram parar nas imediações do “quartel-general” da Renamo até ao ponto de serem “provocadas” pelos seus homens.
 
“Se o Governo diz que os seus militares foram atacados pelos homens armados da Renamo e responderam, nós não temos como provar. Mas é necessário explicar o que eles (os militares) estavam a fazer lá (em Sathunjira), o que pretendiam?”, diz Alice Mabota, presidente da LDH, para quem os agentes das FADM e da FIR deviam questionar os reais motivos desta acção, pois também fazem parte do povo.
 
“Eles deviam parar de disparar e questionar as razões da sua ida e permanência naquele local e as causas desta luta. Eles estão lá a defender os interesses de meia dúzia de pessoas e não pensam nas consequências das suas acções”, sugere.
 
Face a este cenário, as OSC apelam ao Presidente da República para que faça uso dos poderes que lhes são conferidos pela Constituição da República para assegurar a manutenção da paz, tranquilidade e ordem públicas, assim como de todos os meios pacíficos para evitar um possível conflito armado.
 
Entretanto, caso a situação se deteriore, “os membros do Conselho do Estado devem manifestar-se contra uma eventual declaração de guerra”, que só o Chefe de Estado pode fazer, depois de ouvir aquele órgão.
 
Guebuza pode desarmar a Renamo sem usar armas
 
Justificando a acção das Forças de Defesa e Segurança, o Presidente da República, Armando Guebuza, terá dito, na província de Sofala, onde se encontrava em Presidência Aberta, que a mesma foi em “legítima defesa” e que não podem existir no país dois exércitos, numa clara alusão aos homens armados da Renamo.
 
Sobre o último ponto, Alice Mabota defende que “o Chefe de Estado, que é também Comandante em Chefe das Forças Armadas de Defesa de Moçambique, tem condições para desarmar a Renamo sem recorrer à violência ou às armas”, acrescenta.
 
Alice Mabota chama a atenção ainda para a necessidade de o Governo não omitir ou deturpar a informação sobre o que realmente está a acontecer no terreno, pois isso permite que as pessoas sejam manipuladas pela comunicação social. “Nós não estamos no terreno e ouvimos boatos. Não sabemos o que está realmente a acontecer, por isso devemos estar atentos às manipulações da comunicação social”.
 
Ataque a Sathunjira
 
Por seu turno, Adriano Nuvunga, director do CIP, é de opinião de que os últimos acontecimentos, nomeadamente o impasse nas negociações e a polémica compra de barcos, dão azo a que as pessoas pensem que o ataque à Sathunjira, que ditou a “fuga” de Afonso Dhlakama, já vinha sendo planeado desde há muito e que o Governo só precisava de tempo para se preparar.
 
“Os impasses no diálogo ou negociações com a Renamo e a recente aquisição, pouco clara, de barcos para a pesca de atum e patrulha marítima feita pelo Governo, através da Empresa Moçambicana de Atum, pertencente ao Serviço de Inteligência e Segurança do Estado, abre espaço para estas interpretações. A compra de barcos ainda não está clara, não se sabe se são apenas barcos ou se o negócio também envolve armamento”, diz.
 
Observadores internacionais não são necessários
 
Adriano Nuvunga não concorda com a atitude da Renamo, que boicotou o diálogo que vinha mantendo com o Governo alegando que o mesmo devia incluir observadores internacionais. Para ele, “por enquanto, não há necessidade de envolver a comunidade internacional passados 21 anos da assinatura dos Acordos Gerais de Paz, que puseram fim a 16 anos de conflito armado. A sociedade civil moçambicana já deu provas do que vale, e pode desempenhar esse papel”.
 
Tensão afasta os eleitores das urnas
 
Já Graça Samo, do Fórum Mulher, a actual tensão política pode ter efeitos contrários aos desejados, apesar de uma das partes, neste caso a Renamo, alegar que a mesma visa a criação de condições para o exercício de uma democracia verdadeira e plena. “De que adianta ter eleições se as pessoas vão ter medo de ir às urnas?”, questiona.
 
Refira-se que, até agora, as negociações entre o Governo e a Renamo gira à volta do Pacote Eleitoral. A “Perdiz” exige a paridade nos órgãos eleitorais, nomeadamente a Comissão Nacional de Eleições e o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral, por entender que só assim é que os partidos políticos podem participar em escrutínios em pé de igualdade.
 
Porém, o Governo diz que tal pretensão não faz sentido porque viola a Constituição da República, que, como diz, determina que tais órgãos sejam constituídos na base da proporcionalidade parlamentar, para além de que o papel de alterar as leis cabe à Assembleia da República.
 
O erro (do Governo) de Guebuza
 
O uso do Exército nestas operações é, segundo a Constituição da República, ilegal pois em nenhum momento o Presidente da República ouviu o Conselho de Estado, que é o seu órgão de consulta.
 
A última vez que tal aconteceu foi aquando da marcação da data das eleições gerais de 2014, que deverão ter lugar a 15 de Outubro.
 
Aliás, em Junho, o antigo Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas de Defesa de Moçambique, Paulino Macaringue, tinha levantado esta questão, ao afirmar que para a situação de Muxúnguè não havia necessidade de se envolver o Exército.
 
“O que está a acontecer em Muxúngwè é a existência de homens armados que pertencem a um partido que é signatário do Acordo Geral de Paz e que, por qualquer razão, escapa a alçada das Forças Armadas”, disse Macaringue.
 
Macaringue explicou ainda que o que está a acontecer naquela região são actos criminosos, que estão sob alçada da Polícia da República de Moçambique, e não das Forças Armadas de Defesa de Moçambique.
 
E mais: afirmou que, caso fosse necessária a intervenção destas, tal ordem devia ser dada única e exclusivamente pelo Presidente da República, na qualidade de Comandante-em-Chefe das Forças Armadas de Defesa de Moçambique.
 

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