Vasco Graça Moura –
Diário de Notícias, opinião
Pelos vistos há
quem, tendo defendido apressadamente a entrada em vigor do Acordo Ortográfico e
a sua pronta aplicação entre nós, comece a entrar em pânico, por ver agora esse
viçoso horizonte da escrita lusitana recuar para o limbo da irrecuperabilidade
de tão fecundas perspectivas.
Realmente, o
esforço que essas pessoas despenderam está a tornar-se dia a dia mais inglório
para tão destemidos seres. Mas eles ainda tentam uma cartada desesperada:
alvoroçam-se a advertir as massas ignaras de que, nada disso!, o Brasil mais
não fez do que adiar a data de início de aplicação do famigerado documento e,
como acontece com o Benfica, quem não é por ele não é bom chefe de família!
Consideram
intolerável que andem por aí uns vadios de bazuca ao ombro que não desistem de
atirar contra esse texto sacrossanto e afinal ele mantém-se em vigor, forte,
fiel, façanhoso, no esplendor inconsútil e diamantino da sua formulação de
1990...
O azar dos Távoras
desses defensores do Acordo é que, primeiro, nunca leram devidamente o texto
dele e, segundo, não têm lido os jornais, em Portugal e, sobretudo, no Brasil.
Se o tivessem
feito, teriam percebido sem grande convulsão cerebral por que razões até o
Brasil recusa o dito na sua forma presente, de tão mau que o papel é, e ficavam
também a saber que o adiamento veio culminar um processo de protestos
consecutivos da sociedade civil brasileira reclamando toda uma série de
alterações às normas nele contidas.
A sequência e o
encadeamento destes factos indiscutíveis e amplamente noticiados num crescendo
que marcou as últimas semanas de 2012 (basta ir ao Google para o verificar)
mostram que o adiamento é um acto político que dá resposta a essas reclamações
e abre a porta às alterações que forem julgadas necessárias.
Sendo assim, pode
dizer-se que o AO não foi alterado pela decisão de adiamento da Presidente
brasileira, mas também se pode ter a certeza de que ele será alterado pela
revisão a que vai ser sujeito, seja ou não proposta aos outros países de língua
portuguesa que nela participem!
E por isso mesmo,
também pode dizer-se que não se sabe em que é que vão consistir as alterações,
sobre que pontos vão incidir, em que aspectos e características da língua se
pretenderão baseadas, em que negociações, se negociações houver, assentarão.
Ou seja, pode
prever-se com excelentes razões e grande margem de segurança que essa coisa
insensata que se está a tentar aplicar em Portugal, sem que ninguém, aliás,
saiba bem como o fazer, vai deixar de ser o que é e não servirá para nada, a
não ser para aumentar a confusão e lesar ainda mais a língua portuguesa.
Os defensores do AO
agarram-se desesperadamente à situação que eles mesmos ajudaram a criar,
procurando que fosse imposto e adoptado sem discussão, jogando nas evasivas,
escamoteando o que se passa em Angola e Moçambique, esgueirando-se à revelia
das normas jurídicas e científicas aplicáveis, colaborando no atropelamento das
mais elementares regras de bom senso, dando como facto consumado a submissão da
sociedade civil à força da asneira.
Nesse engano de alma
ledo e cego, sentem-se porventura mais confortáveis com as três ortografias que
estão a ser aplicadas, deixam vibrar amplamente os humores com a tal
"unidade" da língua portuguesa que afinal contribuíram para
desmantelar e agora acorrem, num transe de subtileza hermenêutica que de
repente deles se apossou, a proclamar que tudo está como dantes e nada
aconteceu...
É pena. Deveriam
escabujar dando punhadas grossas no peito, fazer o mea culpa de preceito e
deixar-se de fitas. E deveriam ajudar a pensar como se há-de encontrar uma
solução decente para o imbróglio em que Portugal está metido por causa deles.
Deveriam também
tapar a cara de vergonha e pedir sem demora a demissão de membros efectivos
desse homólogo da CPLP que é "o" CPLP (Clube das Pantominas na Língua
Portuguesa).
(Por decisão
pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)
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