Pedro Bacelar de
Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião – em 18.01.13
Na próxima
quarta-feira, dia 23 de janeiro, completam-se dois anos sobre a eleição por
sufrágio direto e universal do Presidente da República.
Ainda que não seja
impossível que o Presidente nos venha a surpreender, a verdade é que o balanço
provisório destes dois primeiros anos do segundo mandato confirma a crescente
irrelevância do sistema semipresidencial adotado pela Constituição de 1976, o
que agora se torna flagrante no confronto da pior crise que o regime
democrático atravessou ao longo da sua curta história. A crise, a obsessão de a
esconjurar, o medo de não lhe resistir, foram o motivo real para a invenção
deste órgão de soberania peculiar e é por isso que a crise atual nos oferece a
ocasião perfeita e a bitola adequada para avaliarmos da sua real inutilidade e
impertinência.
Sobre o tom e a
oportunidade do discurso proferido na tomada de posse, a 9 de março de 2011 -
que assinalou o início do seu segundo mandato -, assim refletia, um ano mais
tarde, o presidente reeleito: "Teria de ser uma intervenção de fundo que
levasse o Governo a reorientar o sentido da sua ação, adotando as políticas
adequadas para ultrapassar a crise". O Presidente referia-se ao governo
minoritário do Partido Socialista chefiado por José Sócrates a que tinha dado
posse há pouco mais de um ano. Escrevi então nestas crónicas, a propósito de
tais considerações, que embora a reivindicação "de novas políticas" e
de "um sentido diverso para a ação governativa" se inscrevesse na
linha de fronteira que demarca o território reservado ao poder executivo, ainda
assim, Cavaco Silva não estava a exigir a partilha das competências da
governação, não se afastando por isso da orientação herdada dos seus
antecessores.
Pelo contrário,
reafirmava o Presidente logo adiante que "nos termos da Constituição, o
Governo é o órgão responsável pela condução da política geral do país" e
que, de "facto, o Presidente não pode, nem deve, substituir-se ao Governo
nem à Oposição, a quem cabe encontrar as alternativas políticas à solução
governativa existente". Mas sendo assim, se compete exclusivamente à
Oposição "encontrar as alternativas políticas", não terá sido de
grande imprudência a nomeação pelo Presidente de um governo minoritário, em
2009, quando ele próprio já alertava, com veemência, para a enorme gravidade da
situação do país? É verdade que não lhe compete "encontrar as alternativas
políticas" mas isso não o inibe de as procurar, de promover entendimentos
e, muito menos, de rejeitar as más soluções. Todavia, para não criar
animosidades que perturbassem a sua reeleição, preferiu vergar-se, em 2009, ao
capricho de um candidato a primeiro--ministro e nomeou um governo minoritário
para, logo após a sua reeleição, aceitar prontamente a demissão do mesmo
governo e dissolver o Parlamento, em 2011, precipitando o resgate financeiro da
República que, desastradamente, o governo ainda tentava evitar a todo o custo.
A função
"moderadora" do Presidente continuou a exibir a sua inocuidade em
2012 e 2013. Depois do "chumbo" do Orçamento de 2012, um mínimo de
prudência aconselharia o controlo preventivo do orçamento de 2013, ainda que
isso implicasse algum ligeiro atraso na sua entrada em vigor, mas o orçamento
foi promulgado e foi transferido para o Tribunal Constitucional o ónus agravado
de uma intrusão direta na função governativa a que o Presidente, contudo,
preferira poupar-se.
Se há
"gorduras" para cortar no aparelho de Estado, numa infeliz expressão
que acabaria por se vulgarizar, corte-se então a eleição por sufrágio universal
do PR e poupe-se na dissolução expedita da AR e nas dispendiosas eleições
antecipadas que, aliás, nunca se consumaram sem a aprovação prévia dos partidos
com representação parlamentar, em sede de Conselho de Estado. Nada tem
favorecido mais a desresponsabilização dos eleitos e a degradação da democracia
representativa do que a facilidade da dissolução do Parlamento, desde os
governos de António Guterres até Durão Barroso/Santana Lopes, Sócrates e, como
veremos em breve, Passos Coelho.
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