A Semana (cv)
São cada vez mais
os angolanos interessados em comprar casa no nosso país. O seu excelente poder
de compra – aliado à sua empatia com estas ilhas – contrasta com a quebra da
capacidade financeira daqueles que antes eram o público‑alvo preferencial do
sector imobiliário nacional: os emigrantes. Com o agravamento da crise
internacional, os cabo-verdianos na diáspora abrandaram os seus investimentos
nas ilhas. Assim, Angola, a par de outros mercados emergentes, surge como o
grande escape para os empresários nacionais.
A retracção da
confiança e do poder de compra entre os cabo-verdianos no estrangeiro é
confirmada pelos mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatísticas
relativos ao quarto trimestre de 2012. O INE dá conta de que “a intenção de
comprar ou construir uma casa até 2015 é nula para 52 por cento dos
cabo-verdianos inquiridos, contra apenas 10 por cento que admite adquirir um
imóvel ou construir nos próximos dois anos”.
Estes números
obrigam o sector imobiliário a procurar novas soluções para fugir à crise. Os
mercados emergentes parecem ser a saída mais viável. “Antes o nosso mercado era
essencialmente direccionado para emigrantes e jovens quadros, mas nos últimos
tempos a maioria viu diminuir os seus rendimentos ou ficou sem emprego. A
dificuldade de acesso ao crédito para jovens é enorme, por isso o sector
enfraqueceu”.
Mas, contrariando
esta tendência, há cada vez mais angolanos interessados em adquirir casa nas
ilhas de Cabo Verde. Para férias, fins-de-semana, reforma ou simplesmente como
um investimento na segunda casa. Como factores de atracção jogam a nosso favor
o clima de música, festas e mulheres bonitas, a ‘morabeza’ do povo, as fortes
relações históricas e culturais entre os dois países, a vida ‘sem stress’ e a
tranquilidade, que constrastam com a poluição, a insegurança e o trânsito
caótico da cidade de Luanda, por exemplo.
“Os angolanos
sentem-se em casa em Cabo Verde, assim como nós também sentimo-nos em casa lá
em Angola. A identificação é grande, gostam da nossa cachupa e de dançar a
nossa música. Aliás, sempre existiram fortes laços de amizade entre os dois
países”. A afirmação é de Fernanda Vieira, uma das administradoras da Tecnicil
Imobiliária, empresa que já percebeu essa abertura e tem procurado aproveitar
da melhor forma o mercado angolano.
Fernanda Vieira,
que confessa falar “com o coração” por ser descendente de angolanos e amar
igualmente os dois países, garante que “há muito tempo que a Tecnicil tem
clientes angolanos. Desde a primeira fase do Copacabana Palace, no Mindelo, os
primeiros apartamentos foram vendidos a clientes angolanos, o mesmo se passa
com a Vila Verde Resort, na ilha do Sal”.
Vantagens de
comprar casa em Cabo Verde
Agora, com a ponte
aérea Luanda/Praia, os angolanos redescobriram o nosso país não só para férias
mas também como destino dos seus investimentos. Além de se sentirem “em casa”
no arquipélago, os preços dos imóveis fazem com que fiquem de “queixo caído”.
Chegam a ser até quatro vezes mais baixos que os exorbitantes valores
praticados no seu país de origem.
Além disso, os
angolanos elogiam a qualidade e rapidez da assistência médica cabo-verdiana.
“Marcam consultas, fazem check-ups completos a bom preço e recebem os
resultados em pouco tempo. Todos esses factores têm contribuido para atrair os
angolanos”.
“A qualidade de
vida é excelente e o custo de vida é bem mais baixo quando comparado a Angola”,
conta Nádia Furtado, angolana com familiares na ilha de Santiago. A jovem de 28
anos pensa comprar, em breve, uma casa em Cabo Verde, país para onde viaja todos
os anos. “Não preciso de uma casa muito grande. Por isso procuro um pequeno
apartamento que ronde os 40 mil dólares. Mas teria de ser em São Vicente, com
certeza”. Nádia confessa-se rendida aos encantos da ilha do Monte Cara. “Gosto
por ser pequena e mais calma”.
Sector imobiliário
deve ser mais agressivo
Apesar desta
apetência dos angolanos por Cabo Verde, as empresas nacionais do ramo
imobiliário, na sua grande maioria ainda não perceberam qual a melhor forma de
atrair esses clientes. Mas já há homens de negócios de Angola a tirar proveito
da falta de dinamismo dos empresários nacionais. “Chegam inclusive a comprar
vários apartamentos para revender no seu país de origem e a preços mais
elevados. Nós podemos criar produtos imobiliários direccionados essencialmente
para os angolanos, ou seja, definir as suas preferências e desenvolver
projectos para atrair esse mercado” conta um empresário de São Vicente sob
anonimato.
A burocracia que
envolve a compra de um imóvel em Angola é muito maior do que em Cabo Verde,
pelo que muitas vezes pode existir desconfiança em relação à credibilidade dos
contratos assinados por cá. “Ficam admirados quando informamos que em poucas
semanas conseguimos reunir toda a papelada necessária para legalizar a compra
das casas e dos terrenos. Ou seja, registar, fazer a escritura notarial,
increver no tombo matricial, na câmara municipal. Mas a partir do momento que
percebem que estão a lidar com pessoas cumpridoras, em quem podem confiar e que
as nossas instituições funcionam, ganham confiança e percebem que podem
investir sem problemas”, conclui.
Cabe agora ao
sector imobiliário cabo-verdiano, às entidades governamentais, câmaras do
comércio e turismo adoptar uma atitude mais agressiva para chegar a este novo
destino de negócios. Mas há outros. O Senegal, a África do Sul ou a
Guiné-Equatorial também representam excelentes oportunidades de negócio, até
agora sub-aproveitadas pelos empresários cabo-verdianos excessivamente crentes
nos mercados europeus, já bastante desgastados e endividados.
Além da África, o
mercado asiático tem vindo a dar cartas no cenário da economia mundial há já
algum tempo, com destaque para o ‘Gigante Chinês’. Os especialistas em
‘Mercados Emergentes’ estão também ‘de olho’ na Rússia, com a sua economia em
franca ascensão e que é uma excelente alternativa para fugir à crise que se
abateu sobre os Estados da União Europeia. “Os russos são grandes investidores.
Neste momento são os mais gastadores do mundo. É só ver as somas colossais que
dispendem para comprar prédios no centro de Nova Iorque, Londres, etc”, comenta
um analista do mercado mundial. Aliás, lembra esse analista, Cabo Verde até
agora não soube tirar proveito do facto do presidente Dmitri Medvedev adorar a
ilha do Sal, e não perder a oportunidade para nas suas viagens com escala no
nosso país, aproveitar as nossas praias e dar bons mergulhos nas nossas águas
tépidas o ano todo. E se o presidente faz, porque não faria um russo
endinheirado e até de classe média? Afinal, Cabo Verde seria um bom escape para
o rigoroso inverno, que por exemplo neste momento fustiga as estepes russas”, É
o desafio que fica no ar.
“Temos sido muito
lentos nesse domínio”
Para quando a
criação de missões empresariais direccionadas especificamente para estes
mercados emergentes? “Há muito tempo que isso vem sendo feito pelo sector privado”,
responde Gualberto do Rosário, presidente da Câmara do Turismo de Cabo Verde.
Mas falta uma atitude mais dinâmica das entidades públicas. “A CT tem apelado
constantemente ao Estado para que seja um parceiro do sector privado e
principalmente das empresas dos sectores do turismo e imobiliário, que cumprem
o papel de eixos fundamentais do desenvolvimento da economia do país”.
Na opinião de GR,
muito mais poderia ser feito a nível governamental: promover a competitividade
fiscal, melhorar a segurança jurídica, modernizar o sistema financeiro e
favorecer a transferência de capitais para motivar os empresários desses
mercados emergentes a se interessarem por negócios em Cabo Verde. A condição
sine qua non é a criação de instrumentos que facilitem as relações comerciais
internacionais, essencialmente a “isenção da dupla tributação com estes países.
Temos sido muitissimo lentos nesse domínio e o que tem sido feito é muito
pouco”, critica.
A administradora da
Tecnicil Imobiliária, Fernanda Vieira, reforça esta ideia e defende a
assinatura de acordos de parceria entre o Estado de Cabo Verde e estes novos
mercados como forma de facilitar o ambiente de negócios.“No caso de Angola,
temos uma irmandade, uma história comum e há vontade dos dois países em fazer
parcerias comerciais. O problema é que o Banco Central de Angola determinou
limitar a saída de divisas do país e com esta medida muitos angolanos com meios
financeiros e que querem comprar casas ou fazer outros investimentos não
conseguem retirar o seu dinheiro ou transferi-lo para Cabo Verde”, lamenta.
Fernanda Vieira
sugere a criação de linhas de crédito por parte dos bancos angolanos presentes
em Cabo Verde, como o BAI. E congratula-se com o facto do BIC-Angola ter
comprado o BPN-IFI sediado na cidade da Praia. Mais um canal a explorar e que
pode ponteciar o investimento angolano em Cabo Verde. Isso possibilitaria
transferências monetárias de Angola para as contas dentro do arquipélago.
“Neste momento estou a lidar com o caso de um cliente que quer comprar, tem dinheiro,
mas não consegue transferir o montante necessário de Angola para Cabo Verde,
dentro da legalidade. O Estado de Cabo Verde deveria intervir junto do Governo
angolano no sentido de contornar esta limitação”, defende.
No próximo mês de
Abril, todos os empresários do ramo imobiliário são chamados a participar de
uma ronda de negócios na ilha do Sal entre promotores imobiliários
cabo-verdianos e homens de negócios de países de língua portuguesa. Trata-se do
CIMLOP - Confederação de Construção e do Imobiliário dos países de língua
portuguesa. “Somos membros do conselho directivo e desta confederação fazem
parte também Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Portugal e
Brasil. Nas reuniões sempre apresentamos Cabo Verde como um destino de negócios.
Só no Brasil são mais de 400 mil membros”, anuncia Gualberto do Rosário. O
presidente da Câmara do Turismo espera que deste encontro possam sair parcerias
rentáveis no ramo imobiliário e de construção para Cabo Verde. Pode ser um bom
começo, nesta busca de novos mercados para o sector imobiliário cabo-verdiano.
Susana Rendall Rocha
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