Les Echos, Die
Welt, Gazeta Wyborcza & 4 outros – Presseurop – imagem Peter
Brookes
O discurso do
primeiro-ministro britânico, de 23 de janeiro, sobre o futuro das relações
entre o seu país e a UE, é tema de primeira página da maioria dos jornais
europeus. A hipótese de saída do Reino Unido suscita reações que vão da
indignação a uma certa compreensão.
São também muitos
os jornais que, tal
como uma boa parte da imprensa britânica, reconhecem que Cameron levantou
questões legítimas e que merecem uma resposta, tanto ao nível nacional como
europeu.
Em Paris, Les Echos considera que o discurso de David Cameron lança
"desafios perigosos". Este diário económico não hesita em comparar o
primeiro-ministro à sua distante antecessora:
Como fez no seu
tempo Margaret Thatcher, David Cameron não se preocupa com o interesse comum
que representa a construção de uma Europa como potência económica – e,
necessariamente política. A sua visão passa por uma Europa feita por medida, da
qual seja possível ser membro sem aceitar todas obrigações, estar na União sem
estar no euro e em Schengen. No entanto, se a crise do euro e os planos de
salvamento da Grécia serviram para alguma coisa, foi para mostrar a necessidade
de uma integração mais estreita dos países europeus, designadamente em matéria
orçamental, fiscal e financeira. Pelo menos entre os 17 países do euro. Não é
evidentemente esse o objetivo de David Cameron.
Na Alemanha, Die Welt considera que
"Cameron põe o dedo nas feridas da UE" e opina – como a esmagadora
maioria dos comentadores alemães – que as dúvidas do primeiro-ministro
britânico são absolutamente legítimas e até "libertadoras".
Cameron está longe
de estar isolado na sua análise das mudanças que a UE enfrenta e não se pode
responder a essa análise com um simples ´continuemos em frente´. […] A atitude
do primeiro-ministro britânico de pôr em cima da mesa [a questão da
estabilização da zona euro através de um aprofundamento da UE] não é
antieuropeia. Também não é antieuropeu da parte de Cameron recordar que a
competitividade da União se encontra ameaçada e atribuir a responsabilidade por
isso (nomeadamente) a uma gestão esclerosada da UE – as regras e ordens
exageradas que paralisam muitas forças criativas na economia. E não é de modo
algum antieuropeu recordar o défice democrático humilhante e a falta de
confiança dos cidadãos na UE e nas suas instituições. […] O Reino Unido segue
uma abordagem ‘mais prática que emocional’, diz Cameron. Isso talvez fizesse
bem a todos nós.
"O Reino Unido
não sonha com uma existência confortável e isolada na orla da Europa", diz
o comentador do Gazeta Wyborcza, Tomasz Bielecki, que recorda o discurso de Margaret Thatcher, de 1988,
salientando que, para Cameron, que, tal como Thatcher, é um forte crítico da
UE, mas defende ao mesmo tempo a continuidade da qualidade de membro da
Comunidade Europeia para o Reino Unido, a Brexit seria um acidente de trabalho
fatal, tal como (…) seria um duro golpe contra a união de 27 países, e a zona
euro tornar-se-ia o único polo de verdadeira integração, rodeado pelas
periferias da UE. Para nós [polacos], é certamente muito mais perigoso que para
os britânicos. O zloti polaco não é a libra britânica e as Ilhas Britânicas não
são a Polónia, que tem vizinhos que nem sempre são fáceis. O jogo de David
Cameron deveria levar-nos a seguir em frente com planos concretos para aderir à
zona euro.
Em Estocolmo, o Svenska Dagbladet salienta que
Cameron não é o único na Europa a exprimir a ideia segundo a qual "a
adesão à UE não deve ser o equivalente a comprar um bilhete para um comboio
fantasma, que não para em nenhuma estação e tem destino desconhecido". As
reações ao seu discurso eram previsíveis, sublinha este diário: "em toda a
Europa, ouvia-se dizer que a UE não é um smörgåsbord [bufete
escandinavo], onde cada um pode escolher livremente o que quer." "Mas
haverá apenas um caminho possível?", pergunta o diário:
A resposta é
claramente não, dado o modo como a UE já funciona hoje: a Suécia não tem o
euro. O Reino Unido não faz parte do espaço Schengen. Os exemplos são muitos.
[…] Para os britânicos, a alternativa é fazer face a uma UE que parte em todos
os sentidos, com as seguintes perguntas: ‘How? Why? To what end?’ [Como?
Porquê? Em que direção?]. Perguntas que deveriam ser do interesse de todos os
Estados-membros e no interesse da União.
No mesmo
comprimento de onda, o România liberă considera que
a União "flexível, adaptável e aberta" proposta por Cameron é uma
provocação muito séria. Este diário de Bucareste salienta que, pela primeira
vez, um dirigente europeu apresenta uma visão da UE diferente da visão de uma
integração política mais profunda; uma visão mais modesta, mas mais liberal e
mais centrada no mercado livre. Até agora, a Roménia optou pelos Estados Unidos
da Europa e pelo modelo alemão da União Europeia. Agora que existe outra visão,
os nossos dirigentes políticos talvez se empenhem num verdadeiro debate sobre o
modelo europeu mais vantajoso para um país como o nosso, pois é certamente isso
que vão fazer outros países.
"Cameron lança
uma sombra sobre a UE", lamenta por seu turno o jornal De
Volkskrant. Este diário de Amesterdão, a cidade onde o primeiro-ministro
deveria à partida ter pronunciado o seu discurso, considera contudo que o seu
projeto deve ser levado a sério pela UE, se esta quiser garantir a sua
sobrevivência:
Será muito difícil
responder às exigências de Cameron, sem prejudicar toda a construção europeia.
Quando um Estado-membro deseja voltar atrás sobre determinados acordos, haverá
sem dúvida outros países que irão exigir exceções. Mas a saída do Reino Unido
não é do interesse da UE – e, designadamente, da Holanda. É por isso que a
Comissão Europeia e os outros Estados-membros devem levar seriamente em
consideração as propostas britânicas. Além disso, a iniciativa britânica dá a
Bruxelas matéria para reflexão: seria insensato lançarmo-nos em projetos de
integração, se estes puserem em perigo a unidade da União Europeia.
Em Madrid, Lluis Bassets refere, em El
País, que "a Europa britânica" se assemelha mais a uma
"simples zona de comércio livre", como foi "a EFTA, criada como
alternativa à Comunidade Económica Europeia". Este editorialista considera
que, para o primeiro-ministro, a UE é um mero instrumento e não um objetivo.
Para Cameron, embora não o diga ainda com todas as letras, a questão é clara:
ou a UE se converte naquilo que os eurocéticos estão dispostos a tolerar ou não
haverá outro remédio senão sair. O descaramento da chantagem é espantoso […]. O
sonho conservador é relacionar-se sem intermediários com o mundo global e utilizar
a UE como um mero espaço de comércio livre, o mais desregulamentado possível. É
uma ideia que, um dia, pode ter sido atraente à partida, mas que agora choca
com uma série de obstáculos; o maior é a dificuldade de todos os países
europeus, incluindo o Reino Unido, de existirem por si mesmos num mundo global,
como se fossem potências emergentes e não velhas antigas potências europeias.
Washington e Pequim recriminam Cameron pelas suas ambiguidades: preferem
relacionar-se com Londres através de uma UE forte.
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