Ricardo Reis, opinião – Dinheiro Vivo
Mais de metade do
nosso défice público vai para pagar juros? Sim. A Polónia não paga cerca de
metade do que nós pagamos em juros em percentagem do PIB? Sim. Se pagássemos
menos juros, podíamos cancelar todos os aumentos de impostos dos últimos dois
anos? Provavelmente. Logo, a taxa de juro que os "amigos" da troika
nos cobram é abusiva e um fardo pesado sobre o nosso orçamento? Nem pensar.
Os juros que
pagamos são o produto da taxa de juro vezes a dívida que temos. A Polónia vai
pagar aproximadamente a mesma taxa de juro do que nós em 2012, cerca de 4,1%.
Só que a dívida deles é metade da nossa.
O nosso problema
não é a taxa, que até está abaixo da média em democracia antes de entrarmos no
euro. O problema está na dívida que é enorme. O grande obstáculo orçamental não
está nos termos do acordo com a troika, está antes nos défices que acumulámos
durante anos a fio. Se o dinheiro vai hoje para pagar juros e não sobra para
pagar pensões e salários, não é por causa da taxa de juro, mas das pensões e
salários a mais que pagámos no passado.
Para além disso, a
taxa de juro que pagamos à troika são só cerca de 3,2%. Os credores privados é
que cobram muito mais, resultando numa média de 4,1%. A troika é o nosso credor
mais generoso.
O ataque aos juros
não para aqui. Então, se a França está a pedir emprestado a uma taxa de 2,1%, e
a Alemanha a 1,4%, não estão a lucrar à nossa custa? Porque é que os alemães
não pedem dinheiro emprestado a 1,4% e o emprestam aos portugueses a uns 2%,
ficando todos mais ricos? Não, não, não.
A Alemanha já faz
isto, todos os meses. Criou-se uma agência, o EFSF, que pede emprestado para
poder emprestar aos portugueses. Crucialmente, ela faz isto em nome dos
alemães, franceses e outros europeus, e com o seu explícito aval e garantia.
Qual é a taxa de juro que os mercados cobram ao EFSF? 3,2%, precisamente o
mesmo que o EFSF nos cobra a nós. Ninguém na Europa está a lucrar à custa do empréstimo
a Portugal.
Então, porque é que
a taxa cobrada ao EFSF é maior do que a cobrada à Alemanha? Essencialmente por duas
razões. Primeiro, porque o EFSF pede emprestado não só em nome da Alemanha, mas
também da Bélgica, de Itália ou de Espanha. Espanha neste momento paga 5,3% de
taxa de juro pelos seus empréstimos e Itália 4,6%. A taxa de juro de 3,2% é a
taxa europeia e é a Europa, não a Alemanha, quem nos empresta fundos através da
troika. Segundo, porque quando eu empresto dinheiro à Alemanha, sei com o que
conto. Já a política europeia tem sido tão inconstante que o que é hoje verdade
sobre o EFSF pode mudar amanhã.
Se nem a troika nem
os países são os agiotas, os culpados devem ser os bancos. Então o BCE não
empresta a 0,75% aos bancos? Porque é que eles não emprestam a Portugal a essa
taxa? Se tivéssemos um banco central que pudesse imprimir escudos, como Inglaterra
tem hoje, não teríamos juros mais baixos? Não, disparate outra vez. Mas a
explicação fica para a próxima semana.
Professor de
Economia na Universidade de Columbia, Nova Iorque
Escreve ao sábado
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