domingo, 24 de março de 2013

ANGOLANOS CADA VEZ MAIS INTERESSADOS EM TER CASA EM CABO VERDE




A Semana (cv)

São cada vez mais os angolanos interessados em comprar casa no nosso país. O seu excelente poder de compra – aliado à sua empatia com estas ilhas – contrasta com a quebra da capacidade financeira daqueles que antes eram o público‑alvo preferencial do sector imobiliário nacional: os emigrantes. Com o agravamento da crise internacional, os cabo-verdianos na diáspora abrandaram os seus investimentos nas ilhas. Assim, Angola, a par de outros mercados emergentes, surge como o grande escape para os empresários nacionais.

A retracção da confiança e do poder de compra entre os cabo-verdianos no estrangeiro é confirmada pelos mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatísticas relativos ao quarto trimestre de 2012. O INE dá conta de que “a intenção de comprar ou construir uma casa até 2015 é nula para 52 por cento dos cabo-verdianos inquiridos, contra apenas 10 por cento que admite adquirir um imóvel ou construir nos próximos dois anos”.

Estes números obrigam o sector imobiliário a procurar novas soluções para fugir à crise. Os mercados emergentes parecem ser a saída mais viável. “Antes o nosso mercado era essencialmente direccionado para emigrantes e jovens quadros, mas nos últimos tempos a maioria viu diminuir os seus rendimentos ou ficou sem emprego. A dificuldade de acesso ao crédito para jovens é enorme, por isso o sector enfraqueceu”.

Mas, contrariando esta tendência, há cada vez mais angolanos interessados em adquirir casa nas ilhas de Cabo Verde. Para férias, fins-de-semana, reforma ou simplesmente como um investimento na segunda casa. Como factores de atracção jogam a nosso favor o clima de música, festas e mulheres bonitas, a ‘morabeza’ do povo, as fortes relações históricas e culturais entre os dois países, a vida ‘sem stress’ e a tranquilidade, que constrastam com a poluição, a insegurança e o trânsito caótico da cidade de Luanda, por exemplo.

“Os angolanos sentem-se em casa em Cabo Verde, assim como nós também sentimo-nos em casa lá em Angola. A identificação é grande, gostam da nossa cachupa e de dançar a nossa música. Aliás, sempre existiram fortes laços de amizade entre os dois países”. A afirmação é de Fernanda Vieira, uma das administradoras da Tecnicil Imobiliária, empresa que já percebeu essa abertura e tem procurado aproveitar da melhor forma o mercado angolano.

Fernanda Vieira, que confessa falar “com o coração” por ser descendente de angolanos e amar igualmente os dois países, garante que “há muito tempo que a Tecnicil tem clientes angolanos. Desde a primeira fase do Copacabana Palace, no Mindelo, os primeiros apartamentos foram vendidos a clientes angolanos, o mesmo se passa com a Vila Verde Resort, na ilha do Sal”.

Vantagens de comprar casa em Cabo Verde

Agora, com a ponte aérea Luanda/Praia, os angolanos redescobriram o nosso país não só para férias mas também como destino dos seus investimentos. Além de se sentirem “em casa” no arquipélago, os preços dos imóveis fazem com que fiquem de “queixo caído”. Chegam a ser até quatro vezes mais baixos que os exorbitantes valores praticados no seu país de origem.

Além disso, os angolanos elogiam a qualidade e rapidez da assistência médica cabo-verdiana. “Marcam consultas, fazem check-ups completos a bom preço e recebem os resultados em pouco tempo. Todos esses factores têm contribuido para atrair os angolanos”.

“A qualidade de vida é excelente e o custo de vida é bem mais baixo quando comparado a Angola”, conta Nádia Furtado, angolana com familiares na ilha de Santiago. A jovem de 28 anos pensa comprar, em breve, uma casa em Cabo Verde, país para onde viaja todos os anos. “Não preciso de uma casa muito grande. Por isso procuro um pequeno apartamento que ronde os 40 mil dólares. Mas teria de ser em São Vicente, com certeza”. Nádia confessa-se rendida aos encantos da ilha do Monte Cara. “Gosto por ser pequena e mais calma”.

Sector imobiliário deve ser mais agressivo

Apesar desta apetência dos angolanos por Cabo Verde, as empresas nacionais do ramo imobiliário, na sua grande maioria ainda não perceberam qual a melhor forma de atrair esses clientes. Mas já há homens de negócios de Angola a tirar proveito da falta de dinamismo dos empresários nacionais. “Chegam inclusive a comprar vários apartamentos para revender no seu país de origem e a preços mais elevados. Nós podemos criar produtos imobiliários direccionados essencialmente para os angolanos, ou seja, definir as suas preferências e desenvolver projectos para atrair esse mercado” conta um empresário de São Vicente sob anonimato.

A burocracia que envolve a compra de um imóvel em Angola é muito maior do que em Cabo Verde, pelo que muitas vezes pode existir desconfiança em relação à credibilidade dos contratos assinados por cá. “Ficam admirados quando informamos que em poucas semanas conseguimos reunir toda a papelada necessária para legalizar a compra das casas e dos terrenos. Ou seja, registar, fazer a escritura notarial, increver no tombo matricial, na câmara municipal. Mas a partir do momento que percebem que estão a lidar com pessoas cumpridoras, em quem podem confiar e que as nossas instituições funcionam, ganham confiança e percebem que podem investir sem problemas”, conclui.

Cabe agora ao sector imobiliário cabo-verdiano, às entidades governamentais, câmaras do comércio e turismo adoptar uma atitude mais agressiva para chegar a este novo destino de negócios. Mas há outros. O Senegal, a África do Sul ou a Guiné-Equatorial também representam excelentes oportunidades de negócio, até agora sub-aproveitadas pelos empresários cabo-verdianos excessivamente crentes nos mercados europeus, já bastante desgastados e endividados.

Além da África, o mercado asiático tem vindo a dar cartas no cenário da economia mundial há já algum tempo, com destaque para o ‘Gigante Chinês’. Os especialistas em ‘Mercados Emergentes’ estão também ‘de olho’ na Rússia, com a sua economia em franca ascensão e que é uma excelente alternativa para fugir à crise que se abateu sobre os Estados da União Europeia. “Os russos são grandes investidores. Neste momento são os mais gastadores do mundo. É só ver as somas colossais que dispendem para comprar prédios no centro de Nova Iorque, Londres, etc”, comenta um analista do mercado mundial. Aliás, lembra esse analista, Cabo Verde até agora não soube tirar proveito do facto do presidente Dmitri Medvedev adorar a ilha do Sal, e não perder a oportunidade para nas suas viagens com escala no nosso país, aproveitar as nossas praias e dar bons mergulhos nas nossas águas tépidas o ano todo. E se o presidente faz, porque não faria um russo endinheirado e até de classe média? Afinal, Cabo Verde seria um bom escape para o rigoroso inverno, que por exemplo neste momento fustiga as estepes russas”, É o desafio que fica no ar.

“Temos sido muito lentos nesse domínio”

Para quando a criação de missões empresariais direccionadas especificamente para estes mercados emergentes? “Há muito tempo que isso vem sendo feito pelo sector privado”, responde Gualberto do Rosário, presidente da Câmara do Turismo de Cabo Verde. Mas falta uma atitude mais dinâmica das entidades públicas. “A CT tem apelado constantemente ao Estado para que seja um parceiro do sector privado e principalmente das empresas dos sectores do turismo e imobiliário, que cumprem o papel de eixos fundamentais do desenvolvimento da economia do país”.

Na opinião de GR, muito mais poderia ser feito a nível governamental: promover a competitividade fiscal, melhorar a segurança jurídica, modernizar o sistema financeiro e favorecer a transferência de capitais para motivar os empresários desses mercados emergentes a se interessarem por negócios em Cabo Verde. A condição sine qua non é a criação de instrumentos que facilitem as relações comerciais internacionais, essencialmente a “isenção da dupla tributação com estes países. Temos sido muitissimo lentos nesse domínio e o que tem sido feito é muito pouco”, critica.

A administradora da Tecnicil Imobiliária, Fernanda Vieira, reforça esta ideia e defende a assinatura de acordos de parceria entre o Estado de Cabo Verde e estes novos mercados como forma de facilitar o ambiente de negócios.“No caso de Angola, temos uma irmandade, uma história comum e há vontade dos dois países em fazer parcerias comerciais. O problema é que o Banco Central de Angola determinou limitar a saída de divisas do país e com esta medida muitos angolanos com meios financeiros e que querem comprar casas ou fazer outros investimentos não conseguem retirar o seu dinheiro ou transferi-lo para Cabo Verde”, lamenta.

Fernanda Vieira sugere a criação de linhas de crédito por parte dos bancos angolanos presentes em Cabo Verde, como o BAI. E congratula-se com o facto do BIC-Angola ter comprado o BPN-IFI sediado na cidade da Praia. Mais um canal a explorar e que pode ponteciar o investimento angolano em Cabo Verde. Isso possibilitaria transferências monetárias de Angola para as contas dentro do arquipélago. “Neste momento estou a lidar com o caso de um cliente que quer comprar, tem dinheiro, mas não consegue transferir o montante necessário de Angola para Cabo Verde, dentro da legalidade. O Estado de Cabo Verde deveria intervir junto do Governo angolano no sentido de contornar esta limitação”, defende.

No próximo mês de Abril, todos os empresários do ramo imobiliário são chamados a participar de uma ronda de negócios na ilha do Sal entre promotores imobiliários cabo-verdianos e homens de negócios de países de língua portuguesa. Trata-se do CIMLOP - Confederação de Construção e do Imobiliário dos países de língua portuguesa. “Somos membros do conselho directivo e desta confederação fazem parte também Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Portugal e Brasil. Nas reuniões sempre apresentamos Cabo Verde como um destino de negócios. Só no Brasil são mais de 400 mil membros”, anuncia Gualberto do Rosário. O presidente da Câmara do Turismo espera que deste encontro possam sair parcerias rentáveis no ramo imobiliário e de construção para Cabo Verde. Pode ser um bom começo, nesta busca de novos mercados para o sector imobiliário cabo-verdiano.

Susana Rendall Rocha

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