FRANKFURTER
RUNDSCHAU, FRANKFURT – Presseurop – imagem Ilustração histórica da
Batalha de Sedan, em 1870.
Em Sedan, de
Bismarck a Hitler, os franceses tentaram, por três vezes, resistir, em vão, aos
alemães. Um jornalista foi até lá para ver como está a reconciliação
franco-alemã, 50 anos depois do Tratado do Eliseu, e descobriu uma cidade
minada pela pobreza e que vive das recordações do passado.
Os flocos de neve
dançam à luz dos candeeiros. O terreiro da estação brilha sob o manto branco do
inverno. Os raros passageiros do TGV que desceram aqui, em Sedan, afastam-se em
passo rápido. Um silêncio quase solene paira sobre aquele lugar. Não vemos ninguém
durante alguns minutos, nem carros, nem autocarros, nem táxis.
A cidade nem sempre
foi assim tão calma. Durante a guerra de 1870-1871, as tropas de Bismarck
tomaram de assalto, pela primeira vez, o forte de Sedan. Refugiado no Palácio
dos Príncipes, o imperador Napoleão III mandou içar a bandeira branca e, desde
então [até 1918], os alemães celebraram, todos os anos, o "Sedantag"
[o dia de Sedan], a 2 de setembro.
Em maio de 1940,
durante a Segunda Guerra Mundial, as unidades blindadas de Hitler varreram de
surpresa o Norte. Um mês mais tarde, a França era derrotada. As feridas
infligidas na altura estão cicatrizadas – num momento em que a França e a
Alemanha celebram os quinquagésimo aniversário do Tratado do Eliseu e 50 anos
de amizade? A cidade está em festa?
Poucos vestígios da
reconciliação
Laurent Poncelet
não está, em qualquer caso. Aos 45 anos, este homem que foi ele próprio militar
e que agora dirige uma empresa de táxis com dois veículos, abana a cabeça da
esquerda para a direita. “Só queremos uma coisa, sair daqui. Sobretudo os
jovens”, confessa ele. Todas as grandes empresas voltaram as costas a esta
região fronteiriça com a Bélgica, lamenta, a começar pelos empregadores
históricos, do fabricante de componentes automóveis Delphi ao fabricante de
eletrodomésticos Electrolux. A maior parte dos habitantes de Sedan vive das
ajudas do Estado, 42% das casas são habitação social e a taxa de desemprego
atinge os 26%. “Aqui não há futuro. Só há muito passado. Muita história
franco-alemã. E mesmo essa não tem nada de bonito”, diz Laurent Poncelet.
Depois de séculos
de guerra, não se veem muitos traços do milagre da reconciliação nesta pequena
cidade de 19 400 almas. Sedan parece até desinteressada do aniversário do
Tratado do Eliseu. Laurent Poncelet não é, evidentemente, o único a pensar que
a história franco-alemã parou na Segunda Guerra Mundial.
A senhora do posto
de turismo sorri, encolhe os ombros. Não sabe nada sobre as cerimónias
organizadas para comemorar o cinquentenário, garante. Mas a "Maison de la Dernière Cartouche" é um
excelente local a ser visitado. “Os lambris da casa, ocupada pelas tropas de
Bismarck, ainda têm as marcas das balas da época”, diz ela. Os quadros a óleo
mostram os franceses a resistirem aos alemães, em muito maior número, e
enfrentando uma morte certa. “Porque não vai visitar o nosso castelo do século
XV? Com 35 mil metros quadrados, é a maior fortaleza da Europa!”
O
“castelo-fortaleza” fica mesmo do outro lado da rua. É preciso uma boa meia
hora para percorrer as muralhas. Placas de mármore lembram que, também durante
a Primeira Guerra Mundial, os soldados alemães semearam a morte e a desolação
em Sedan. De janeiro de 1917 a novembro de 1918, o forte serviu de local de
execuções. Ali estiveram presos 18 mil habitantes e oito mil foram executados.
Habitantes recusam
participar nas comemorações
Os jovens que vêm
aquecer-se na entrada do posto de turismo não ouviram falar do Tratado do
Eliseu nem das celebrações do aniversário da amizade franco-alemã. “Nas aulas
só estudamos as guerras”, explica Karim, um adolescente de 16 anos, alto e de
cabelo encaracolado, que quer entrar para a polícia “numa cidade grande, seja
ela qual for”, depois de terminar o 12º ano. Lilia mete-se na conversa. “Já
tive um namorado alemão, eles são muito abertos e simpáticos”, garante ela.
“Não sabes o que dizes”, intervém Karim, “eles mataram os teus antepassados”.
No café "Au
Bon rhum", Richard, um empresário da construção civil, bebe uma cerveja
com a mulher, Jeanine. Já ouviram falar das comemorações do Tratado do Eliseu,
mas não querem participar. “Não gostamos de alemães”, reconhece Richard, 48
anos. Pode ser que a geração mais jovem consiga reaproximar os dois povos,
admite ele. Atrás deles, na parede, um painel enferrujado ostenta a seguinte
inscrição: “Praça de Armas”.
Um passeio pelas
ruas da zona antiga de Sedan confirma as palavras de Laurent Poncelet, que fala
de uma cidade sem futuro. Portões enferrujados, estuque a cair, cartazes de
“cessação de atividade”, são testemunhos da pobreza e do declínio da cidade. As
persianas fechadas há muito tempo transmitem-nos uma mensagem clara: já não
vive ninguém aqui. E, na maioria das vezes, ficaram apenas os que são demasiado
pobres para partirem. Ao todo, apenas 35% das famílias de Sedan têm rendimentos
tributáveis.
Acabamos por
perceber que, se a ilusão do
reaquecimento das relações franco-alemães vem morrer aos pés das
muralhas do forte de Sedan, não é só por causa dos enormes danos causados pela
guerra. Mas também porque a cidade, para além das recordações de uma
resistência heroica, não tem muito mais que a conforte. O sacrifício, a
fraternidade e a grandeza ostentados na derrota são motivo de orgulho que
ajudam a suportar as horas difíceis.
Demolição de um
monumento
Será então de admirar
que Didier Herbillon, professor de história, historiador de arte e presidente
do município de Sedan, se tenha recusado a falar? O socialista não se mostrou
disponível para uma entrevista sobre as alterações na cidade e a obra de
reconciliação iniciada por Konrad Adenauer e Charles de Gaulle. Na página de
Internet do município, na agenda do presidente, a data de 22 de janeiro nem
sequer menciona um minuto de silêncio pelo aniversário do Tratado do Eliseu.
É numa outra
vertente que Didier Herbillon coloca as relações franco-alemães. Para grande
escândalo dos historiadores de arte alemães e franceses, no ano passado, ele
autorizou a demolição de um monumento, no cemitério de Sedan, em memória dos
soldados alemães mortos durante a Primeira Guerra Mundial. O monumento em causa
era uma “provocação”, afirmou o autarca.
Em Paris e em
Berlim, os funcionários do Gabinete franco-alemão para a juventude lamentam
que a geração mais jovem seja incapaz de apreciar a amizade franco-alemão em
todo o seu justo valor. Para esta geração, a paz é um dado adquirido e a França
é um país interessante, entre muitos outros. Sedan é prova disso mesmo: os que
cultivam a memória da guerra estão longe de estarem prontos para se
comprometerem com o caminho da paz. E, sobretudo, este exemplo mostra
completamente a audácia do general De Gaulle que, menos de 20 anos depois do
fim da guerra, estendeu a mão da reconciliação a Adenauer.
CONTRAPONTO
“Um emaranhado
único no mundo”
“Nada sem a
Alemanha” proclama oLibération no seu
editorial de 22 de janeiro, dia de aniversário do Tratado do Eliseu. “Vista
a partir do nosso pequeno teatro hexagonal, é uma realidade dura de aceitar,
mas tenaz: 50
anos após o Tratado do Eliseu, [...] a França não pode fazer nada sem
primeiro chegar a acordo com o seu poderoso parceiro germânico.”
O diário
congratula-se com esta relação única:
Nenhum outro país
do mundo construiu com um grande Estado vizinho um emaranhado tão sofisticado
de relações económicas, comerciais, financeiras, políticas e até mesmo
culturais, tão densas e apaixonadas.
Mencionando o
envolvimento militar francês no Mali, o Libérationsublinha a resistência
da Alemanha “à ideia de assumir as responsabilidades internacionais que o seu
poder exige” e escreve que do plano de viagem
traçado por Adenauer e de Gaulle, tudo foi levado mais além, com exceção de um
único domínio: a política de segurança. No entanto, o general afirmou que se as
duas margens do Reno não têm nada a dizer uma à outra em matéria de defesa,
arriscam-se, um dia, a nada terem para partilhar. O Tratado do Eliseu não
ganhou uma ruga. Mas a Alemanha tem também ainda um caminho para percorrer.
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