Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
Não há cidadão
minimamente interessado na coisa pública que não esteja preocupado com a saúde
do nosso sistema político. Só alguém muito distraído ou desinteressado pode
ignorar que os principais partidos estão reféns de caciques sem ideologia ou
pensamento político e que parte importante dos candidatos a cargos políticos
são escolhidos não em função das suas qualidades mas da cega fidelidade a quem
manda no partido.
Não é difícil
prever que os partidos não se auto-regenerarão. Talvez o pessimismo dos tempos
me tenha também afectado, mas não acredito que o monstro abdique do seu próprio
poder. Ou então trocará um bocadinho por ainda mais. É nisso que as máquinas
partidárias se transformaram: pensam só e apenas no poder.
Também poucos
desconhecerão a cada vez menor capacidade da vida política atrair os melhores e
os mais capazes de nós.
As razões são
muitas, desde logo o bloqueio que as máquinas partidárias realizam actuando
como filtro: estando dominadas por medíocres, dificilmente deixam não medíocres
crescer dentro da estrutura. Mas há outras e igualmente importantes: o discurso
populista contra os políticos, o nível de devassa da vida privada a que ficam
sujeitos e as baixas remunerações que auferem. Sim, é verdade. É absolutamente
inacreditável que um cidadão que gere uma cidade como Lisboa ou como o Porto
traga menos de 3000 euros para casa ao fim do mês. Ninguém, sendo honesto, vai
para a política com o objectivo de ficar rico, mas há limites minimamente
justos de remuneração face ao trabalho e à responsabilidade.
A semana passada,
um conjunto de cidadãos divulgou um documento intitulado "manifesto pela
democratização do regime" com algumas ideias para a reforma do sistema
político. Não cabe aqui a análise das suas propostas. Algumas concretas, mas
outras demasiado genéricas ou mesmo muito vagas. O fundamental é salientar a
importância da acção, a vontade de participar, a constatação de que a
comunidade ainda não foi vencida pela apatia.
Outros manifestos
se seguirão. Alguns, infelizmente, com uma linha populista, aqueles que serão
contra os partidos, contra a política e contra os políticos, ou seja, contra a
democracia. Outros, espero muitos, com objectivos sérios e procurando reforçar
e reformar a democracia.
O grande problema
que vejo em todos estes documentos, nomeadamente no referido, já apresentados e
por apresentar (sim, é um palpite), é a tentação, ou melhor, o profundo erro de
confundir o actual estado económico do País com os problemas do nosso sistema
político, nomeadamente o papel dos partidos. É que vamos ver se nos entendemos:
não foi por défice de representação que foram cometidos os erros na governação;
as raízes da nossa crise até podem estar relacionadas com problemas de
representação política, mas não local e sim europeia; as políticas de que
estamos a ser vítimas não são consequência dos problemas dos nossos principais partidos,
estão muito para além deles; os nossos défices estruturais históricos, a nossa
estrutura económica não foi propriamente criada pela incompetência da actual
classe política.
Mais, quer
queiramos quer não, é muito aos nossos políticos que devemos o autêntico
milagre de desenvolvimento social e político que se deu nos últimos trinta
anos.
O que não
surpreende de todo é o facto de aparentemente a comunidade se preocupar com a
saúde da democracia e do sistema político no momento em que a recessão
económica e o desemprego grassam. Sou suficientemente antigo para me lembrar do
último estertor cavaquista no Governo, dos governos socialistas e dos amigos em
tudo o que era administração de empresas públicas e afins. Sei também quem são
os políticos sobre quem impendem acusações graves de corrupção e pior. São do
tempo em que tudo corria bem, não é?
Pois, tudo corre
bem na democracia quando há pão e emprego, mas não há fé na democracia que
resista à sua falta. E só nessa altura é que se põe tudo em causa.
Claro que temos de
lutar por todos os meios para melhorar a nossa democracia, convém é não
confundirmos os seus actuais graves problemas com os males que estamos a passar
e metê-los todos no mesmo saco. Nem ajudamos a reformar o sistema nem ajudamos
a encontrar soluções para a crise económica e social que atravessamos.
Por decisão
pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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