quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Portugal: AGONIA DO SEMI PRESIDENCIALISMO




Pedro Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião – em 18.01.13

Na próxima quarta-feira, dia 23 de janeiro, completam-se dois anos sobre a eleição por sufrágio direto e universal do Presidente da República.

Ainda que não seja impossível que o Presidente nos venha a surpreender, a verdade é que o balanço provisório destes dois primeiros anos do segundo mandato confirma a crescente irrelevância do sistema semipresidencial adotado pela Constituição de 1976, o que agora se torna flagrante no confronto da pior crise que o regime democrático atravessou ao longo da sua curta história. A crise, a obsessão de a esconjurar, o medo de não lhe resistir, foram o motivo real para a invenção deste órgão de soberania peculiar e é por isso que a crise atual nos oferece a ocasião perfeita e a bitola adequada para avaliarmos da sua real inutilidade e impertinência.

Sobre o tom e a oportunidade do discurso proferido na tomada de posse, a 9 de março de 2011 - que assinalou o início do seu segundo mandato -, assim refletia, um ano mais tarde, o presidente reeleito: "Teria de ser uma intervenção de fundo que levasse o Governo a reorientar o sentido da sua ação, adotando as políticas adequadas para ultrapassar a crise". O Presidente referia-se ao governo minoritário do Partido Socialista chefiado por José Sócrates a que tinha dado posse há pouco mais de um ano. Escrevi então nestas crónicas, a propósito de tais considerações, que embora a reivindicação "de novas políticas" e de "um sentido diverso para a ação governativa" se inscrevesse na linha de fronteira que demarca o território reservado ao poder executivo, ainda assim, Cavaco Silva não estava a exigir a partilha das competências da governação, não se afastando por isso da orientação herdada dos seus antecessores.

Pelo contrário, reafirmava o Presidente logo adiante que "nos termos da Constituição, o Governo é o órgão responsável pela condução da política geral do país" e que, de "facto, o Presidente não pode, nem deve, substituir-se ao Governo nem à Oposição, a quem cabe encontrar as alternativas políticas à solução governativa existente". Mas sendo assim, se compete exclusivamente à Oposição "encontrar as alternativas políticas", não terá sido de grande imprudência a nomeação pelo Presidente de um governo minoritário, em 2009, quando ele próprio já alertava, com veemência, para a enorme gravidade da situação do país? É verdade que não lhe compete "encontrar as alternativas políticas" mas isso não o inibe de as procurar, de promover entendimentos e, muito menos, de rejeitar as más soluções. Todavia, para não criar animosidades que perturbassem a sua reeleição, preferiu vergar-se, em 2009, ao capricho de um candidato a primeiro--ministro e nomeou um governo minoritário para, logo após a sua reeleição, aceitar prontamente a demissão do mesmo governo e dissolver o Parlamento, em 2011, precipitando o resgate financeiro da República que, desastradamente, o governo ainda tentava evitar a todo o custo.

A função "moderadora" do Presidente continuou a exibir a sua inocuidade em 2012 e 2013. Depois do "chumbo" do Orçamento de 2012, um mínimo de prudência aconselharia o controlo preventivo do orçamento de 2013, ainda que isso implicasse algum ligeiro atraso na sua entrada em vigor, mas o orçamento foi promulgado e foi transferido para o Tribunal Constitucional o ónus agravado de uma intrusão direta na função governativa a que o Presidente, contudo, preferira poupar-se.

Se há "gorduras" para cortar no aparelho de Estado, numa infeliz expressão que acabaria por se vulgarizar, corte-se então a eleição por sufrágio universal do PR e poupe-se na dissolução expedita da AR e nas dispendiosas eleições antecipadas que, aliás, nunca se consumaram sem a aprovação prévia dos partidos com representação parlamentar, em sede de Conselho de Estado. Nada tem favorecido mais a desresponsabilização dos eleitos e a degradação da democracia representativa do que a facilidade da dissolução do Parlamento, desde os governos de António Guterres até Durão Barroso/Santana Lopes, Sócrates e, como veremos em breve, Passos Coelho.

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